MAD MEN & SÃO PAULO, SOCIEDADE ANÔNIMA
É curioso pensar o que um filme brasileiro dos anos 60 e uma série americana dos anos 2010 tem em comum. Em primeiro lugar, ambas se passam na mesma época: os anos 60. Além do fato das duas produções se passarem em grandes metrópoles, Mad Men em Nova York e São Paulo, Sociedade Anônima na capital paulista. Mas o aspecto principal que as duas séries têm em comum, é o fato que ambas têm como protagonistas homens bem-sucedidos profissionalmente e na vida amorosa. Que têm uma vida confortável financeiramente, são bonitos, tem casos com mulheres atraentes e possuem famílias “perfeitas”, com uma esposa dedicada e filhos lindos.
No entanto, os dois sentem uma infelicidade, um sentimento de vazio difícil de se explicar quando se tem tudo. Ambos se sentem sufocados pelo selvagem ambiente corporativo em que estão inseridos, mas o curioso é que os dois são verdadeiros predadores capitalistas, fazendo de tudo para alcançar os seus objetivos profissionais, seja passando por cima de um colega de trabalho, seja abusando psicologicamente dos seus subordinados. Ou seja, Tanto Carlos (São Paulo, Sociedade Anônima), quanto Don Draper (Mad Men) são vítimas do próprio feroz ambiente corporativo e capitalista que eles mesmos alimentam e ajudam a sustentar.
Em uma das falas mais famosas de Mad Men, Don Drapar diz a uma de suas amantes: “O que você chama de amor foi inventado por caras como eu para vender meias calça”. E curioso perceber que o protagonista de Mad Men ao mesmo tempo em que nega o amor, não se envolvendo verdadeiramente com ninguém, usa o mesmo como argumento de vendas em suas peças publicitárias. Mas mesmo negando o sentimento, há momentos ao longo da série em que Draper é tocado verdadeiramente pelo sentimento “criado para vender meias calça”. E é essa dualidade e contradição que fazem de Draper um dos personagens mais interessantes a aparecer na televisão nos últimos tempos.
O drama de Draper gira em torno da incessante busca sobre a sua verdadeira identidade. O personagem que na infância era Dick, um garoto caipira criado no campo, com um pai autoritário e sem nenhuma expectativa de vida, se vê perdido quando é enviado para lutar na guerra da Coréia e tem de lidar com uma situação extrema de sobrevivência. No entanto, tudo muda quando Dick toma a identidade de Don Draper, o seu comandante de batalhão que morre em um bombardeio. Sem perspectivas de vida como o simplório Dick, o agora Don Draper vê uma oportunidade de assumir uma identidade nova e consequentemente de ter uma vida nova, agora na cidade grande, com grandes oportunidades. Com o passar dos anos, Draper consegue se dar bem na gigante Nova York e se mostra um homem de raro talento criativo que se encaixa perfeitamente na emergente indústria publicitária americana. No entanto, no decorrer da série, Don se depara com diversas crises existenciais, questionando se de fato ele se encaixa naquele mundo perfeito. Mas ao mesmo tempo não quer voltar para a sua antiga realidade. E isso se reflete nos seus relacionamentos, tanto profissionais como pessoais, ele nunca consegue de fato se entregar e assumir aquele papel, sempre mantendo uma certa distância das pessoas. E um grande catalisador para esse comportamento de Draper é a natureza impessoal e feroz das grandes cidades e do capitalismo que as sustenta. Essa natureza nos leva ao nosso segundo personagem analisado, Carlos, de São Paulo, Sociedade Anônima.
Assim como Draper, Carlos é impessoal, cruel e impassível, e isso faz com que tenha sucesso no ambiente capitalista de outra grande metrópole, São Paulo. Ao mesmo tempo em que esse ambiente se encaixa perfeitamente com a personalidade de Carlos, de certa forma também faz mal para ele. Que aos poucos vai percebendo que toda aquela selvageria travestida de sucesso não traz a verdadeira felicidade. Percebe-se então que Carlos também vive de certa forma uma crise de identidade, apesar de ser em menor grau que a de Draper, não deixa de ser um problema de identidade. Tudo o que ele julgava ser o ideal de sucesso, um bom emprego e uma família perfeita se mostra insuficiente. O vazio e a infelicidade sentida pelo personagem escancaram que a identidade que Carlos acreditou ter por toda a sua vida, não se tratava de fato do verdadeiro “eu” do personagem. O ritmo alucinante de São Paulo, bem como a sua natureza feroz fazem com que Carlos se sinta acuado e desconfortável, levando o personagem a tomar a mesma atitude drástica que Don Draper em Mad Men.
Quando confrontado com os seus verdadeiros sentimentos face a “vida perfeita” na cidade grande, Carlos não vê alternativa a não ser fugir daquele modelo de felicidade destruído, assim como Don Draper faz em Mad Men. No entanto, enquanto que na produção brasileira, Carlos fracassa na sua tentativa de fuga e acaba retornando involuntariamente para São Paulo, no seriado americano Don Draper simplesmente desaparece da sua antiga vida, fugindo de Nova York, do seu emprego e da sua família sem deixar rastros.
Uma vez que Draper já mudou de vida e identidade antes, é mais fácil para ele mudar novamente, por isso a decisão dos autores de Mad Men em dar esse fim ao personagem. Enquanto que Carlos nunca mudou de ambiente e identidade, apesar da crise existencial no fim do filme, a mudança é algo novo para ele. Por isso a decisão do diretor de fazer com que o caminhão que pegou carona para fugir de São Paulo acabe voltando para a própria capital paulista, uma maneira metafórica de dizer que o personagem acaba sempre no epicentro das suas contradições, o lugar em que mais ama e também o que mais odeia.
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