Ícone do cinema gore e de ficção científica, A Mosca é
certamente um filme marcante para quem o assisti, seja pela esquisitice, pelo
aspecto para lá de nojento, ou então pela inteligente metáfora. Você pode até
não gostar desse tipo de filme, mas com certeza ficará impressionado pelas
imagens e pela história.
Dirigido por David Cronenberg, diretor que ficou famoso
por filmes que misturam elementos de ficção científica e um surrealismo bizarro,
como Scanners e Videodrome, A Mosca de 1986 é uma refilmagem do longa homônimo
de 1958.
O filme conta a história de Seth Brundle (Jeff Goldblum),
um cientista que desenvolve uma máquina de tele transporte. No entanto, tudo
começa a dar errado quando Seth decide testar a máquina com ele mesmo dentro,
só que o mesmo não percebe que uma mosca também entrou na máquina com ele.
Aparentemente tudo dá certo, o cientista é tele transportado, porém, aos poucos
vai descobrindo que ele acabou se fundindo com a famigerada mosca no processo,
e isso desencadeia uma lenta e perturbadora transformação dele em um inseto.
Se analisado em um nível mais superficial, A Mosca não
passa de um filme gore nojento, de um homem que vai se transformando em uma
mosca. No entanto, olhando com mais atenção percebe-se que o longa de
Cronenberg contém uma alta carga de alegoria, inspirada principalmente no
clássico livro do escritor Fran Kafka, A Metamorfose. Na obra de Kafka um homem
amargurado e frustrado com a sua vida medíocre acorda um belo dia transformado
em uma enorme e repulsante barata. Assim como no livro do escritor tcheco, a
metáfora da transformação em inseto do filme de Cronenberg simboliza a
degradação do homem médio, que se sente como um inseto, um ser nojento e
desprezível para as outras pessoas e para ele mesmo.
Quanto aos aspectos cinematográficos, o filme também é
muito competente. Com uma maquiagem muito bem feita, que passa com muita
veracidade que o protagonista está se transformando em uma mosca. Aliás, a
maquiagem é um dos pontos em que o filme se destaca, por ser extremamente
impactante e também nojenta. Esse é um aspecto que pode ser altamente positivo
para o expectador que gosta de um bom gore bizarro, mas por outro lado pode ser
algo que irá incomodar os expectadores que se impressionam fácil e que tem
aversão a esse componente mais nojento.
Quanto a direção, Cronenberg mostra que tem total
controle sobre a história que deseja contar, transformando o filme em uma
experiência imersiva e por vezes perturbadora para a audiência, abusando de
imagens fortes da transformação de Seth em uma mosca, e assim contribuindo para
o aumento da tensão latente.
Sobre as atuações, todas são muito boas. A começar por Jeff
Goldblom (Jurassic Park), no papel do
cientista Seth. O ator se adequa perfeitamente ao personagem, foi a escalação
perfeita para dar vida ao protagonista. Goldblom não é nem de longe o estereótipo
do galã hollywoodiano, pelo contrário, é um cara esquisito e desajeitado.
Perfeito para o papel de um cientista desajustado e que se transforma em um
inseto.
Outra que está muito bem é Geena Davis (Beetlejuice), no
papel do par romântico de Seth, a jornalista Veronica. Além de carismática, a
personagem tem uma importância narrativa muito forte. Ela é o elo que liga a
normalidade inicial a bizarrice do meio para o final do filme. A personagem
passa por todas as fases emocionais que o expectador também passa com o longa.
Começando com um estranhamento em relação ao protagonista esquisitão no
primeiro ato, passando por um pela simpatia e identificação com o mesmo no
segundo ato, e terminado com um mix de pena e nojo no derradeiro terceiro ato.
Em suma, A Mosca é um filme estranho, bizarro, muito bizarro,
mas que também tem um forte e interessante componente metafórico. É um filme
gore, de ficção científica e também filosófico, assim como a obra literária que
o inspirou. Por conta das nojentas cenas de transformação, aliás bota nojenta
nisso, não é um filme para todo mundo, é preciso ter estômago e não se
impressionar facilmente. Se bem que é difícil não se impressionar com A Mosca,
nem tanto pelo gore, mas muito mais pelo tema da degradação humana. Resumindo,
é uma obra que impressiona positiva ou negativamente, dependendo do gosto do
expectador, mas o que não se pode negar é que algo impressiona. Resumindo, é um
filme que merece ser visto, e sobretudo merece ser lembrado.
NOTA: 8,75