A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (1967)
Antes de falar sobre o filme em si é preciso explicar um
pouco o que foi o movimento cinematográfico conhecido como Nova Hollywood.
Sendo A Primeira Noite de Um Homem um dos percursores deste, junto com Bonnie e
Clyde, lançado no mesmo ano.
Pois bem, esse movimento surgido no final da década de 60 /
começo de 70 foi encabeçado por uma série de jovens cineastas americanos recém-saídos
das primeiras faculdades de cinema dos EUA, que tinham uma forte influência de
filmes europeus, em especial do movimento francês da Nouvelle Vague. Esses
jovens diretores autores, se opunham a Hollywood clássica dos anos 50, na qual
predominavam os grandes estúdios e filmes com produções grandiosas e otimistas,
como épicos e musicais escapistas. Além de se opor esteticamente, com um visual
muito mais europeu do que americano, esses cineastas também começaram a abordar
temas mais controversos, pessimistas e intimistas. Totalmente o oposto das
super produções megalomaníacas e de certa forma impessoais da década passada.
É nesse contexto que o diretor Michael Nichols lançou no
final da década de 60 A Primeira Noite de Um Homem. Um filme sobre o vazio
existencial de um jovem de família rica americana. Some ainda o fato dos EUA
terem recém-saído da guerra do Vietnam. Um trauma que até hoje não foi superado
pelos americanos, e que naquela época criou uma espécie de onda pessimista no
país. Tendo reflexo direto na sétima arte.
O filme conta a história de Benjamin Braddock, um jovem de
família abastada que acabou de se formar na faculdade e é recebido com todas as
honras na mansão dos pais que criam mil planos para o futuro brilhante do
filho. Desde fazer mestrado, até se tornar sócio na empresa de um dos amigos. O
problema é que apesar de ter tudo trabalhando ao seu favor, Ben não vê sentido na
sua vida. Ele não tem objetivos e nem sonhos, seguiu até então apenas o que o
pai e a mãe esperavam dele.
O filme todo se desenrola sobre esse dilema, o jovem
angustiado procurando uma razão para seguir em frente. E é a partir do caso
amoroso que ele tem com a sua vizinha mais velha, a Senhora Robinson, que Ben
começa a tentar se tornar um homem. Desde a perda da virgindade, até a busca
pelo autoconhecimento. Elaborando objetivos de vida, como se casar com a filha
da amante, Elaine.
Podemos perceber então que o longa tem um roteiro muito
profundo, reflexivo e filosófico, com uma excelente construção de personagem do
protagonista. Ao mesmo tempo em que não deixa de ser divertido, com tiradas
muito engraçadas e de humor inteligente. Dessa forma acaba sendo um dos raros
casos de filmes que fazem o expectador pensar, sem deixar de entretê-lo.
Somada ao grande roteiro está a direção primorosa de
Nichols, ganhador do Oscar de Melhor Diretor em 1968. Os enquadramentos são
recheados de simbolismos, que dizem de forma sutil o que está acontecendo em
cena. Com destaque para a famosa cena em que o protagonista diz a célebre fala:
“Are you trying to seduce me Mrs Robinson?”. Nessa cena o protagonista é
mostrado em segundo plano atrás da perna da Mrs Robinson de meia calça sensual
em primeiro plano, simbolizando que ele está preso ao desejo que sente por ela.
Há ainda uma infinidade de outros quadros e cenas interessantes, como a
metáfora com o aquário e o traje de mergulho que simbolizam o vazio em que o
personagem está “afundado”.
Outro fator que contribui bastante para o simbolismo sutil
do filme, é a montagem. Que é bastante inventiva e ágil, contribuindo para que
tanta reflexão não se torne cansativa e morosa. Um ótimo exemplo é a montagem
da cena logo no começo do filme, quando a senhora Robinson leva o protagonista
para o quarto dela e tenta seduzi-lo. Depois de muita insistência ela tira a
roupa e encurrala Ben, que tenta não olhar, mas acaba olhando de relance
algumas vezes para as partes intimas da senhora Robinson. Nessa cena os cortes
são bem rápidos quando ele olha para ela, sendo colocados trechos quase imperceptíveis
das partes do corpo dela que ele está olhando. Nesse momento o montador coloca
o expectador no lugar do protagonista, simulando o ponto de vista dele através
de uma montagem brilhante.
As atuações de Dustin Hoffman como Ben, Anne Bancroft como
a senhora Robinson e Katharine Ross como Elaine são todas excelentes,
transmitindo toda a angustia, e desespero das vidas vazias dos seus
personagens. No entanto, grande parte do peso dramático do filme vem da
brilhante trilha sonora, que traduz com maestria todos esses sentimentos.
A trilha sonora além de linda se encaixa muito bem com as
cenas. Composta por Simon e Garfunkel, as canções do filme se tornaram grandes
hits na época, com destaque para Sound of Silence e Mrs Robinson. Algumas
canções são tocadas mais de uma vez, dando uma falsa primeira impressão de repetição
e falta de repertorio. Porém, existe uma clara relação entre todas as cenas em
que tocam a mesma música. Cada canção está ligada a um estado emocional
específico, tendo relação direta com o sentimento que o personagem está
sentindo naquele momento.
Como maior exemplo temos a canção The Sound of Silence, que
é tocada sempre que o protagonista está afundado no seu vazio existencial, ou
mergulhado no angustiante “Som do Silêncio” como diz na letra. Essa música é
tocada nos três atos do filme, e pode ser entendida como o cerne da trama.
Na cena inicial ela é tocada enquanto o protagonista está
voltando para casa depois de se formar na faculdade, sempre enquadrado de forma
a parecer isolado, sufocado e perdido. No começo do segundo ato, depois de
perceber que o seu relacionamento com a senhora Robinson é puramente casual e
vazio, Ben começa a ficar à toa o dia inteiro tomando sol na piscina de casa
durante o dia, enquanto que a noite se encontra com o seu affair. Numa dessas
cenas em que ele é filmado tomando sol na piscina toca novamente a canção,
mostrando que o seu caso com a senhora Robinson não conseguiu dar um sentido a
sua vida, e o vazio continua. Por fim, na controversa cena final do filme,
depois de invadir o casamento da amada Elaine e fugir com ela em um ônibus,
ambos são filmados lado a lado sentados no ônibus, no entanto, sem se olharem
diretamente e dando leves risinhos que denotam alegria mas também incerteza. E
quando toca novamente Sound of Silence temos a confirmação que apesar do
protagonista ter alcançado o seu objetivo ele não está plenamente realizado. Não
sabe mais o que fazer a partir de então, voltou ao seu estado de incerteza
quanto ao que quer para o futuro.
Concluindo, A Primeira Noite de Um Homem é um filme espetacular.
Tanto em termos estéticos, quanto de conteúdo. Tem uma mensagem muito forte, e
que apesar dos anos não ficou datada, pelo contrário, temas como
existencialismo, sentido da vida e depressão ainda são e sempre serão atuais. E
apesar de serem temas difíceis, Nichols trata os com maestria, através de um
roteiro profundo, direção e montagem inventivas, e uma trilha sonora memorável.
Criando dessa forma uma obra icônica e essencial.
NOTA:
9,84
Violência Gratuita (2007)
Dirigido pelo diretor Michael Haneke, o filme é uma
refilmagem feita nos EUA do longa original austríaco feita pelo mesmo diretor
em 1997. A película conta a história de uma família rica e feliz norte-americana
que vê tudo desmoronar quando recebe a visita de dois garotos aparentemente
educados e polidos da vizinhança, que inicialmente pedem apenas alguns ovos,
mas posteriormente mostram a sua verdadeira intenção; se divertir às custas da
família através de jogos cínicos, violentos e macabros, ou como diz o nome
original do filme: Funny Games.
Inicialmente o título e a sinopse do longa podem sugerir
que se trata de um filme recheado de violência gráfica, como Jogos Mortais e
afins. No entanto, a direção de Haneke é brilhante ao não mostrar as essas
cenas mais violentas, posicionando a câmera fora do alcance do expectador
nesses momentos mais gráficos. Tudo fica a cargo do que é sugerido pelo
cineasta, que dessa forma força o expectador a imaginar como as coisas aconteceram.
Percebe-se então que a violência utilizada é muito mais psicológica do que
visual e explícita. Tornando a experiência ainda mais angustiante para o
público, assim como os grandes mestres do suspense e terror psicológico
costumam fazer, esconder é muito mais instigante do que mostrar.
Além desse componente narrativo interessante que a direção
de Haneke transmite, a mesma também pode ser lida como uma crítica a grande
violência gráfica a que somos expostos atualmente em filmes, videogames, HQs e
programas de televisão. Chegamos ao ponto em que vemos tanto sangue, explosões
e dilacerações nos meios de comunicação que essa violência já não nos afeta
tanto assim. Tudo se tornou muito banal, desde o noticiário criminal apelativo
até o filme mais sanguinário. Não que isso seja uma coisa necessariamente ruim,
as pessoas gostam de violência e se não a praticam de fato, utilizam essa
exposição midiática para satisfazer inconscientemente os seus desejos mais
perversos e nefastos. Porém, o ponto é que tanta exposição gera uma tolerância
maior a violência, a dose é tão alta que não sentimos mais nada ao vê-la. É
como uma pessoa que bebe tanto álcool, que chegou ao ponto de não ficar mais
bêbado mesmo ingerindo grandes quantidades de bebida.
É por isso que os filmes mais perturbadores são aqueles que
utilizam a violência de uma forma diferente e inteligente, utilizando muito
mais o terror psicológico do que o gráfico. É por essa razão que filmes de
terror como A Bruxa e O Babadook fizeram tanto sucesso recentemente. Existem
outras infinitas formas de criar tensão no expectador, muito mais do que apenas
a simples violência visual. E esse é claramente o caso de Violência Gratuita,
que usa de uma série de recursos cinematográficos para deixar a audiência
atônita, tensa e perturbada.
Além da direção de Haneke, são utilizados outros meios para
criar essa atmosfera perturbadora no filme. Um deles é a trilha sonora, que se
mostra logo na cena inicial do longa. Nela, aparece toda a família reunida e
feliz dentro do carro em direção a sua casa de veraneio. Eles estão ouvindo
músicas clássicas leves e agradáveis e brincando de um jogo de adivinhar qual é
a música (vemos aqui uma espécie de prelúdio irônico dos jogos violentos que
estão por vir). No entanto, de repente surge uma música não diegética (que os
personagens não escutam, apenas o público), essa música é extremamente pesada e
perturbadora, uma espécie de black metal demoníaco. A música também serve de
anúncio para a violência que está por vir. Enquanto é mostrado a família dando
risada e alegre no carro a música pesada é tocada, causando um estranhamento no
público que percebe naquele momento que algo muito ruim irá acontecer.
Outro fator que ajuda muito a criar a tensão que vemos em
tela é a atuação pesada e impactante do elenco, tanto pelo cinismo e
perversidade dos garotos cruéis, tanto pela angústia e sofrimento das vítimas.
Michael Pitt e Brady Corbet transmitem muito bem toda a
crueldade e futilidade que dois garotos psicopatas de família rica sentem, e
que para saciar esse instinto violento decidem torturar uma família a troco de
nada, ou como diz o próprio nome do filme, a troco de uma Violência Gratuita.
Peter (Corbert), é meio abobalhado e age mais por conta da influência do amigo,
mas nem por isso deixa de ter prazer ao presenciar a violência que assiste e
pratica. Enquanto que Paul, é claramente o líder da dupla, mais cruel e cínico
que o amigo, sente prazer no poder que obtém ao brincar cruelmente com a
família.
Quanto a atuação da família torturada, Naomi Watts, Tim
Roth e Devon Gearhart, também estão muito bem, transmitindo com muita
veracidade o sofrimento que sentem. Ann (Watts), a mãe, é uma dona de casa
perfeita que gosta de manter um bom relacionamento com os vizinhos, e se
prontifica rapidamente a dar os ovos que os garotos pedem. No entanto, a medida
que ela e a família vão sendo cruelmente torturados, ela consegue
passar muito
bem um desespero angustiante que acaba contagiando o público por osmose. Tim
Roth, também está muito bem no papel do pai de família George, que vai perdendo
as esperanças gradualmente de sair daquela situação extrema. Desde que tem a
perna ferida por um dos garotos e não consegue mais andar, ficando impotente
frente a violência praticada contra a sua família e a ele próprio. E por fim o
jovem Gearhart no papel do filho pequeno Georgie, que também se sente impotente
frente ao mal causado pelos garotos, e transmite com competência essa sensação
ao público.
Concluindo, Violência Gratuita é um perturbador, mas também
é reflexivo. A reflexão vem da crítica irônica que o diretor faz a violência em
excesso a que somos expostos todos os dias através dos veículos de comunicação.
Além disso, é um filme cinematograficamente muito interessante e rico, com
atuações muito boas, uma direção muito perspicaz e hábil ao manipular os
sentimentos do público e uma trilha sonora tão violenta e inesperado quanto as
crueldades presentes em cena.
NOTA:
8,84
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Faça a Coisa Certa
Dirigido por Spike Lee, Faça a Coisa Certa foi um
verdadeiro para marco para o cinema negro nos EUA. O filme foi um grande
sucesso de crítica e público e se tornou um divisor de águas em Hollyood, a
partir daí a porta foi aberta para cineastas negros e produções com um elenco
majoritariamente afrodescendente. Provavelmente não existiriam os cultuados Moonlight
e Corra! Se não tivesse sido filmado lá em 1989, o importante longa de Lee. Mas
afinal de contas porque Faça a Coisa Certa é tão importante e marcante na
história do cinema?
Primeiramente porque o roteiro é muito sagaz. Consegue
mostrar de uma forma inteligente e divertida a questão do conflito racial nos
EUA. Divertida porque os diálogos são ágeis dinâmicos e muitas vezes hilários,
inteligente porque aborda esse tema tão complicado de forma não maniqueísta, e
faz o expectador realmente refletir sobre o tema.
Pode se dizer que cada personagem representa um ideal na
forma como se enfrenta ou pratica o racismo. Logo de cara fica claro a alusão
as ideias de Martin Luther King e Malcom X, e suas visões distintas de se
combater o preconceito e as desigualdades raciais. Os ideiais combativos de Malcom
X de se fazer justiça racial e se defender através da violência são
personificados pelos personagens Radio Raheem e Buggin´out, dois jovens
revoltados e cheios de ódio. Enquanto que a linha de pensamento pacifista de
Luther King é personificada através do personagem Prefeito, um homem de idade
maltrapilho, que é alvo de piadas dos moradores do bairro.
Por outro lado, existe um meio termo entre os dois, e esse
é o protagonista da trama, Mookie, o entregador da pizzaria do bairro, vivido
pelo próprio Spyke Lee. O personagem parece estar alheio aos conflitos raciais,
não toma partido sobre as questões levantadas por Buggin´out e Radio Raheen
porque precisa do emprego. Prefere estar isento nessa questão para não
desagradar nenhum dos lados, nem os seus patrões brancos e muito menos os seus
amigos negros.
Do ponto de vista de quem pratica o preconceito, o filme
não se omite em denunciar todos os tipos de racismo, desde o mais comum dos
brancos em relação aos negros, mas também o dos próprios negros em relação aos
latinos e asiáticos. Enquanto que o personagem Pino, ítalo-americano filho do
dono da pizzaria é a representação do preconceito descarado e declarado, o pai
do mesmo, Sal, representa o racismo velado, diz que gosta dos negros, mas na
verdade só o interessa o lucro que os mesmos trazem ao seu comércio, mostrando
inclusive o seu lado racista quando confrontado por Radio Raheem.
Por outro lado, os negros do filme também são preconceituosos
com os latinos recém-chegados ao bairro de Broklyn. Como por exemplo o
personagem Mookie que tem um filho com uma porto-riquenha, mas se mostra
claramente irritado com o fato do seu filho ter um nome hispânico, Hector, e da
sua sogra só falar com ele em espanhol. Já o preconceito com os asiáticos é mostrado
com a família de chineses que tem um mercadinho no bairro, e sofre com a
xenofobia de parte dos moradores negros que se irritam com a prosperidade dos
imigrantes.
Há também uma crítica forte ao tratamento que os negros
recebem da polícia, que não tem pudores de usar a violência desmedida para
conter conflitos que começam pequenos, mas que se tornam enormes devido a
brutalidade das medidas utilizadas pelos policiais para resolve-los.
A que se destacar também as metáforas e simbolismos
utilizados no filme. Além dos personagens que personificam certos ideais
citados acima, existem também outras alegorias envolvendo o clima e até uma
estação de rádio que narra o dia a dia dos moradores. O clima cada vez mais
quente das ruas do bairro, beirando os 40° graus, representa a tensão desde
cedo instalada na história que vai crescendo gradualmente até literalmente
explodir no ato final, os pequenos conflitos são um barril de pólvora prestes a
estourar, só aguardando o estopim. Enquanto que o personagem de Samuel L. Jackson,
o radialista da estação Love (a rádio não tem esse nome a toa), pode ser
entendido como uma espécie de entidade onipresente que alegra a vida das
pessoas com suas músicas e também está a par de tudo que acontece sem nunca se
envolver com os personagens. É portanto uma metáfora de um deus do bairro do
Broklyn, que se compadece com os dramas dos moradores, prega uma mensagem de
tolerância e amor, mas não chega a tomar nenhuma atitude propriamente dita.
Falando agora sobre a direção, Spyke Lee dá uma verdadeira
aula de como evocar sensações e sentimentos na audiência ao mesmo tempo em que
passa a sua mensagem. Através de close-ups claustrofóbicos nos rostos dos
personagens suados pelo calor extenuante e cheios de raiva consegue colocar o
expectador naquela zona de desconforto e ebulição pelo qual passam os personagens.
Além disso, ele utiliza outros recursos para causar desconforto, como filmar em
um ângulo meio inclinado, que acaba gerando uma
sensação de estranhamento. Sem
falar na sua inventividade e arrojo para enquadrar os personagens e fazer
movimentos de câmera orgânicos e ágeis, utilizando muitas vezes a câmera na mão.
Aliado a direção está a fotografia, que consegue também
transmitir todo esse calor e tensão presentes na película. Abusando de uma palheta
de cores regada a tons fortes e coloridos.
Outro fator que contribuem para dar o tom do filme é a
trilha sonora a base de hip-hop e que sempre entra em momentos oportunos na
história, com destaque para a canção Fight the Power do Public Enemy, tocada
sempre nos momentos em que algum conflito estava para acontecer.
Falando das atuações, Faça a Coisa Certa conta com um
elenco estrelar, sendo que muitos atores viriam a brilhar tempos depois em
outras produções. O longa conta o próprio Spyke Lee no papel do protagonista
Mookie, que tem uma atuação muito segura
e verdadeira. Além de nomes conhecidos como Danny Aiello (Poderoso Chefão) e
John Turturro (O Grande Lebowisk) nos papeis do pai e filho que trabalham na
pizzaria. O irreconhecível Gian Carlo Esposito, ele mesmo, o Gus Fring de
Breaking Bad, no papel de Buggin´out. Martin Lawrence (Vovozona), ainda em
começo de carreira e com um papel bem pequeno, além do grande Samuel L. Jackson
como o radialista.
O filme conta com muitos personagens, por isso não é
possível descrever todas as atuações com detalhes, mas todos os personagens
servem para desenvolver a narrativa e contam com atuações muito competentes.
Por fim, Faça a Coisa Certa é um filme essencial para quem
deseja entender e refletir melhor sobre o tema dos conflitos raciais. O longa
não toma um partido claro sobre de que forma esse problema deve ser enfrentado,
apresenta os ideias de Luther King e Malcom X e os seus prós e contras, e deixa
a cargo do público refletir sobre o que é mostrado em tela. Apesar do foco no
tema social, o filme não deixa de lado o entretenimento do expectador,
apresentando personagens interessantes e divertidos, e abusando da linguagem
cinematográfica e de qualidade para criar uma grande obra de arte moderna.
NOTA: 9,58
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Filmes que contam a história de um grande esportista sempre chamam a atenção do público. Descobrir o caminho que levou uma grande estrela ao status de campeão é muito interessante. No entanto, esse tipo de história pode se tornar ainda mais interessante quando se fala de dois grandes esportistas, e em especial de uma grande rivalidade. E é por esse caminho que o diretor Janus Metz Pedersen nos leva em Borg vs Mcenroe. Um filme sobre o embate de duas grandes lendas do tênis, dois tenistas completamente distintos, seja na personalidade seja no estilo de jogo. Enquanto que o sueco Borg é um sujeito frio e que prefere jogar no fundo da quadra, o americano Mcenroe é totalmente descontrolado emocionalmente e prefere jogar perto da rede.
No entanto, o que o grande público não sabia é que apesar de aparentarem ser extremamente opostos, eles tinham muito em comum um com o outro. Borg escondia um lado destemperado e briguento, e Mcenroe uma faceta mais tímida e insegura. O interessante do longa é ver como cada jogador tenta reprimir as suas fraquezas para melhorar o seu jogo dentro de quadra.
O roteiro é bom, consegue desenvolver os dois protagonistas e mostrar as características que ambos têm em comum mas que quase ninguém conhecia, através de flashbacks muito bem inseridos, e momentos íntimos fora das quadras que conseguem mostrar a essência de cada tenista. Mas muito do êxito do filme reside nas belas atuações de Shia Lebouf como John Mcenroe e Sverrir Gudnason como Bjorn Borg. Ambos conseguem passar muito bem as características marcantes dos seus personagens, a frieza de Borg e o descontrole emocional de Mcenroe. Mas mesmo quando aparecem do jeito que o grande público os conhecia, os atores conseguem colocar pitadas dos lados secretos de seus personagens. Mesmo quando Borg aparenta ser uma pessoa fria, Gudnason imprimi certo grau de raiva e descontrole nas feições e na fala do personagem. E o mesmo vale para Lebouf que transmite muito bem todo o ar de insegurança e medo de Mcenroe encoberto pela sua fúria nas quadras.
O longa foca essencialmente nos protagonistas, não dando praticamente nenhuma chance para o elenco de apoio brilhar. Os que mais aparecem são Stellan Skarsgard (Ninfomaniaca) no papel do treinador de Borg e Tuta Novotny como namorada do tenista sueco. Ambos cumprem muito bem o que o roteiro lhes pede, ser um suporte para Borg. Apesar de nenhum deles ter um arco próprio, ambos os atores passam muito bem todo o drama que era estar ao lado de Borg naquele momento de tensão e pressão. Skarsgard transmite muito bem o carinho e o caráter paternal e por vezes duro da figura do treinador, enquanto que Novotny transparece a dor da namorada que sofre por não conseguir ajudar o tenista a ficar menos tenso.
Quanto a direção, a mesma não chega a brilhar, porém é muito competente para fazer algo que poucos filmes de esporte conseguem, filmar com realismo cenas da ação de uma partida. As cenas de tênis são muito bem orquestradas, com um bom repertório de planos e movimentos de câmera, que não são nenhum pouco repetitivos, muito pelo contrário, são bem inventivos e conseguem colocar o expectador dentro da quadra.
Sobre os outros aspectos técnicos, a fotografia é muito bem trabalhada com cores e iluminação que evocam a época que os fatos contados no filme se passaram. E a trilha
sonora é bem discreta, porém é bem executada, em especial na cena da partida entre Borg e Mcenroe, que contribui bem para aumentar a tensão do jogo e dar status de épica a grande final.
O único ponto parcialmente negativo do filme é a montagem, que é muito apressada no começo. Pulando alguns passos da história de forma abrupta e acelerada, e causando um certo desconforto inicial. No entanto, a montagem e edição vão ficando mais precisos no decorrer do longa, fazendo o público conhecer os personagens pouco a pouco e entendendo tudo que está em jogo na grande partida entre eles. Culminando com um ato final muito empolgante e envolvente, que é sem dúvidas o ponto alto do filme. Muito por conta da montagem ágil aliada a grande direção das cenas de jogo.
Concluindo, Borg vs Mcenroe é um filme que com certeza irá agradar aos fãs de esportes, principalmente aos admiradores do tênis. Possui cenas de jogo muito bem filmadas e montadas que empolgam e fazem o expectador literalmente entrar em quadra. Mas o longa não fica só na superfície da disputa esportiva, pelo contrário aborda muito bem temas como competitividade, mundo da fama, e a necessidade de se transformar em algo que você não é na sua essência para alcançar o sucesso e manter as aparências. Esse na verdade é o cerne da história que tem o tênis como pano de fundo. Por esse motivo o filme também agradará quem não se interessa tanto pelo esporte, mas que se interessa sobre esses temas mais profundos.
NOTA: 8,35
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O Expresso da Meia Noite (1978)
Na história do cinema existem diversos filmes sobre a vida dentro de uma cadeia. Alguns exaltam o drama e a violência pelo qual passam os prisioneiros, outros focam em fugas sensacionais. O difícil é encontrar algum que junte essas 2 abordagens e as transforme em uma história original, perturbadora e instigadora. Esse é o caso de Expresso da Meia Noite, de 1978,que possui um drama do mesmo nível de Em Nome do Pai, e uma fuga tão espetacular quanto um Sonho de Liberdade ou a Fugindo do Inferno.
Com direção de Alan Parker e estrelado por Brad Davis, que vive Billy Hayes, um jovem americano que é preso na Turquia após tentar embarcar em um avião com 2 kg de haxixe. Inicialmente condenado a 4 anos, Billy tem a sua pena alterada para 30 anos devido uma represália do governo turco, que decide usar Billy como exemplo de combate as drogas em resposta a política antidroga internacional do presidente dos EUA Ronald Reagan.
Se ir para a cadeia já é uma tragédia, ser preso em um país estrangeiro com uma cultura totalmente diferente da sua é pior ainda. Esse é o fio condutor da trama, como um americano condenado a passar o resto da sua existência em uma terra distante e distinta da sua reage a essa dura realidade? Hayes sofre nas mãos dos guardas violentos, do carcereiro sádico e principalmente da falta de esperança e de um sentido para continuar a viver.
O filme se torna ainda mais impactante quando descobrimos que se trata de uma história real, que apesar de algumas adaptações em relação ao que aconteceu de verdade não deixa de ser triste, angustiante e perturbadora. Mas não adiantaria nada apenas a história ser impactante, se os outros elementos cinematográficos não o fossem. Além do roteiro, a direção, a fotografia, a trilha sonora e as atuações são excelentes.
Aliás, cinematograficamente falando o filme é impressionante, a começar pela direção de Parker. O cineasta sabe usar muito bem o jogo de mostra e esconde. Mantendo a tensão das cenas até o máximo de tempo possível. Suspendendo com maestria o clímax, e criando uma angustia e desconforto essenciais para deixar o expectador sem respirar, e faze-lo entrar no clima do filme.
Muito do impacto do longa vem do desconforto com o que é mostrado em tela. Ao manter a tensão suspensa por mais tempo o diretor causa uma sensação perturbadora no público, que sofre mesmo já sabendo que algo de muito ruim irá acontecer. Mas o segredo está em justamente prolongar essa angustia.
Outro fator que contribuí para esse clima perturbador e desconfortável do longa é a fotografia. Predominantemente com um aspecto sujo, recheado de tons escuros e arenosos, o filme é fotografado de forma a colocar o expectador naquele mundo desesperador e fétido.
Apesar da excelente direção e fotografia, é outro aspecto técnico que rouba a cena no filme, a trilha sonora. Marcante e angustiante, a trilha é regada a distorções eletrônicas que foram revolucionárias para a época. Mesmo após tanto tempo a trilha não perdeu nem um pouco o seu impacto na experiência de quem assiste a obra. Apesar de atualmente ser algo comum um filme com uma trilha eletrônica, dificilmente ouvimos algo tão poderoso quanto ouvimos em Expresso da Meia Noite. A qualidade e inovação do trabalho do compositor Giorgio Moroder foram reconhecidas pela academia, que concedeu ao longa a estatueta de Melhor Trilha Sonora.
Se a trilha é o melhor elemento técnico do filme, a atuação de Brad Davis é sem dúvidas o elemento humano decisivo para tornar o Expresso da Meia Noite uma obra prima da sétima arte. O ator vive um jovem que começa frágil e ingênuo, mas aos poucos vai endurecendo, amadurecendo e enlouquecendo. Todas essas facetas do personagem são transmitidas com extrema veracidade. Com destaque para a cena em que o personagem tem um ataque de fúria contra o carcereiro da prisão, uma das mais fortes de todo o filme, se não a mais. Muito por conta da atuação alucinante e frenética de Davis, somada com uma direção e movimentos de câmeras igualmente alucinantes e frenéticos.
O restante do elenco também está muito bem, com destaque para John Hurt no papel de Max. Um homem já degradado pelos anos na prisão, que o tornaram louco, mas ainda assim não deixando de ser amigável e polido como um verdadeiro inglês. Ele é um dos amigos de Billy na cadeia e tem papel significativo no arco dramático do protagonista. É sem dúvidas um dos personagens mais cativantes do longa, muito por conta da grande atuação e do carisma do ator.
Jimmy e Erich, os outros amigos de Billy na prisão também cumprem muito bem o seus papeis de desenvolverem o protagonista, mas não tem muito desenvolvimento eles mesmos. Por fim, outro destaque fica com Paul L. Smith, no papel do policial chefe da prisão o principal antagonista da história, e que apesar de falar pouco, quase nada e ainda por cima em turco, consegue impor medo apenas com a sua expressão soturna e macabra.
Falando ainda sobre os personagens turcos do filme, esse é o único ponto negativo de o Expresso da Meia Noite. Todos são retratados de forma extremamente estereotipada. Mostrados no filme como verdadeiros “porcos”, como o próprio protagonista diz na cena do julgamento. Nenhum turco é mostrado de forma positiva no filme, ou são violentos e selvagens, ou então são malandros e corruptos. Fica claro que o ponto de vista do filme é totalmente parcial e preconceituoso. Por motivos dramáticos de criar antagonistas fortes era natural que os turcos fossem tratados no geral como vilões, porém o filme os trata de maneira totalmente unidimensional, não realista e absolutamente maniqueísta.
Esse aspecto do roteiro, foi criticada pelo próprio Billy Hayes da vida real, que disse em algumas entrevistas que apesar de tudo que passou gosta do povo turco, não os julga como um “país de porcos”, como mostrado no filme. Sentiu raiva dos que o fizeram mal sim, mas não generaliza esse ponto de vista negativo aos turcos como um todo.
Apesar dessa retratação preconceituosa dos turcos o filme não deixa de ser uma obra prima, a qualidade da direção, atuações, fotografia e trilha sonora são impressionantes. Porém, se mostrasse os nativos do país de uma forma menos unidimensional, com certeza o filme seria melhor ainda, mais rico narrativamente e bem mais profundo e complexo.
No final das contas Expresso da Meia Noite é uma obra que não deixa absolutamente ninguém indiferente. É impossível não sofrer junto com o drama do protagonista, e quase sentir a mesma angustia e desespero que ele. Por tudo isso, o filme deve ser visto e revisto por qualquer cinéfilo que se preze.
NOTA: 9,32
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Como Nossos Pais
Laís Bodanzky mostra mais uma vez que sabe muito bem trabalhar a temática de dramas familiares e a relação entre pais e filhos/conflito de gerações, assim como fez nos aclamados Bicho de Sete Cabeças e As Melhores Coisas do Mundo. Apesar de no filme estrelado por Rodrigo Santoro a principal crítica ser sobre a política de tratamento aos usuários de droga no Brasil, há também um conflito de gerações, no caso entre pai e filho. Devido a ignorância sobre o assunto, o pai do protagonista acredita que o filho precisa ser internado em uma clínica para dependentes químicos apenas por ser usuário de maconha. Em As Melhores Coisas da Vida também se observa o tema do conflito entre pais e filhos. Enquanto os filhos não compreendem a mudança de orientação sexual do pai, o próprio demora a compreender os dramas da adolescência pelo qual passam a sua prole.
Percebe-se então um histórico e uma predileção da diretora em abordar essa temática de conflitos familiares. Em Como nos Pais, essa temática está ainda mais acentuada, esse é o cerne do novo filme da cineasta. A trama gira em torno de Rosa (Maria Ribeiro), uma dona de casa frustrada com o emprego medíocre e que enfrenta problemas com o marido ausente e com a mãe dura e distante. É a partir desse argumento que a história se desenvolve, e vamos pouco a pouco conhecendo melhor a protagonista e a acompanhando em sua jornada de autodescobrimento.
Apesar de ser muito simples, o roteiro é profundo, em certos momentos existencialista e com diálogos bem naturais e que aumentam o realismo da trama. As conversas entre os personagens são muito bem escritas, parece mesmo que estamos ouvindo um casal discutindo, uma mãe dando bronca nos filhos ou até mesmo uma simples conversa cotidiana. Esse é sem dúvida o grande trunfo do texto do roteirista Ricardo Bolognesi, que é um sopro de autenticidade em meio a tantos diálogos artificiais e novelescos que constantemente vemos no cinema nacional.
Quanto a direção, Laís Bodanzky se destaca pela sutileza e naturalidade com que filma as cenas do longa. Desde os planos que enquadram vários personagens na mesma cena, dando foco sempre na protagonista e desfocando os demais, até metáforas visuais muito inteligentes que ilustram os sentimentos de Rosa. Tudo gira em torno da protagonista, é pelo seu ponto de vista que enxergamos a história. E esse ponto de vista é transmitido muito bem através da sutil e subjetiva direção de Bodanzky.
A direção e o roteiro nada adiantariam se as atuações também não fossem de alto nível. E nesse quesito o destaque fica sem dúvida fica com as duas principais personagens femininas, Rosa interpretada por Maria Ribeiro e a sua mãe Clarice, vivida por Clarisse Abujamra. A primeira dá um show de desenvolvimento de personagem. Passando com maestria por todas as facetas e sentimentos da protagonista, transmitindo com naturalidade; raiva, frustração, tristeza e esperança. A maior parte do êxito do filme está na sua grande atuação, aliada ao texto muito bem escrito por Ricardo Bolognesi.
Quanto a mãe da protagonista, Clarisse Abujamra transita muito bem entre a mãe dura e megera, e a mãe que deseja proteger e ensinar a filha. A personagem é mostrada inicialmente como dura e cruel, mas aos poucos o público vai sendo convencido de que tudo que ela faz é para o bem da filha. E muito dessa mudança de percepção passa pela excelente atuação cheia de camadas da atriz.
O restante do elenco não apresenta atuações tão impactantes como a das duas citadas acima, mas estão longe de atuações ruins. Com exceção de uma das filhas de Rosa que soa bem artificial, o os outros atores não comprometem, pelo contrário, cumprem muito bem as suas funções.
Paulo Vilhena, que vive o marido de Rosa, apesar de estar longe de ser um grande ator, está surpreendentemente bem como o homem egoísta e distante dos afazeres familiares. Ele cumpre muito bem o seu papel no desenvolvimento da trama. Parece que Bodanzky sabe muito bem extrair o melhor do seu elenco, mesmo dos atores mais limitados. Como já havia feito com Fiuk em As Melhores Coisas do Mundo. Que teve uma atuação de destaque no filme da cineasta apesar de ter tido uma série de atuações questionáveis nas telenovelas da Globo, em especial na última produção do horário das 21h00 em que recebeu uma enxurrada de críticas negativas.
Percebe-se alguns truques da diretora para disfarçar atuações que possam soar ruins dos seus atores, como não os filmar em close, e mostra-los sempre juntos com outros atores melhores para que não transpareçam tanto a sua falta de talento. Algumas vezes a diretora até filma esses atores de costas, como algumas cenas com o próprio Vilhena e com uma das filhas do casal. Apesar de algumas vezes não conseguir “fazer milagres”, no geral esses “truques” da diretora são muito bem-sucedidos. Apesar disso, nesse filme a diretora não precisa disfarçar tanto a atuação do ator, já que consegue extrair muito do potencial de atuação do mesmo, tanto que ele recebeu o prêmio de melhor ator no festival de Gramado. Se o prêmio foi justo ou não essa é outra história, mas que de fato Vilhena atuou bem isso é inegável.
O outro homem com quem Rosa se relaciona na trama, Pedro, vivido por Felipe Rocha, ajuda muito bem no arco de desenvolvimento da personagem principal, além de ser um personagem divertido e que traz um certo alívio cômico. Muito por conta do bom timing de comédia do ator, como pôde ser observado na boa comédia La Vingança, exibida no começo do ano.
Outro que se destaca pelos momentos cômicos é Jorge Mautner, Homero, o pai de Rosa. O ator é sem dúvida o grande destaque dentre o elenco de apoio. Ele utiliza muito bem as falas engraçadas e psicodélicas escritas para o seu personagem. A descontração, ao mesmo tempo pirada e cativante que o ator passa, transmitem muito bem a essência do personagem, ao mesmo tempo em que serve de alívio cômico ao clima pesado do filme.
Somam -se ainda as qualidades do longa, a fotografia clean, com tons claros que reforçam o realismo que a diretora quer transmitir, e a montagem inteligente e bem elaborada.
Ainda sobre a montagem, dois momentos se destacam. O primeiro, em uma cena que o público pensa estar vendo uma coisa, mas a montagem mostra na verdade ser outra (quem assistiu ao filme sabe do que se trata). A quebra da expectativa do público é utilizada nesse caso como mais um recurso dentre os tantos já falados nessa crítica para desenvolver a protagonista Rosa. Mas a montagem do filme brilha mesmo na cena final, quando são mostradas alternadamente momentos no passado e no futuro, que dialogam entre si e encerram com chave de ouro o longa.
Outro fator de destaque da cena final, além da montagem, é a trilha sonora. Não precisa ser nenhum vidente para adivinhar que a música de Belchior que dá título ao filme iria aparecer em algum momento no longa. E apesar de ser tocada em mais de um momento no decorrer do filme, é sem dúvida no final que ela se destaca. A diretora sabe dosar muito bem o uso da música título. Seria muito óbvio usar a música mais vezes, e utilizar a versão cantada por Elis Regina. Porém, o filme a utiliza de forma inteligente apenas em momentos chave que contribuem para aumentar a dramaticidade da história. Além disso, a música segue a sutileza de todos os elementos do filme ao utilizar apenas a melodia da consagrada canção, de forma a deixar subtendido a mensagem da música, que em suma é a mesma do longa.
Resumindo, Como Nossos Pais é um retrato fiel dos conflitos entre pais e filhos, dos dilemas da mulher moderna, e da busca pelo autoconhecimento e afirmação. É um retrato que de tão real, causa certamente muita identificação do público com pelo menos alguns dos personagens ou situações. E devido a esse realismo cru, é um filme dramático que passa longe do dramalhão clichê, recheado de sentimentos e mensagens que precisam ser sentidos e ditos.
NOTA: 8,89
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Ícone do cinema gore e de ficção científica, A Mosca é certamente um filme marcante para quem o assisti, seja pela esquisitice, pelo aspecto para lá de nojento, ou então pela inteligente metáfora. Você pode até não gostar desse tipo de filme, mas com certeza ficará impressionado pelas imagens e pela história.
Dirigido por David Cronenberg, diretor que ficou famoso por filmes que misturam elementos de ficção científica e um surrealismo bizarro, como Scanners e Videodrome, A Mosca de 1986 é uma refilmagem do longa homônimo de 1958.
O filme conta a história de Seth Brundle (Jeff Goldblum), um cientista que desenvolve uma máquina de tele transporte. No entanto, tudo começa a dar errado quando Seth decide testar a máquina com ele mesmo dentro, só que o mesmo não percebe que uma mosca também entrou na máquina com ele. Aparentemente tudo dá certo, o cientista é tele transportado, porém, aos poucos vai descobrindo que ele acabou se fundindo com a famigerada mosca no processo, e isso desencadeia uma lenta e perturbadora transformação dele em um inseto.
Se analisado em um nível mais superficial, A Mosca não passa de um filme gore nojento, de um homem que vai se transformando em uma mosca. No entanto, olhando com mais atenção percebe-se que o longa de Cronenberg contém uma alta carga de alegoria, inspirada principalmente no clássico livro do escritor Fran Kafka, A Metamorfose. Na obra de Kafka um homem amargurado e frustrado com a sua vida medíocre acorda um belo dia transformado em uma enorme e repulsante barata. Assim como no livro do escritor tcheco, a metáfora da transformação em inseto do filme de Cronenberg simboliza a degradação do homem médio, que se sente como um inseto, um ser nojento e desprezível para as outras pessoas e para ele mesmo.
Quanto aos aspectos cinematográficos, o filme também é muito competente. Com uma maquiagem muito bem feita, que passa com muita veracidade que o protagonista está se transformando em uma mosca. Aliás, a maquiagem é um dos pontos em que o filme se destaca, por ser extremamente impactante e também nojenta. Esse é um aspecto que pode ser altamente positivo para o expectador que gosta de um bom gore bizarro, mas por outro lado pode ser algo que irá incomodar os expectadores que se impressionam fácil e que tem aversão a esse componente mais nojento.
Quanto a direção, Cronenberg mostra que tem total controle sobre a história que deseja contar, transformando o filme em uma experiência imersiva e por vezes perturbadora para a audiência, abusando de imagens fortes da transformação de Seth em uma mosca, e assim contribuindo para o aumento da tensão latente.
Sobre as atuações, todas são muito boas. A começar por Jeff Goldblom (Jurassic Park), no papel do cientista Seth. O ator se adequa perfeitamente ao personagem, foi a escalação perfeita para dar vida ao protagonista. Goldblom não é nem de longe o estereótipo do galã hollywoodiano, pelo contrário, é um cara esquisito e desajeitado. Perfeito para o papel de um cientista desajustado e que se transforma em um inseto.
Outra que está muito bem é Geena Davis (Beetlejuice), no papel do par romântico de Seth, a jornalista Veronica. Além de carismática, a personagem tem uma importância narrativa muito forte. Ela é o elo que liga a normalidade inicial a bizarrice do meio para o final do filme. A personagem passa por todas as fases emocionais que o expectador também passa com o longa. Começando com um estranhamento em relação ao protagonista esquisitão no primeiro ato, passando por um pela simpatia e identificação com o mesmo no segundo ato, e terminado com um mix de pena e nojo no derradeiro terceiro ato.
Em suma, A Mosca é um filme estranho, bizarro, muito bizarro, mas que também tem um forte e interessante componente metafórico. É um filme gore, de ficção científica e também filosófico, assim como a obra literária que o inspirou. Por conta das nojentas cenas de transformação, aliás bota nojenta nisso, não é um filme para todo mundo, é preciso ter estômago e não se impressionar facilmente. Se bem que é difícil não se impressionar com A Mosca, nem tanto pelo gore, mas muito mais pelo tema da degradação humana. Resumindo, é uma obra que impressiona positiva ou negativamente, dependendo do gosto do expectador, mas o que não se pode negar é que algo impressiona. Resumindo, é um filme que merece ser visto, e sobretudo merece ser lembrado.
NOTA: 8,75
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LOGAN
A exemplo de Batman: Cavaleiro das Trevas, Watchmen, Deadpool e Capitão América: Soldado Invernal, Logan transcende o gênero de filme de super-herói. O longa funciona muito bem também como um road movie, e principalmente como um drama.
Dirigido por James Mangold, o filme é a despedida de Hugh Jackman do papel que o consagrou em Hollywood. A história se passa em 2024, onde um Logan mais velho, debilitado fisicamente e amargurado pelo passado, vive na surdina depois da quase extinção dos mutantes. Ele acaba se tornando um motorista de limusine para se sustentar e também ao Professor Xavier, que se tornou um velho doente e que não consegue mais controlar os seus poderes. No entanto, tudo muda quando o caminho de Logan se cruza com o da jovem mutante Laura, e ele acaba se vendo obrigado a cruzar os EUA em uma viagem de carro para salvar a garota.
A despedida de Jackman do papel não poderia ter sido melhor. Com direito ao melhor filme do mutante já produzido. Logan é disparado o melhor filme do Wolverine no cinema, e possivelmente também o melhor do universo dos X-Men. Conforme dito no 1° parágrafo, o filme consegue o raro feito de ultrapassar o gênero de filme de herói, e é isso que o torna tão bom. Não que ser apenas um filme de super-herói seja algo ruim, pelo contrário,
existem excelentes filmes que se concentram 100% no gênero, como Vingadores, os Batman de Tim Burton e o 2 primeiros Homem Aranha de Sam Raimi. No entanto, quando uma obra, seja ela um filme, um livro ou desenho ultrapassa os limites do seu próprio gênero, essa obra se torna algo maior, mais rico e consequentemente mais interessante.
E esse é justamente o caso de Logan. O filme consegue ser ao mesmo tempo um bom entretenimento e um bom filme dramático. O Wolverine sempre foi um personagem extremamente interessante, cheio de camadas e possibilidades de abordagem. No entanto, nenhum dos filmes anteriores do mutante conseguiu explorar tanto o potencial do personagem. Alguns foram mais bem-sucedidos, outros menos, porém o melhor Wolverine do cinema é sem dúvidas o que é mostrado em Logan. No Logan de James Mangold o protagonista é aproveitado em todas as suas facetas: herói, assassino, lobo solitário, “chucrão”, amargurado e principalmente humano. Sim, essa é a versão mais humana do mutante, que ao mesmo tempo em que é bruto e violento, é também triste e protetor.
Alíás, o grau de realismo é um ponto em que o filme acertou bastante. Além da profundidade do protagonista, o longa estende o realismo para a abordagem dos outros personagens principais, e principalmente para a forma em que a violência é mostrada. As sequências de ação são muito boas, com um alto grau de violência nua e crua, em que são mostrados membros sendo decepados e muito derramamento de sangue. Esse é outro ponto em que Logan se difere dos outros filmes da franquia dos X-Men. O longa é extremamente violento, e não faz questão nenhuma de glorificar a violência, pelo contrário, ela é usada como um instrumento importante para intensificar o drama do filme.
O drama do filme também é intensificado bastante pelas grandes atuações, que são um dos pontos altos do longa. O grande destaque fica é claro com Hugh Jackman, que transmite muito bem toda a amargura de um homem que sofreu muito na vida e que não tem mais vontade de viver. A grande atuação de Jackman é ajudada e muito pela direção de Mangold que usa bastante dos close ups para focar na expressão do ator. Sem falar na maquiagem muito bem-feita que envelheceu o personagem com cicatrizes e rugas, mas sem deixar de mostrar a expressão de Jackman.
Apesar da grande atuação de Hugh Jackman, Patrick Stuart como o Professor Xavier e Dafne Keen como Laura também estão muito bem. Stuart já demostrou em vários outros papeis que é um grande ator, mas a exemplo de Hugh Jackman, Logan foi a melhor oportunidade de mostrar todo o seu potencial na franquia dos mutantes. O ator consegue passar muito bem a ideia que o professor já não é mais o mesmo, sofrendo de uma certa demência, descontrolado, mais ao mesmo tempo mantendo a essência bondosa do personagem dos outros filmes.
Se já era esperado grandes atuações de atores consagrados como Jackman e Stuart, o mesmo não se pode dizer da jovem Dafne Keen, que em seu primeiro grande trabalho no cinema já impressiona apesar de ter apenas 12 anos. A atriz mirim transita muito bem por uma série de sentimentos diversos, como medo, raiva, tristeza e amor. A relação dela com Logan e com o Professor Xavier são responsáveis pelos momentos mais tristes e bonitos do filme.
Apesar de ter uma infinidade de pontos positivos, o filme não é perfeito. O roteiro que é muito competente para construir os personagens principais, falha em relação aos coadjuvantes e principalmente em relação ao vilão do filme. Os personagens secundários e o vilão têm pouca profundidade, não são carismáticos e consequentemente não são muito interessantes. Em relação ao vilão, a ideia que dá é que a história poderia ter sido desenvolvida sem ele. O drama de um Logan debilitado e amargurado é muito mais forte que as barreiras impostas pelo antagonista. É claro que o roteiro precisava de um chamado para a ação (momento da história em que algo acontece para chamar o protagonista relutante para a aventura), no entanto, poderia ter sido pensada uma solução melhor, ou então um vilão mais profundo e interessante.
Apesar desse deslize, o filme não perde muito em qualidade, e muito menos em entretenimento. Com uma direção competente, grandes atuações e uma abordagem visceral e realista, Logan é um dos melhores filmes de super-herói dos últimos anos e até agora um dos melhores filmes de 2017. O longa irá agradar tanto os exigentes fãs de quadrinhos, quanto quem queira apenas uma boa diversão.
NOTA: 8,75
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MOONLIGHT
Se tem um filme que pode bater de frente com La La Land no Oscar, esse filme definitivamente é Moonlight. O longa se notabiliza tanto pela sua impecável qualidade técnica, quanto pela sensibilidade rara que trata assuntos difíceis como identidade e sexualidade.
O filme conta a história de Chiron, um garoto negro e pobre da periferia de Miami, que tem de lidar desde muito jovem com uma série de questões complexas, como a mãe dependente química e a sua sexualidade. Moonlight é dividido em três atos: O primeiro em que é mostrado um Chiron ainda criança tentando entender quem ele realmente é. O segundo em que o protagonista começa a definir a sua identidade. E o terceiro e último ato, em que um Chiron já adulto revisita o seu passado para confirmar ou não a sua identidade.
Como se percebe no parágrafo anterior, o principal tema de Moonlight é a busca pela
identidade, e todos os obstáculos e dificuldades que essa procura traz. O filme se notabiliza por tratar essa questão de uma maneira bastante poética e introspectiva, o sentimento dos personagens é transmitido através de gestos, de olhares, movimentos corporais e até pela belíssima paleta de cores. O filme não faz questão nenhuma de deixar as coisas claras, tudo fica subentendido, nas entrelinhas. Por conta disso, o ritmo do filme é mais lento, existem mais silêncios do que diálogos, no entanto são “silêncios inteligentes”, Moonlight não é de forma algum arrastado. Essa característica mais introspectiva e artística do filme pode acabar afastando um público mais acostumado com produções comerciais hollywoodianas, podendo estes sentirem dificuldades de acompanhar uma obra como essa. Diferente de La La Land, Moonlight não tem um público tão amplo, é um filme mais restrito a quem aprecie o cinema como arte.
Apesar de não apresentar uma história mirabolante, o roteiro do filme é absolutamente redondo e muito bem construído e desenvolvido. A indicação ao Oscar é mais do que merecida. A separação da narrativa em 3 atos serve muito bem para marcar os pontos de virada do protagonista e desenvolver o personagem. Além disso, cada fala ou acontecimento tem uma importância vital para a história, nada no filme é para “encher linguiça”.
Quanto a direção, esta é muito competente em criar imagens e cenas belíssimas que contribuem diretamente para o desenvolvimento da narrativa. O diretor Barry Jenkins conseguiu criar em Moonlight cenas memoráveis que certamente ficarão por muito tempo na cabeça do expectador que as assistir. Destaca-se ainda, a fotografia exuberante e sensível que vai mudando a sua paleta de cores de acordo com o desenvolvimento do protagonista (começando com tons de azul no começo do filme e chegando ao final do longa com cores mais enegrecidas). Indicações ao Oscar em Direção e Fotografia absolutamente merecidas.
Para finalizar com chave de ouro a ambientação do filme, Moonlight conta com uma trilha sonora tocante e absolutamente linda. A base de música clássica, a trilha do filme é aguda e ao mesmo tempo bela, transmitindo muito bem toda a angustia e o sofrimento contido do protagonista.
Quanto as atuações, Todo o elenco está impecável, desde os coadjuvantes até os protagonistas. Em relação ao elenco de apoio temos três grandes destaques: Naomi Harris como Paula, a mãe de Chiron, Marhershala Ali (House of Cards) como Juan, a figura paterna do protagonista e André Holland (The Knick) como Kevin, o interesse amoroso do personagem principal.
Naomi dá um verdadeiro show de interpretação ao passar com veracidade toda a vulnerabilidade emocional causada pelo seu vício em drogas, ao mesmo tempo em que transmite muito bem a sua frustração por não conseguir criar o seu filho como uma boa mãe. Indicação ao Oscar de Melhor Atriz mais do que justa. Quanto a Marhershala Ali, apesar de aparecer apenas na primeira parte do filme, o mesmo impressiona pela sua interpretação cheia de camadas, o ator junto ao diretor e o roteirista conseguem com maestria descontruir o estereótipo do “malandro do gueto”, dando uma humanidade extremamente realista ao personagem. Ele é outro que teve uma justa indicação a estatueta da academia. Por fim, André Holland, que já impressiona a 2 anos os fãs da ótima série médica The Knick, assim como Ali, também aparece em apenas um dos atos do filme, no caso o último. Mas mesmo assim se faz notar pela sua atuação cheia de nuances no olhar e nos gestos, que evocam muito bem todo o sentimento do personagem. Não seria um exagero o ator também ser indicado na categoria de Melhor Coadjuvante.
Quanto aos 3 atores que interpretam Chiron, todos têm atuações muito consistentes e que dão a ideia de evolução do personagem. O protagonista adulto carrega muito do adolescente e esse por sua vez muito do personagem criança. Tudo isso sem parecerem meras cópias um do outro, existem elementos em comum nas atuações dos 3 atores, porém percebe-se que o personagem se desenvolveu e sofreu mudanças, mas sem nunca perder a sua essência.
Concluindo, Moonlight é um filme lírico, sensível, introspectivo e acima de tudo belo, tanto pelas suas imagens memoráveis quanto pela forma com que lida com temas polêmicos. Os apreciadores de um bom cinema de arte certamente irão amar o longa, assim como os que se interessam pela temática LGBT e também os que apreciam filmes que tem um forte componente intelectual e social. Sem dúvida nenhuma Moonlight entra no Oscar com todas as condições para ser um dos grandes vencedores da noite, competindo junto com La La Land pelos principais prêmios da cerimônia.
NOTA: 9,76
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MANCHESTER A BEIRA MAR
Dirigido por Kenneth Lonergan e estrelado por Casey Affleck (irmão de Bem Affleck), Manchester a beira mar desponta como um dos grandes filmes do Oscar 2017, tendo recebido 6 indicações ao prêmio da Academia nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, e Melhor Ator e Atriz Coadjuvante.
O longa conta a história de Lee Chandler um homem amargurado, que vive longe da sua família e cidade natal após ter cometido um terrível erro no passado. Tudo muda quando o irmão de Lee, Joe Chandler (Kyle Chandler), morre e o protagonista se vê forçado a voltar para sua cidade para cuidar do funeral do irmão ao mesmo tempo em que terá que cuidar do seu sobrinho Patrick (Lucas Hedges).
Apesar da história em si não ser espetacular, o grande mérito do roteiro está na construção do protagonista. O personagem é o motor da história, ele que dá vida e sustenta toda a narrativa. O roteiro vai revelando aos poucos a razão da tristeza de Lee, e o uso inteligente dos flashes back ajudam bastante a fazer essas revelações. O recurso narrativo aparece apenas em momentos oportunos, mostrando gradativamente cenas do passado que se relacionam com o presente do protagonista.
No entanto, o roteiro é bastante afetado pelas mudanças de tom da história. O filme que se propõe a ser um filme triste sobre arrependimento, amargura e perda, acaba se perdendo quando tenta inserir alívios cômicos. O problema no caso é que existem muitas “piadinhas” e cenas que pretendem ser engraçadas para aliviar a tensão da história. Mas que na verdade acabam “quebrando” a atmosfera melancólica do filme. Manchester a beira mar tem excessivos momentos de humor para um longa do gênero de drama, ocasionando um contraste de tom que não cai bem.
Quanto a direção, a mesma é discreta e não se faz notar, talvez para dar um ar ainda mais realista ao filme, o que acaba funcionando bem. Apesar de não possuir a assinatura do diretor, a direção é extremamente competente em contar a história, ela trabalha quase que exclusivamente para contar bem a história, e consegue fazer muito bem.
Se na direção Manchester a beira mar é discreto, o mesmo não pode se dizer da fotografia. Esta sim possui uma característica bem marcante, o uso de cores frias que ajudam muito bem a transmitir a melancolia do protagonista. Podemos dizer que além de belíssima a fotografia do filme também conta a história.
Quanto as atuações, o elenco inteiro está muito bem. A começar pelo protagonista vivido por Casey Affleck, que apresenta uma performance muito impactante. O papel de Lee Chandler se encaixa perfeitamente para o ator. A falta de expressão de Affleck casa muito bem com a personalidade do protagonista, que é um homem melancólico e introspectivo, e por isso costuma segurar as emoções. Devido as dores do seu passado traumático, Lee se tornou uma pessoa totalmente destruída por dentro, e o ator consegue passar de forma muito convincente esses sentimentos. Merecida indicação ao Oscar!
Sobre o restante do elenco, o destaque fica com Michelle Willians no papel de Randi, a ex mulher de Lee. Apesar de ter pouco tempo de cena, atriz impressiona nos poucos momentos em que aparece. A atriz consegue transmitir muito bem toda a dor da personagem, principalmente nas cenas em que reencontra o ex marido. Indicação mais do que merecida!
Ainda sobre as atuações, Lucas Hedge no papel de Patrick, o sobrinho de Lee, tem uma atuação muito consistente e convincente, porém não ao ponto de merecer ser indicado ao Oscar. O ator não entrega nada fora do comum, apenas o suficiente para uma boa atuação, nada mais do que isso.
Resumindo, Manchester a beira mar é um filme triste e melancólico, com uma visão bem realista de temas como o perdão, arrependimento e a dor da perda. Apesar de ser atrapalhado em alguns momentos pelo excesso de humor, o longa é destinado a todos aqueles que gostam de um drama forte e extremamente humano. As impactantes atuações aliadas ao sensível trabalho de direção e fotografia transformam merecidamente o filme em um dos grandes favoritos ao Oscar, ainda que corra por fora.
NOTA: 8,9
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ATÉ O ÚLTIMO HOMEM
Dirigido por Mel Gibson e estrelado por Andrew Garfield, Até o Último Homem, conta a história real de um soldado que não podia sequer tocar em uma arma devido as restrições da sua religião. O soldado Desmond Doss é então enviado para o Japão em plena Segunda Guerra Mundial, tendo que achar uma maneira de ajudar os seus companheiros de front e de se proteger dos ataques inimigos, sem portar arma alguma.
Além da premissa interessante, Até o Último Homem conta com grandes cenas de guerra, comparáveis para alguns críticos até com O Resgate do Soldado Ryan ( lembram bastante, mas ainda estão um pouco abaixo do filme de Spielberg). De qualquer forma as cenas de batalha são o ponto alto do filme, com um grau elevado de violência e realismo. Aqui a guerra não é glorificada, pelo contrário, é mostrada de forma nua e crua, com soldados sendo explodidos, dilacerados, queimados e com as tripas a mostra. Definitivamente não é um filme para quem tem estômago fraco.
Ainda falando sobre as cenas de guerra, Mel Gibson é conhecido por mostrar a violência de forma extremamente real, sem filtros. Assim como fez em filmes como a Paixão de Cristo por exemplo. Além da violência altamente impactante, o diretor coloca o expectador dentro da batalha, com movimentações de câmera muito rápidas e alucinantes. Aliado ao trabalho da edição, a direção transforma o filme em um dos melhores do gênero de guerra dos últimos tempos. No entanto, o filme não se destaca apenas pelas cenas violentas. Gibson consegue fazer um mix bem interessante entre ação e momentos sensíveis. Sim, apesar de ser um filme de guerra que se notabiliza pela ação, o longa conta com vários momentos tocantes, com belas metáforas visuais que passam toda carga uma carga dramática.
Apesar da história ser muito interessante, um dos pontos fracos do filme é justamente o roteiro, que falha em algumas situações de resolução de conflito. Não que essas falhas atrapalhem a experiência do expectador, mas soam um pouco forçadas e “hollywoodianas” demais em alguns momentos. Ainda que atrapalhem em algumas partes, os momentos hollywoodianos caem muito bem em outras. Como por exemplo no uso da trilha sonora épica e heroica das cenas de batalha e salvamento, que apesar de soar um pouco cliché se encaixam bem no contexto do filme.
Quanto as atuações, todo o elenco está muito bem, tanto o protagonista quanto os coadjuvantes. A começar pelo protagonista, Andrew Garfield mostra que a sua indicação ao Oscar é totalmente merecida. O ator que dividiu opiniões em O Espetacular Homem Aranha, mostra que começa a desabrochar como interprete dramático, não a toa pesos pesados de Hollywood o escalaram para os seus filmes, como o próprio Mel Gibson e como Scorsese que o escalou para o seu novo filme, Silence. No papel de Desmond Doss, Garfield consegue passar muito bem o ar interiorano e inocente do personagem. Sua expressão facial muda completamente para dar vida ao soldado, a “boca murcha” que ele faz lembra muito a do verdadeiro Doss (No final do filme é mostrado um depoimento do Doss real, e aí podemos ver a semelhança da expressão).
Quanto a atuação do resto do elenco, todos suportam muito bem o protagonista. Dentre os coadjuvantes, Vince Vaughn, é sem dúvida o destaque. No papel do comandante de Doss, o ator é o grande alívio cômico do filme, na pele de um militar linha dura que humilha os seus subordinados durante o treinamento (lembra muito o comandante das cenas inicias de Nascido para Matar, só que que um uma dose de humor maior). Uma indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante não seria um exagero.
Quanto ao restante dos coadjuvantes. Teresa Palmer, Luke Bracey e Hugo Weaving são outros com destaque pelas suas atuações, como respectivamente a namorada, o amigo e o pai de Doss. Todos têm uma atuação muito sólida e convincente.
Concluindo, Até o Último Homem é um filme destinado aos fãs de um bom filme de guerra, com boas cenas de ação, mas que não abrem mão de uma boa dose dramática. Todas as indicações ao Oscar são absolutamente merecidas, apesar do filme correr por fora na disputa pelas estatuetas.
NOTA: 8,85
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LA LA LAND
Fenômeno nas principais premiações “pré-oscar”, La La Land chama atenção pelo alto número de prêmios ganhos, incluindo 7 Globos de Ouro e 14 indicações ao Oscar. Mas será que a qualidade do filme reflete tantas premiações? É mais do que apenas uma simples homenagem a Hollywood? Agrada também quem não é fã de musicais? A resposta a todas as essas perguntas é a mesma: SIM, SIM e SIM.
Primeiramente, La La Land merece absolutamente todo o buzz que gerou. Todas as indicações e premiações são absolutamente merecidas (salvo algumas exceções que explicarei mais adiante), o filme é tecnicamente impecável, direção, fotografia e figurino, e o principal: tem coração, é emocionante. Quanto à questão de ser apenas uma homenagem a Hollywood, apesar de focar bastante nas referências a filmes antigos, principalmente musicais, La La Land vai além, entrega algo novo, não fica apenas na homenagem. Por fim, apesar de ser um prato cheio para os fãs de musicais, o filme não se atém somente as canções, a beleza e a delicadeza do longa vão encantar até quem não gosta do gênero (o crítico que vos fala por exemplo).
A história do filme gira em torno de dois personagens, a aspirante à atriz Mia e o pianista de Jazz Sebastian. Ambos se mudam para Los Angeles para perseguirem os seus sonhos, no entanto, a realidade de Hollywood é mais dura do que parece. Enquanto que Mia é frequentemente rejeitada em vários testes de elenco, Sebastian tem que tocar músicas que não gosta em bares e festas para se sustentar enquanto tenta realizar o seu sonho de construir um bar de jazz. Porém, tudo muda quando os dois se conhecem e se apaixonam. Um dá apoio para o outro realizar o seu sonho e as coisas começam a entrar nos trilhos.
Analisando apenas a sinopse, não parece ser um grande filme, com uma grande história. De fato, não é uma grande história, o que carrega o filme é a parte estética e técnica impecável, aliada ao carisma dos atores e a parte emocional muito bem trabalhada. O roteiro está longe de ser original, o que de forma alguma tira o brilho do filme, porém não é um roteiro com cacife para ganhar um Oscar. Nesse ponto percebe-se que a indicação à estatueta na categoria de Melhor Roteiro Original foi motivada pelo conjunto da obra de La La Land, essa indicação foi empurrada com a ajuda de toda a qualidade do filme. Dificilmente o longa sairá vitorioso nessa categoria.
Agora, falando sobre a direção e a fotografia do filme, essas sim são o ponto alto de La La Land. O diretor Damian Chazelle (Whiplash), movimenta bastante a câmera para dar aos expectadores a sensação de estar dançando junto com os atores, a imersão da audiência no filme vem muito dessa “câmera dançante”. Além dos inteligentes movimentos de câmera, Chazelle usa muito de belas e tocantes metáforas visuais que ajudam bastante a contar a história. Quanto a estética do filme, como já dito anteriormente é impecável. As cores vibrantes tanto do figurino dos atores quanto da fotografia são um deleite para quem aprecia belas imagens. A cena musical do pôr do sol e a sequência final do filme são um espetáculo visual. Aliás, a sequência final é com certeza um dos finais de filmes mais bonitos, criativos e tocantes dos últimos tempos. Especialmente devido a direção, edição e a fotografia, que dão um tom poético deslumbrante para o final do longa. Todas as indicações e prêmios nessas categorias são absolutamente merecidas.
Quanto a parte musical propriamente dita do filme, música e dança, esta é muito bem conduzida, tanto pela direção quanto pelo elenco. Apesar de algumas cenas musicais serem um pouco exageradas para quem não é fã de musicais, há alguns números musicais que certamente irão cativar até o mais avesso ao gênero. O fato é que todas as músicas são muito boas, com destaque para City of Stars que está concorrendo merecidamente à estatueta de Melhor Canção.
Por fim, quanto as atuações, estas estão muito boas e tem contribuição vital para o sentimento que o filme passa. O grande destaque fica sem dúvida com Emma Stone, que consegue transmitir muito bem toda a angustia, paixão e alegria da personagem. A atriz dança e canta muito bem, apesar de não ser brilhante, e tem no olhar marcante a sua principal fonte de expressão, indicação ao Oscar mais do que merecida. Quanto a Ryan Gosling, o ator tem uma boa interpretação, abaixo do seu par romântico em nível de atuação, porém ele consegue transmitir bem os sentimentos do personagem ao mesmo tempo em que faz as vezes de alívio cômico. Está também um degrau abaixo de Stone nas cenas musicais, dança bem, porém não passa de apenas afinado na hora de cantar. Sua indicação ao Oscar é outra que foi na onda das demais atuações, dificilmente ganhará a estatueta.
Concluindo, La La Land é um filme voltado para os fãs de musical e da época de ouro de Hollywood. Porém, também irá agradar quem aprecia um bom uso da linguagem cinematográfica, tanto para ajudar a contar a história, quanto para apenas se deliciar com belas imagens. O longa merece a maioria das indicações que recebeu, e é com certeza um dos grandes favoritos ao Oscar 2017.
NOTA: 9,12
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Animais Noturnos
Um conto perturbador e visceral sobre vingança. Com toques apimentados de thriller psicológico e simbolismos sutis, porém marcantes. Essa seria uma boa definição em poucas palavras para o novo filme do estilista americano Tom Ford.
Animais Noturnos se inicia quando Susan Morrow (Amy Adams), uma renomada curadora de arte, recebe do seu ex-marido Edward Sheffield (Jake Gyllenhaal) um livro que ele escreveu dedicado a ela. No entanto, o livro está longe de ser uma homenagem para a ex-esposa, muito pelo contrário, no romance Edward embute uma série de referências negativas ao relacionamento dos dois e a personalidade cruel da amada. Na história escrita por Edward, uma família composta de um casal e uma filha decide fazer uma road trip para o Texas, no entanto, uma série de eventos trágicos e perturbadores acontecem durante a viagem. O personagem do marido é claramente inspirado em Edward, assim como a esposa é claramente inspirada em Susan e a filha inspirada na filha de Susan na vida real.
Susan rapidamente percebe todas as referências da história e se identifica, ao mesmo tempo em que fica seriamente perturbada pelos acontecimentos chocantes e tão reais do livro. Essa é basicamente a premissa principal do filme, que se desenvolve todo em Susan lendo o livro ao mesmo tempo em que somos transportados diretamente para a imaginação da personagem que dá vida a história.
Vale ressaltar novamente que o diretor, Tom Ford, trabalhava como estilista, tendo atuado em empresas de renome do mundo da moda, como a italiana Gucci. E naturalmente a sua preocupação estética trazida dos tempos de estilista é muita bem utilizada no filme. Os enquadramentos são muito bonitos e bem realizados, quase como se fossem um retrato de moda. Assim como o uso da paleta de cores que também é muito interessante, enquanto as cenas do mundo real são carregadas de cores fortes e vibrantes, a cenas do livro são cheias de tons marrons e beges, dando um ar sujo e visceral ao romance escrito pelo ex-marido.
No entanto, o grande mérito da direção é sem dúvida o uso de simbolismos muito bem colocados. Logo na cena inicial vemos uma série de modelos gordas nuas dançando de forma sensualizada. Só a cena em si já é impactante, acrescente também todo o simbolismo inteligente que ela traz e a mesma fica ainda mais grandiosa. Essa cena faz parte da sequência inicial que mostra uma exposição de arte em que Susan é curadora, que tem como tema esculturas de mulheres gordas e nuas com fantasias de fetiches masculinos (animadora de torcida, dançarina e etc). Em suma, essa cena mostra como a personagem principal é vista pelo ex-marido como uma mulher cínica, que assim como não tem pudor de mostrar mulheres gordas como obra de arte, invertendo o padrão de beleza, também abusa do cinismo na vida real, em especial no relacionamento entre os dois. Essa cena serve de alicerce para todo o desenvolvimento da história e da personagem.
Outro simbolismo muito interessante acontece com a ajuda da montagem do filme, que mostra elementos em comum que conectam um personagem de uma cena, com outro personagem da cena seguinte. Como por exemplo em uma cena em que o marido da história do livro está tomando chuva em momento desesperador da trama, e em seguida há um corte para uma cena em que Susan está com a mesma expressão de desespero só que agora tomando banho, com a água do chuveiro caindo como se a fosse a chuva da cena anterior. A direção e a montagem usam desse recurso para dar a ideia de que a história contada no livro e a história real são uma só. Susan está literalmente mergulhada na história, quase que a vivendo de fato.
O curioso é que apesar de se identificar tanto com a trama do livro, Susan não se imagina ela mesma no papel que de fato é dela, diferente de como ela enxerga os personagens do ex marido e da filha, iguais aos da realidade. Quando são mostradas as cenas do livro, a personagem da esposa não é vivida por Amy Adams, e sim por Isla Fischer, sendo que as atrizes são muito parecidas fisicamente, e isso não é de forma alguma acidental.Susan imagina o seu personagem como uma mulher extremamente semelhante a ela, é como se o subconsciente dela não permitisse que ela se imaginasse 100% igual a sua aparência na história, tamanho o choque e o nível de perturbação e identificação que a história causou nela.
Quanto as atuações, todos os protagonistas estão muito bem em seus papeis. O curioso é que apesar de ser a protagonista do filme, Amy Adams não brilha tanto, muito por conta da trama do longa se focar na história do livro, em que ela não aparece. Apesar disso ela cumpre muito bem o seu papel e não deixa nada a desejar.
O grande destaque fica por conta do também excelente Jake Gyllenhaal, que mostra todo o desespero e as fraquezas do Edward, o ator transmite muito bem essas emoções e constrói de forma muito convincente o seu personagem. Outros 2 membros do elenco que merecem grande destaque são Michael Shannon (Boardwalk Empire) no papel do hilário e durão policial Bobby Andes, e o irreconhecível Aaron Johnson (Kick Ass), no papel do “vilão” do filme, o criminoso Ray Marcus. Enquanto que Shannon é um alívio cômico muito bem-vindo a um filme tão pesado como esse, Johnson está particularmente tenebroso e contribui em grande parte para o ar tenso do filme.
Concluindo, Animais Noturnos é um filme forte, pesado, que prende o expectador na cadeira. Mas também é um filme com um componente artístico muito presente, seja pelas belas imagens, seja pelos simbolismos e metáforas visuais. Em suma, é filme destinado aos amantes de um bom suspense e que não abrem mão de uma pitada artística caprichada. Enfim, é um filme para os amantes do bom cinema!
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O Escafandro e a Borboleta (2007)
O filme conta a história real do ex editor da revista de moda Elle, o francês Jean-Dominique Bauby, que após um AVC fica com o corpo totalmente paralisado. No entanto, sua mente continua funcionando perfeitamente, mas devido ao estado vegetativo é como se Bauby estivesse encarcerado em seu próprio corpo, sem poder se expressar ou até mesmo se mexer. Ele é diagnosticado com uma doença chamada de “síndrome do encarceramento”, que só o permite mexer o olho esquerdo, transformando o seu corpo em uma espécie de “escafandro” nome dado aos trajes metálicos de mergulho de antigamente.
Passado o choque inicial de se ver nessa situação desesperadora, Bauby começa a se comunicar através de um sistema ensinado pela sua médica, no qual as pessoas vão ditando o alfabeto para ele e quando chega na letra que ele quer o mesmo dá uma piscada. Formando assim palavras, que formam textos, e que chegaram inclusive a formar um livro. Sim, utilizando esse sistema Bauby conseguiu com a ajuda de uma assistente escrever um livro descrevendo a sua experiência de clausura após o AVC. O livro tem o mesmo nome do filme, e foi usado de base para a criação do roteiro do longa-metragem.
Apesar da forte história de superação, era preciso um diretor que soubesse abordá-la da maneira certa, sútil, sem muito melodrama. E Julian Schnabel se mostrou a pessoa certa para dirigir o longa. Com esse material em mãos a maioria dos diretores apelaria para o sentimentalismo barato, e tentaria contar a história de maneira convencional, abusando do drama do Bauby com a tradicional “fórmula hollywoodiana” para arrancar lágrimas do expectador.
No entanto, Schnabel faz da sutileza e do experimentalismo seus grandes méritos. Apesar do filme ter sim, muitos momentos tristes e fortes, o diretor os transmite de maneira inteligente. Primeiramente com o uso da câmera subjetiva no olho de Bauby, o diretor mostra todo o desespero e a angústia do protagonista através da sua própria visão. Praticamente toda a primeira meia hora do filme é filmada em primeira pessoa, o expectador tem acesso ao que Bauby está vendo e pensando, o que acaba colocando o público na pele do protagonista.
Só depois de algum tempo de filme o diretor começa a usar contra planos para mostrar o rosto de Bauby. No entanto, mesmo após a diminuição da câmera subjetiva, Schnabel continua dando outras mostras da sua criatividade e talento como diretor. Como quando são mostrados sonhos metafóricos do protagonista se imaginando no fundo mar preso no seu escafandro, ou então sozinho em meio paisagens deslumbrantes no meio do nada, tudo para dar a sensação de solidão de Bauby.
Falando ainda sobre os sonhos e pensamentos do protagonista, a fotografia do filme é espetacular para fazer o público se identificar com os sentimentos de Bauby. Através de imagens belíssimas e muito fortes o diretor consegue ilustrar perfeitamente o que se passa na cabeça do protagonista.
Outro ponto interessante do longa é o uso inteligente dos flash backs. Apesar de ser um recurso cinematográfico largamente utilizado e muitas vezes de forma cafona e sem
criatividade, em o Escafandro e a Borboleta o diretor o usa na hora certa e de forma perspicaz. Os flash backs só começam a serem mostrados depois de algum tempo no filme, somente depois que o expectador já criou uma curiosidade de saber como era o Jean-Dominique Bauby antes do acidente. E quando começam a serem mostrados, os flash backs apresentam um Bauby popular, extrovertido e bem sucedido, tudo que ele não é após o AVC. No entanto, o diretor deixa claro que aquele Bauby de antes ainda vive dentro do atual, como se fosse uma borboleta presa dentro de um casulo.
Apesar da brilhante direção de Schnabel, o filme não seria tão bom se o nível das atuações também não o fosse. E apesar de sutis como o filme todo, elas são bem marcantes. A começar pelo protagonista interpretado por Mathieu Almaric, que consegue se sair muito bem tanto como o antigo, debochado e descolado Beauby, quanto como a sua nova versão vegetativa e angustiada. O ator passa muito bem os diferentes estados de espírito do protagonista.
O restante do elenco também está muito bem. Com destaque para Emmanuelle Seigner como Celine, a ex mulher de Bauby e Marie-Josée Croze como Henriette Roi a médica que ensina o sistema de letras e piscadas para o protagonista. Ambas conseguem transmitir muito bem todo o carinho e a devoção que tem por Beauby, sem deixar de lado a dor que o mesmo causa nelas. Celine, se ressente por Beuaby a ter deixado por uma mulher mais jovem, mas não consegue esquecer o ex marido e sofre tanto com o estado de saúde de seu antigo cônjuge, tanto com a desilusão amorosa. Enquanto que Henriette faz do tratamento de Bauby sua grande missão, mas fica triste quando o mesmo quebra a sua expectativa de ajuda-lo não se dedicando devido a um inicial sentimento de derrota.
O único ponto negativo do filme, se é que podemos chamar de negativo é a lentidão do filme. Para um expectador que não é acostumado com esse tipo de filme pode ser um pouco maçante assistir o Escafandro e a Borboleta, principalmente na primeira meia hora em que é usada praticamente só a câmera subjetiva. No entanto, a lentidão não chega a ser arrastada, é proposital e ajuda a contar melhor a história do filme.
Concluindo, O Escafandro e Borboleta é um filme forte, porém sutil, que abusa do experimentalismo por trás das câmeras para provocar sentimentos nos expectadores. É sem dúvida um dos melhores filmes franceses da década passada, tanto é que ganhou diversos prêmios. 2 Globos de Ouro, (melhor filme estrangeiro e melhor direção), 2 Cannes (Direção e Grande Prêmio Técnico), BAFTA (Melhor roteiro adaptado), além de 4 indicações ao Oscar, nas categorias de Direção, Fotografia, Roteiro Adaptado e Edição. Portanto, se você é fã de cinema europeu, sobre tudo o francês, ou só está afim de ver algo inovador e de qualidade, O Escafandro e Borboleta é uma excelente pedida!
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Doutor Estranho (2016)
Baseado nos quadrinhos da Marvel, Doutor Estranho, conta a história de um bem-sucedido e arrogante cirurgião, Stephen Strange, que após perder parte dos movimentos das mãos em um acidente de carro fica impossibilitado de exercer a sua profissão. Desiludido com a sua condição, Stephen Strange parte em uma jornada mística para o que aparenta ser um templo budista no Nepal onde espera recuperar totalmente o movimento das suas talentosas mãos. No entanto, ao começar o seu treinamento no templo, Strange, passa a ter contato com um mundo fantástico de magia e outras dimensões, e acaba se tornando um mago que tem como missão proteger a terra de ameaças de outros mundos.
Em termos de estrutura narrativa, o filme repete a velha fórmula da Marvel, com uma história de origem pouco original, a ação bem executada e as tradicionais “piadinhas” de alívio cômico. No entanto, Doutor Estranho, se diferencia da maioria dos filmes da Marvel por 2 motivos, pela temática mais mística, e pelo visual deslumbrante. Apesar dos filmes da Marvel serem bem fantasiosos, nenhum deles se compara a Doutor Estranho. Enquanto a maioria dos heróis desse universo tem uma origem apoiada pela ciência, Doutor Estranho é pura magia e misticismo. Quanto ao visual, esse é o grande mérito do filme. Com efeitos especiais muito bons, o filme impressiona muito nesse quesito. Há algumas sequências de cidades e prédios sendo dobradas e retorcidas que lembra muito A Origem, só que desta vez em uma escala muito maior. Além disso, o visual psicodélico e os efeitos especiais das magias também são muito bem feitos e garantem um espetáculo visual.
Quanto ao roteiro em si, apesar de ser mais do mesmo que a Marvel já vem fazendo, esse “mais do mesmo” é muito bem executado e garante uma boa diversão para quem assiste o filme apenas em busca de diversão e nada mais. Tirando o personagem principal a maioria do núcleo de apoio não é bem desenvolvido. Falta profundidade para a maioria dos personagens que acabam ficando muito rasos. As exceções, além de Stephen Strange, são a Anciã, interpretada muito bem pela ótima Tilda Swinton e Karl Mordo vivido por Chiwetel Ejiofor (12 anos de Escravisão), esses personagens tem um bom arco dramático e a atuação de ambos está muito boa.
De resto, o que vemos é um verdadeiro desperdício de bons talentos com personagens fracos e que só estão ali para dar um apoio. É o caso dos excelentes Mads Mikkelsen (A Caça) e Rachel MacAdams (True Detective), que apesar de serem grandes atores tem a sua atuação fortemente limitada por papeis fracos e unidimensionais. Mikkelsen interpreta o vilão do filme, Kaecilius, que a exemplo da maioria dos vilões da Marvel e desinteressante e mal desenvolvido. Enquanto que MacAdams interpreta a Doutora Cristine Palmer, que claramente só está no filme para ser o par romântico do Doutor Estranho, nada mais que isso.
Resumindo, Doutor Estranho é um filme bem divertido e com uma estética visual muito bem elaborada, tem um bom elenco, mas nem todos são aproveitados de forma satisfatória. Resta a curiosidade de saber como esse personagem mais diferente vai ser inserido no universo compartilhado da Marvel, as cenas pós-crédito já dão um bom indício de como vai ser.
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O Clã (2015)
Dirigido por Pablo Trapero, O Clã é mais um representante da excelente escola de filme policiais argentinos, assim como o Segredo dos seus Olhos, Tese sobre um Homicídio, entre muitos outros. Apesar de se encaixar no gênero policial, pela natureza da trama que envolve crimes e tensão, o Clã está muito mais para um drama, com grandes momentos de angustia e tristeza, mas sem deixar de lado a ação de um bom filme policial.
O filme narra a história real dos Puccio, uma família de classe média de Buenos Aires que sequestrava pessoas. Todas as ações criminosas eram orquestradas por Arquimedes, o pai da família, um antigo membro da ditadura militar que torturava e sequestrava pessoas. Com o fim da ditadura e com a crise econômica que assolava a Argentina na época, Arquimedes decide usar os seus “dotes criminosos” para manter o padrão de vida confortável da família.
Apesar do pai ser o maestro dos crimes, toda a família participava direta ou indiretamente dos sequestros. Os homens da família, Arquimedes e seus filhos Alejandro e Maguilla, participavam de maneira direta sequestrando as pessoas, enquanto que as mulheres da família, a mãe e as filhas, participavam de maneira indireta, sendo coniventes e até ajudando em algumas tarefas menores. Pelo fato de toda família participar dos crimes os Puccio ficaram conhecidos como “O Clã”.
Se o fato de ser uma história real já não bastasse para chocar o público, o filme em si também ajuda muito para tornar essa história ainda mais perturbadora e chocante. Através da grande direção de Trapero, das impactantes atuações dos protagonistas e da bela fotografia e trilha sonora, o filme traz um tom melancólico e desconfortável muito interessante, que enriquece ainda mais a história original que já é bem forte.
A começar pela direção de Pablo Trapero, esta mantém o expectador tenso a todo o momento, com belos e sufocantes enquadramentos. Some ainda uma fotografia muito bem executada em tons pasteis que passa a ideia de algo velho que está se deteriorando. E por fim a trilha sonora que é a cereja do bolo, com músicas muito bem encaixadas que ajudam a contar a história do filme e a passar o sentimento que o diretor quer. Destaque para Sunny Afternoon da banda The Kinks que descreve perfeitamente a melancolia e o sentimento de impotência do filho Alejandro.
Interpretado por Peter Lanzini, Alejandro, ou Alex como é chamado pela família e pelos amigos, é um popular jovem jogador de rúgbi da seleção argentina, que se aproveita do seu círculo de amizade com membros da alta sociedade argentina para ajudar o pai nos sequestros, tendo sequestrado diversos colegas de time pertencentes a famílias ricas. Apesar de participar ativamente dos crimes, Alex não se sente nem um pouco à vontade com a situação, mas com medo de decepcionar a família continua os ajudando nos sequestros. O ator Peter Lanzini consegue passar muito bem toda a angústia e os sentimentos reprimidos do personagem que dão o tom melancólico do filme.
Apesar da grande atuação de Lanzini, o destaque fica mesmo por conta de Guillermo Francella no papel do patriarca da família, Arquimedes Puccio. O personagem é um homem extremamente frio e calculista. A expressão impassível do ator é aterrorizante, de dar medo tamanho o impacto que causa.
Concluindo, O Clã é um filme forte, perturbador pelos fatos que descreve e também pela maneira que os mostra. Com grandes atuações, direção, fotografia e trilha sonora, o longa já pode postular um lugar entre os melhores argentinos dos últimos anos.
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O Cheiro do Ralo (2007)
Dirigido por Heitor Dhalia e estrelado por Selton Mello, O Cheiro do Ralo é baseado no livro homônimo escrito por Lourenço Mutarelli. O filme conta a história de Lourenço (Selton Mello), um comprador de uma espécie de antiquário, que adquire desde pratos, até violinos. Aproveitando-se de sua posição superior, o protagonista é um homem que sente prazer em destratar as pessoas que vão no seu estabelecimento tentar vender os seus pertences. O curioso é que ao mesmo tempo em que gosta de diminuir as pessoas, Lourenço se sente como um sujeito fracassado, uma pessoa ruim.
No filme, o personagem de Mello quando recebe alguém interessado em lhe vender algum item em sua sala, sempre diz que o cheiro ruim da sala não é dele e sim do ralo do banheiro que está entupido. De forma metafórica o ralo simboliza o próprio protagonista que “fede a merda”, mas diz que os outros é que fedem, os outros é que são fracassados. A merda é mostrada como algo que o protagonista tenta esconder, mas que acaba transparecendo através do seu comportamento doentio. A fixação dele pela bunda de uma garçonete é uma clara alusão que o personagem de Mello vê beleza na merda, ou nesse caso na “origem” dela. Ao mesmo tempo em que sente repulsa pela sua natureza imunda, o protagonista gosta dela e a expressa através da sua conduta mesquinha.
Ou seja, de forma metafórica O Cheiro do Ralo trata da questão de projetar no outro o que o indivíduo não suporta ver em si mesmo, nesse caso a avareza, a mesquinhez, o jogo de poder, a sujeira em sua forma mais simbólica: a merda. É, portanto, uma crítica muito inteligente a própria natureza humana em sua forma mais perversa.
Quanto as atuações, o grande destaque fica com Selton Mello, que encarna brilhantemente o sujeito perturbado e mesquinho, que fica dividido entre ser uma pessoa melhor e continuar com suas manias e hábitos doentios. Mello passa muito bem esse conflito interno do personagem, ao mesmo tempo em que gera uma certa repulsa.
Quanto a performance do restante do elenco, o mesmo cumpre muito bem o papel de apoiar a trama que gira em torno do protagonista, de modo geral ninguém compromete, mas também não chega a ter um grande destaque. Com exceção para a atriz Silvia Lourenço, que vive uma viciada em drogas que vai sempre no antiquário tentar vender objetos para conseguir dinheiro para o seu vício. A atriz consegue transmitir muito bem todo o desespero de uma usuária de drogas que está disposta a fazer de tudo para sustentar o seu uso.
Quanto a direção, Heitor Dhalia cumpre muito bem o seu papel de ambientar o expectador naquele mundo fétido e sujo do protagonista, com uma palheta de cores composta por tons de marrom, é transmitida a ideia de sujeira, e com enquadramentos inteligentes é transmitido ao público a percepção de mundo do protagonista Lourenço.
Resumindo, O Cheiro do Ralo é um filme sobre a “podridão” do homem. Apesar do tema pesado a história é contada de forma leve e até engraçada. A grande atuação de Selton Mello e a boa direção de Dhalia fazem do longa uma excelente pedida para os fãs de um cinema mais cabeça, porém divertido.
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Pássaros (1963)
Pássaros é um filme que transcende o gênero de terror, é muito mais do que isso. É ao mesmo tempo um excelente suspense, e uma metáfora muito perspicaz e inteligente do grande cineasta britânico.
O filme conta a história de Malaine Daniels, Tippi Hendren, uma “patricinha”,que após conhecer o advogado Mitch Brenner, Rod Taylor, em um pet shop, fica intrigada com o rapaz e decidi ir atrás do mesmo na pequena cidade de Bodega Bay. No entanto, quando chega na cidade a jovem é surpreendida por uma série de ataques de pássaros sem motivo aparente.
Pássaros é sem dúvida o longa metragem mais metafórico de Hitchcock. Os pássaros que são animais aparentemente inofensivos se tornam o pior pesadelo dos protagonistas quando passam a atacar os humanos por nenhuma razão clara. De modo geral, as aves podem ser entendidas como a representação dos medos e dos conflitos internos dos personagens, que normalmente não se manifestam, mas quando o fazem aterrorizam as pessoas.
No começo do filme os protagonistas Mellanie e Mitch se conhecem em um Pet Shop, quando o rapaz aborda a garota com a desculpa de que está procurando um par de periquitos, em inglês “love birds”, ou seja, o diretor mostra simbolicamente que vai existir um envolvimento amoroso entre os dois. Os periquitos, assim como a maioria das aves domesticas apresenta um comportamento dócil, mas quando Mellanie acidentalmente acaba soltando um dos peritos, “love bird”, o pássaro tenta fugir e mostra seu comportamento selvagem, uma clara alusão a dificuldade da protagonista em lidar com os seus sentimentos, em especial com o amor.
A partir de então são mostradas diversas alegorias de como os pássaros representam os medos dos personagens. Desde a dificuldade de Mellanie de mostrar o seu amor, até a complexa relação de Mitch com sua mãe. O protagonista que já tem uma carreira de sucesso como advogado em São Francisco, sempre termina os seus relacionamentos amorosos em virtude dos ciúmes que a sua mãe sente, passando inclusive a morar com ela e com a irmã na pequena cidade de Bodega Bay, mesmo tendo um bom apartamento na cidade grande. Fica clara a referência a teoria do complexo de Édipo de Sigmund Freud. Hitchcock chega inclusive a colocar um diálogo entre Mellanie e a ex namorada de Mitch em que é citado o complexo de Édipo para explicar a relação do protagonista com a mãe. Outra referência é feita quando a mãe entra na casa de um morador da cidade que foi atacado pelos pássaros e encontra o homem morto e com os olhos furados e sangrando, alusão a morte de Édipo que fura os olhos quando descobre que matou o próprio pai e se casou com a própria mãe.
Apesar do forte componente simbólico, Pássaros também funciona muito bem apenas como um filme de terror/suspense. Como de costume, o “mestre do suspense” capricha na tensão e no mistério e deixa o expectador tenso do começo ao fim. Outro mérito do filme são os efeitos especiais dos pássaros, que impressionam quando se levado em consideração a época em que o filme foram feitos. Mesmo hoje em dia, em tempos de computação gráfica os pássaros selvagens impressionam e amedrontam o expectador, as formas como as cenas dos ataques das aves foram filmadas se destacam, tanto pela beleza artística, quanto pelo terror que imprimem.
Em suma, Pássaros é um dos melhores filmes de um dos melhores diretores da história do cinema. O longa agrada tanto quem procura apenas por um bom suspense, quanto quem procura por algo mais profundo, mais simbólico e reflexivo. A estranheza de um filme em que o tema central é o ataque de pássaros a seres humanos, amedronta e ao mesmo entretém. Pássaros é uma boa pedida para os amantes de filmes clássicos, de suspense, de terror, de Hitchcock e de um bom filme cult!
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Mais Forte Que O Mundo: A História de José Aldo
Dirigido por Afonso Poyart (2 Coelhos) e protagonizado por José Loreto, o filme conta a história real do campeão do UFC José Aldo. Vindo de uma família pobre da periferia de Manaus, Aldo sofreu com o pai que batia na mãe, e só viu sua vida mudar quando se mudou para o Rio de Janeiro para tentar realizar o sonho se tornar um lutador profissional.
Além das boas cenas de luta o filme conta com um componente dramático muito bem trabalhado. Ao mesmo tempo em que odeia o pai violento, Aldo o admira e se identifica com o mesmo, sendo o progenitor a principal fonte da agressividade do protagonista que mais tarde é canalizada no MMA. Esse conflito interno de Aldo é muito abordado durante a história e acaba complementando muito bem as cenas de ação.
A direção de Afonso Poyart acerta muito nas cenas de luta e na fotografia. Com uma alta dose de ação estilizada, que lembra muito Hollywood, em especial Zack Snyder, Poyart faz do exagero sua marca registrada, assim como já demostrara em 2 Coelhos. Porém, por se tratar de uma trama real, o diretor não usa tanto do estilismo usado no fantasioso 2 Coelhos. Mesmo assim ele não abre mão do uso do slow motion, das cores vibrantes na fotografia e da utilização de animações, porém tudo em menor escala quando comparado ao filme que o tornou famoso. Apesar do exagero ser o grande trunfo de Poyart, ele também pode ser considerado em certos momentos um defeito. Há alguns momentos em que a estilização não se encaixa na cena, como em algumas cenas dramáticas em que o uso do exagero não cai muito bem, em que um silêncio ou uma sobriedade seriam melhores. Mesmo assim, se considerarmos o todo, a direção e a fotografia são extremamente competentes em entreter, provocar sensações nos expectadores e ambientá-los naquele universo.
Quanto as atuações, no geral são muito boas. José Loreto surpreende ao mostrar uma atuação competente no papel de José Aldo. Além disso, sua caracterização está excelente, o ator que é branco, alto e de olhos claros, está parecido com o lutador que é moreno e baixo. A maquiagem que o deixou com a pele mais escura, as lentes para esconder os olhos claros e os truques de câmera para deixa-lo mais baixo, ajudam a tornar a performance de Loreto mais crível.
Quanto ao restante do elenco, os destaques ficam por conta de Jackson Antunes, Claudia Ohana e Milhen Cortaz. Os dois primeiros que interpretam respectivamente o pai e a mãe de Aldo, conferem um peso dramático muito forte para a narrativa. Ohana está muito bem como a mulher sofredora e simplória, e Antunes apesar de estar repetindo o papel que já fez tantas vezes em novelas da Globo, atua bem como o sujeito bruto, simples e rústico. Quanto a Cortaz, o ator tem uma atuação firme e realista, carregando bem o papel do treinador duro, porém apoiador.
Rafinha Bastos é uma grata surpresa no papel do amigo que recebe Aldo no Rio de Janeiro. Apesar de parecer muitas vezes estar interpretando ele mesmo, com diálogos que mais parecem um texto de stand up comedy, Bastos cumpre bem o seu papel de alívio cômico, com uma interpretação bem natural e que arranca boas risadas da audiência. A única interpretação que fica um pouco abaixo das demais é a de Cléo Pires no papel do par romântico de Aldo. A atriz não convence como lutadora, muito menos como amada do protagonista, sua atuação soa um pouco superficial, fica na cara que ela está interpretando, não aparenta ser real.
Há ainda um componente metafórico muito interessante no filme. Não vou me alongar para não dar nenhum spoiler, mas fica evidente durante o filme que Aldo tem uma luta interna muito forte, talvez até mais forte do que contra os seus adversários. Como o próprio título do longa diz, o lutador é “Mais Forte Que o Mundo”, sendo assim nada pode derrota-lo, exceto ele mesmo. O filme abusa de metáforas para mostrar esse conflito interno de Aldo, essa luta contra ele mesmo é mostrada de forma que o expectador não sabe direito o que é real e o que está na cabeça do lutador, assim como o protagonista também fica confuso com os seus fantasmas.
Por fim, Mais Forte Que o Mundo: A História de José Aldo, é um filme divertido, com boas cenas de luta, mas que também não abre mão do drama. A direção de Poyart é algo diferente do que vemos atualmente no cinema nacional, o seu estilo Hollywoodiano certamente agradará os amantes do cinema americano. O fãs de luta, em especial do MMA, também ficarão satisfeitos com as boas sequências de luta estilizadas. Resumindo, o longa agradará certamente que gosta de um bom blockbuster de ação, mas também agrada quem busca uma história mais trabalhada com uma boa dose de drama e simbolismo.
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Festa de Família (1998)
Primeiramente é bom falar que Festa de Família é um filme representante do movimento cinematográfico conhecido como Dogma 95. O movimento criado pelos dinamarqueses Thomas Vinterberg e Lars Von Trier, tinha como regras a “busca por um cinema mais puro”, menos comercial e sem o uso de tantos artifícios técnicos. Para se ter uma ideia, o Dogma 95 não permitia que se usasse luz artificial, trilha sonora e efeitos visuais. Além disso, a filmagem deveria ser feita com a câmera na mão.
Resumindo, o Dogma 95 pregava um cinema feito de forma simples, em que a história deveria se sustentar sozinha. E é aí que está o grande trunfo de Festa de Família, o filme tem uma trama muito forte e impactante que prende a atenção do expectador apesar da discutível qualidade audiovisual.
O longa dirigido por Thomas Vinterberg conta a história de uma rica família dinamarquesa que se reúne na mansão do patriarca para celebrar o seu 60° aniversário. No entanto, a festa que tinha tudo para ser alegre e divertida ganha contornos de drama quando o filho Christian acusa o pai de ter molestado ele e a irmã quando crianças. A partir desse momento uma série de acontecimentos chocantes passa ocorrer e a família fica dividida entre o clima tenso da revelação de Cristian e o clima festivo do aniversário do pai.
Festa de Família é provavelmente o melhor filme do Dogma 95 por dois motivos: 1° o roteiro é muito bom e impactante, 2° o estilo simples de filmagem do Dogma 95 se encaixa muito bem com a história. Apesar da qualidade imagética estar longe de ser bela, a filmagem simples dá ao filme um tom de filme festivo familiar, quase como se um membro da família estivesse operando a câmera para gravar para a posteridade a reunião de família. De certa forma o estilo Dogma 95 passa uma maior veracidade para a história, complementando muito bem o roteiro.
Apesar do estilo de filmagem mais “cru”, Vinterberg trabalha muito bem os enquadramentos e os movimentos de câmera. O diretor se mostra arrojado ao conseguir criar tensão mesmo com poucos recursos técnicos. A cena da filha do Patriarca, Helene, se sentindo aterrorizada por um suposto fantasma da irmã no quarto é muito inteligente, utilizando da câmera subjetiva e do jogo de “mostra – não mostra” para criar tensão.
Quanto as atuações, estas são extremamente competentes. O clima tenso e desconfortável do filme, vem muito das interpretações. Como se trata de uma história sobre uma família dinamarquesa, é de se esperar relações mais frias e impessoais, característica dos povos escandinavos. Os atores cumprem muito bem o papel de passar essa frieza, mesmo, no entanto, o grande trunfo das suas interpretações está na quebra dessa impessoalidade, nos momentos de raiva, de tristeza e de embate. Os destaques ficam por conta de Ulrich Thomsen, no papel do filho Christian, Henning Moritzen como o pai Helge e Thomas Bo Larsen como o irmão mais novo de Christian, Michael.
Por fim, Festa de Família é um filme extremamente simples tecnicamente, porém extremamente bem escrito e dirigido. O estilo de filmagem “sem firulas” do Dogma 95 casa muito bem com a proposta do filme, mostrar a família tradicional além das aparências, mostra-la de dentro, sem filtros, da forma mais realista possível. O filme recebeu grande reconhecimento da crítica internacional, tendo vencido o conceituado prêmio do júri do Festival de Cannes. Portanto, se você está à procura de um filme realista, impactante e sem distrações técnicas, Festa de Família é uma boa pedida!
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Tudo Sobre Vincent
Em exibição nos cinemas com uma programação mais cultural, Tudo Sobre Vincent é uma espécie de filme não convencional de super-herói. O longa se vende no trailer como o “1° filme de super-herói francês”, mas com um importante adendo: “sem efeitos especiais”. Essa frase resume bem o que é o filme, que está longe de ser um filme de herói Hollywoodiano, mas também não chega a ser um tradicional filme de arte francês. Na verdade, Tudo Sobre Vincent fica no meio do caminho, a melhor definição para o longa talvez seria a de “filme cult de super-herói.
A história gira em torno de Vincent (Thomas Salvador), um sujeito introspectivo e recluso que trabalha como pedreiro, que vê sua vida mudar quando descobre que adquire uma super força quando está contato com a água. Se não bastasse a natureza no mínimo esquisita dos poderes de Vincent, o mesmo não chega a usar o seu “dom” para combater o crime, como nos filmes de super-herói americanos, pelo contrário, Vincent tem medo dos poderes, e os esconde como se fossem uma doença.
Se não bastasse a estranheza do mote principal da história, o filme é de certa forma “esquisito” em outros aspectos. A começar pelo protagonista, que tem pouquíssimas falas e age de maneira no mínimo peculiar. Vincent é um cara “travado”, sem expressão, sem vivacidade, sem sonhos e nem aspirações, uma representação exagerada do “loser” dos filmes americanos. Outro exagero aparente está nas situações de perigo do filme, especialmente no clímax, quando um simples ato toma proporções catastróficas.
Devido a esse aspecto mais absurdo, o filme pode ser entendido como uma grande metáfora. Vincent é um homem fraco em todos sentidos, profissionalmente, fisicamente e emocionalmente, e passa a ter poderes quando está molhado pela água, especialmente quando está nadando sozinho em um lago. Ou seja, quando está sozinho ele é forte. O lago pode ser entendido como um momento de reflexão do protagonista, em que ele só está em contato consigo mesmo e se sente forte por ninguém poder oprimi-lo naquele momento. Resumindo, Vincent se sente forte quando não está vivendo a sua “vida medíocre”, quase como se fosse um mundo imaginário em que ele é um super-herói.
No entanto, o protagonista sente medo de mostrar a sua força. Ele esconde de todos ao seu redor os poderes que poderiam torna-lo famoso. É como se ele fosse reprimido a mostrar a sua força, como se existisse uma espécie de barreira emocional que não deixasse ele mostrar o seu valor, suas qualidades.
Percebe-se então que além do caráter metafórico, o filme também possui uma certa sátira aos filmes de super-herói tradicionais. O longa brinca de desconstruir o velho cliché de filme de super-herói: O homem fraco que passa a ter poderes e vê sua vida se transformar totalmente. A exemplo do nerd Peter Parker, e do “magrelo” Steve Rodgers, Vincent é um “loser” que ganha poderes. No entanto, diferente dos filmes da Marvel, Vincent não tem grandes embates contra vilões que querem dominar o mundo e nem é adorado pelo povo, seu drama é pessoal, introspectivo.
Assim como o Peter conquista Mary Jane, Vincent também se envolve com uma mulher teoricamente longe do seu alcance. Assim como a ruiva das histórias do Homem Aranha, Lucie é completamente o oposto do protagonista. Enquanto Vincent é introspectivo, ela é extremamente extrovertida e popular. O filme brinca bastante com mais esse cliché das histórias de super-herói: o fracassado que namora a “garota dos sonhos”. Apesar de Lucie não ser tão bonita quanto Mary Jane, na vida real seria muito difícil a mesma se interessar por um cara como Vincent. Outro ponto interessante é que o filme exagera a forma como os dois ficam juntos, se nos filmes de super-herói a garota passa a se interessar pelo protagonista de forma gradual, em Tudo Sobre Vincent é o oposto. Lucie se interessa logo de cara por Vincent e praticamente “se joga” em cima dele, apesar das aparentes inabilidades amorosas do protagonista.
O filme francês apresenta ao longo da história uma série de quebras de expectativas de coisas que usualmente aconteceriam em filmes de heróis. Como por exemplo o protagonista começar a combater o crime ou então dar aquele beijo cinematográfico na garota. Há uma cena claramente parodiada do filme do Homem Aranha, em que Peter de ponta cabeça beija Mary Jane na chuva. No filme francês é Lucie que está de ponta cabeça esperando um beijo de Vincent que não acontece, mostrando que esse é um filme de herói diferente.
Resumindo, Tudo Sobre Vincent é uma interessante e divertida sátira dos filmes de super-herói de Holiwood, com uma boa dose de um exagero proposital e metafórico. Portanto, se você estiver afim de algo diferente o longa francês é uma boa pedida!
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Assassinos Por Natureza (1994)
Dirigido por Oliver Stone e estrelado por Woody Harrelson, Juliette Lewis, Robert Downey Jr e Tommy Lee Jones, o filme conta a história do casal de assassinos Mickey Knox (Harrelson) e Mallory Knox (Lewis). Após cometerem uma série de assassinatos por todo o país, os matadores se tornam verdadeiras celebridades do crime depois de ampla cobertura da mídia sensacionalista.
Um fato interessante é que o roteiro do longa foi escrito por Quentin Tarantino, que como de costume “caprichou” na violência, que é o tema central da narrativa. Um olhar mais desatento pode classificar o filme como apenas mais uma produção estadunidense violenta. Mas se analisado de maneira mais crítica, percebe-se que Assassinos por Natureza é na verdade uma bela crítica a banalização da violência. O longa usa muito da “violência tarantinesca” para satirizar a normalidade que a mesma adquiriu nos dias de hoje. Atualmente devido à grande exposição de conteúdo violento a que somos expostos a violência não impacta tanto. Filmes, jogos de vídeo game, desenhos e o noticiário policial transformaram o expectador mais tolerante a violência.
O filme brinca muito com essa glamourização da violência. Seja através de cenas de assassinato exageradas com muito sangue, seja através da glorificação que os protagonistas recebem pelos seus atos criminosos. Na história, o casal Knox passa a receber grande cobertura da mídia policial que acaba os alçando a categoria de celebridades. Assim como ocorreu na vida real com Charles Manson e outros famosos serial killers americanos, que passaram a ser venerados por uma legião de fãs.
Outra forma muito inteligente que o filme satiriza a violência é através da mistura de linguagens audiovisuais. Existe uma grande variação de estilos de filmagem, passando pelo documentarista, linguagem de vídeo clipe, sitcom, desenho animado e jornalismo televisivo. Ao misturar todas essas linguagens distintas, Assassinos por Natureza diz em forma metafórica que a violência está em todos os meios audiovisuais, desde o desenho do Tom e Jerry até o programa do Datena. E essa presença massiva da violência é explicada segundo o filme por um simples motivo: O ser humano é naturalmente violento e sente um certo prazer ao visualizar a agressividade. O próprio protagonista Mickey Knox diz em uma cena que ele gosta de matar porque o homem é por natureza assassino, sempre matamos uns aos outros ao longo da história da humanidade, seja através de guerras ou por meros motivos banais. Então, pela lógica do filme, se o homem não mata de fato, ele vai satisfazer seu instinto assassino através de conteúdo violento.
Além da crítica inteligente, o filme conta com grandes atuações. Wood Harrelson e Julliete Lewis estão muito bem como o casal assassino. Eles fazem uma espécie de versão moderna de Bonnie e Clyde, carismáticos ao extremo mesmo sendo criminosos. Harrelson, como de costume está ótimo como o cara pirado e totalmente sem limites. Já Lewis, que já demostrara grande talento ainda jovem em Cabo do Medo, mostra que definitivamente é uma ótima atriz, com uma interpretação ao mesmo insana e carismática.
O restante do elenco também está excelente. Downey Jr interpreta muito bem o jornalista sensacionalista, ao mesmo tempo cômico e lunático. Tommy Lee Jones, apesar do pouco tempo de tela marca presença, dando vida a um diretor de penitenciaria pirado. Outro que tem bastante destaque é Tom Sizemore, que vive Jack Scagnetti, um detetive policial narcisista e de métodos pouco ortodoxos, o ator passa muito bem todo o narcisismo e agressividade do personagem.
Resumindo, Assassinos por natureza é um filme que têm grande valor de entretenimento ao mesmo tempo em que faz uma crítica inteligente. O longa tem personagens carismáticos e uma mistura de linguagens visuais muito interessante. Se você gosta da violência dos filmes o Tarantino mas não abre mão de uma boa dose de experimentalismo e crítica social, Assassino por natureza é uma boa pedida
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Dirigido por Luís Sergio Person e protagonizado por Walmor Chagas, São Paulo, Sociedade Anônima se passa na capital paulista durante o “boom “ industrial no Brasil. O filme narra a história de Carlos (Walmor Chagas), um típico paulistano de classe média com um bom emprego, que anseia por subir na vida ao mesmo tempo em que se sente desconfortável com o ritmo alucinante e impessoal da grande metrópole.
O longa serve de retrato histórico da São Paulo da época, são mostrados em vários momentos locais conhecidos pelos paulistanos, como edifícios famosos, ruas, avenidas e praças, além de eventos tradicionais da cidade como a corrida de São Silvestre. Além desse lado mais documental, o filme aborda muito bem a narrativa do homem que é “engolido” pela cidade grande. Carlos é quase que a representação de São Paulo em forma de pessoa, o protagonista é um sujeito individualista, egoísta e ambicioso, que trata as pessoas de forma impessoal.
O personagem é um conquistador, tem várias mulheres, mas não é feliz com nenhuma delas, as trata como mercadoria e não consegue se realizar nem com os casos amorosos e nem com a bem-sucedida carreira profissional. Ao mesmo em que faz parte do “organismo da metrópole”, Carlos se sente sufocado por ela. Percebe-se neste ponto uma certa semelhança entre o protagonista do filme e Don Draper, protagonista da série americana Mad Man: ambos são contemporâneos, vivem em grandes cidades, tem bons empregos e possuem sucesso com as mulheres, mas apesar de tudo isso são infelizes e rejeitam internamente o ambiente capitalista que os moldou como modelos de homem de sucesso.
Apesar de focar no drama de Carlos, os outros personagens do filme também são exemplos de “crias” da cidade grande. O chefe do protagonista, Arturo, é um imigrante italiano que prosperou em São Paulo, exemplo do “self made man”, ele obteve sucesso profissional ao abrir uma fábrica de autopeças, as custas de subornos, exploração dos trabalhadores e outras falcatruas. Há também as “mulheres de Carlos”, que também se encaixam nos estereótipos da grande metrópole. Ana é ambiciosa e almeja enriquecer graças a sua beleza, seja trabalhando como garota propaganda, seja dando em cima do industrial Arturo. Já Luciana é o exemplo de mulher que tem como objetivo de vida conseguir um bom casamento, sem ter tido uma boa educação sua perspectiva de sucesso reside em constituir uma família com um homem que a proporcione uma boa situação.
Quanto a direção, Person se preocupa bastante em ambientar o expectador na “correria” paulistana. O protagonista é mostrado em diversas cenas andando pelas ruas abarrotadas de pessoas apressadas, como se fosse apenas mais um habitante entre tantos paulistanos. Carlos se sente deslocado em vários momentos, e a câmera do diretor consegue captar isso muito bem. Ora o protagonista aparenta estar desorientado em meio à multidão, ora ele se sente sufocado pela grandeza da cidade, como por exemplo quando os imensos arranha céus são filmados de baixo para cima, dando a sensação de inferioridade do indivíduo frente a cidade. Este é outro ponto positivo da direção de Person, a cidade é mostrada como grandiosa, esplendorosa, porém impiedosa e as vezes até cruel. Como diz o título do filme, São Paulo é na ótica do diretor uma grande indústria, bem-sucedida, porém impessoal, e esse aspecto acaba refletindo no comportamento dos seus habitantes.
Sobre as atuações, não temos nenhuma excepcional, mas em geral são muito competentes. Walmor Chagas é sem dúvida o grande destaque, não apenas por ser o protagonista e aparecer em quase todas as cenas, como também por ter a atuação mais sólida e verdadeira do filme, suas angustias são muito bem transmitidas ao expectador. Outros destaques, são Otello Zeloni, no papel de Arturo e a jovem Eva Wilma como Luciana. O primeiro consegue passar muito bem toda a malandragem cômica de Arturo, enquanto a segunda faz muito bem a recatada moça de família. Há ainda algumas atuações exageradas e um pouco fora de tom, como por exemplo as de Darlene Glória como Ana e Ana Esmeralda como Hilda, mas nada que comprometa a qualidade do filme.
Ainda sobre os excessos, há alguns diálogos um pouco exagerados. Além da narração em off do protagonista, que é em certos momentos excessiva e um pouco maçante, mas é necessária a narrativa, se levado em conta que o filme deseja entrar na cabeça de Carlos e mostrar ao expectador os seus dramas e dilemas.
Por fim, São Paulo, Sociedade Anônima é um verdadeiro clássico do cinema nacional, seja pelo belo retrato histórico de São Paulo, seja pela forma como é mostrado a cidade grande sufocando o indivíduo. O filme capta muito toda a grandeza e impessoalidade de São Paulo, através das tomadas inteligentes de Person e da boa atuação de Chagas. O longa foi premiado internacionalmente, tendo recebido o prêmio do público na Mostra Internacional do Novo Cinema de Pesaro (Itália) e o Prêmio Cabeza de Palenque do Festival de Acapulco (México). É, portanto, um filme destinado aos amantes do bom cinema brasileiro, bem como do cinema reflexivo e de crítica social.
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Ponto Zero (2016)
Em cartaz nos cinemas, Ponto Zero é uma grata surpresa aos cinéfilos e um belo exemplo de um filme nacional com uma estética brilhante e inovadora. Filmado no Rio Grande do Sul, o filme é dirigido por José Pedro Goulart e protagonizado pelo estreante Sandro Aliprandini, que vive Ênio, um garoto que passa pela conturbada fase da puberdade ao mesmo tempo em que tem de lidar com uma família disfuncional.
Basicamente o filme trata do processo de amadurecimento, da formação da personalidade, do estabelecimento do “Ponto Zero” da vida adulta. Mas o filme vai muito além de apenas contar os dramas da adolescência, a narrativa é repleta de metáforas e simbolismos. Esse é o grande trunfo do longa, essa árdua etapa da vida dos jovens é mostrada de forma
alegórica, através de inteligentes metáforas visuais, e representações simbólicas. Várias cenas representam o sentimento de deslocamento de Ênio, como por exemplo em vários momentos em que as coisas são mostradas invertidas, como carros andando para trás em uma avenida no céu. Há ainda uma cena em que o garoto anda de bicicleta sem ser visto por ninguém, evidenciando que ele se vê invisível frente aos outros.
O poder e o impacto dessas metáforas são realçados ainda mais pela brilhante fotografia e pelos enquadramentos inteligentes. As imagens são belíssimas, de encher os olhos, como há muito tempo não se via no cinema nacional. Quanto a direção de Goulart, esta é muito perspicaz em mostrar os personagens sempre distantes, a família de Ênio está longe de ser unida, seu pai e sua mãe vivem sempre brigando e o garoto tem problemas para se relacionar com eles. O diretor evidencia essa distância, através de tomadas em que os personagens estão sempre longe um do outro, seja através de uma câmera na janela quando a mãe observa o marido e o filho, seja mostrando apenas as vozes dos pais discutindo ou então através do silêncio desconfortável nos jantares em família.
As atuações também cumprem bem o seu papel de adicionar dramaticidade a narrativa. Aliprandini convence bem como um garoto em fase de descobrimento, sua interpretação é muito natural e introspectiva, e apesar das poucas falas consegue passar muito bem os seus dramas internos. Seus pais também estão muito bem, o pai, interpretado por Eucir de Sousa faz muito bem o papel de homem grosseiro e bruto que deixa a família em segundo plano, enquanto a mãe, Patrícia Selonk, passa bastante sofrimento no papel da mulher do lar que se vê desamparada pelo marido.
Por fim, é bom frisar que o filme tem um ritmo lento e contem poucas falas, a história é contada primordialmente através de imagens, o que pode ser um problema para quem é habituado a longas mais acelerados e com mais ação. No entanto, o filme está longe de ser maçante, apesar do ritmo mais devagar Ponto Zero tem uma boa narrativa e consegue prender o expectador através de belas imagens e de cenas angustiantes e dramáticas. Outro ponto que se deve ter em mente antes de assistir ao filme, é a sua natureza metafórica. Se interpretado de forma literal o longa pode parecer confuso ou sem graça, mas se levado em conta o seu simbolismo a obra se torna riquíssima e a experiência do expectador será certamente gratificante.
poético, com uma grande qualidade imagética e que proporciona uma visão profunda das transformações da adolescência. É muito fácil se identificar com o protagonista, pois todo mundo já passou ou está passando por essa fase. A história em si pode não ser muito complexa, mas é muito real, e associada as atuações, fotografia, trilha sonora e direção tornam o longa metragem mais um representante do bom cinema brasileiro. Portanto, se você é um amante da sétima arte e deseja conhecer mais as boas obras tupiniquins, corre para a sala de cinema mais próxima e confira Ponto Zero!
Trailer:
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O Profissional (1994)
O Profissional, 1994, é uma co-produção entre França e EUA dirigida por Luc Besson e estrelada por Jean Reno, Natalie Portman e Gary Oldman. O longa conta a história da relação de amizade entre o assassino de aluguel Léon (Reno), e uma garotinha de personalidade forte chamada Mathilda (Portman). Apesar de conter muitas cenas de troca de tiros e explosões, o filme não se enquadra totalmente no gênero de ação. O longa tem grandes sequências de ação, mas o foco do filme é na relação entre os protagonistas Léon e Mathilda.
A direção de Luc Besson é muito boa. O diretor alterna muito bem entre momentos de ação e extrema tensão, com momentos mais descontraídos em que é desenvolvida a relação entre o o assassino e a garota. Besson utiliza muito de planos fechados e planos detalhes para criar suspense, ao mesmo tempo em mostra que sabe conduzir brilhantemente sequências de ação.
O francês também escreveu o roteiro do longa ao lado de Patrice Ledoux. A dupla de roteiristas construiu personagens interessantíssimos, repletos de particularidades. Léon é um assassino letal que também possui um lado infantil, ele só bebe leite, não sabe ler e escrever, e em certos momentos tem a mentalidade de uma criança, sem falar no seu visual marcante, com os óculos redondos, touca e suspensórios. Mathilda por sua vez, é uma menina carismática, de gênio forte e em certos momentos aparenta ser muito mais velha do que realmente é. E por último, o vilão do filme, o policial corrupto Starsfield (Oldman), é um cruel e excêntrico criminoso, que adora música clássica e sempre toma uma pílula antes de matar alguém.
Outro mérito de Besson e Ledoux é o de criar uma excelente química entre dois personagens aparentemente muito distintos, um assassino de aluguel e uma menina. No entanto, se olharmos com um olhar mais atento, veremos que existem certas características comuns aos dois. Como já dito anteriormente, apesar de ser um matador, Léon possui um lado mais inocente, um lado mais criança, daí que vem a sua identificação com a garota. Mathilda por sua vez é uma garota com certas características de adulta, portanto pode se perceber que um acaba completando o outro.
Outro ponto de destaque do filme são as interpretações. As atuações são excelentes e enriquecem ainda mais o trabalho da direção e do roteiro. Jean Reno, está muito bem como o assassino solitário e frio, que ao mesmo tempo tem um lado mais infantil e ingênuo. O ator francês consegue passar muito bem essa dualidade entre a violência e a infantilidade do seu personagem. Gary Oldman como de costume está ótimo, o ator está surtado no papel do excêntrico e perigoso Starfield. Já a jovem Natalie Portman, mesmo com apenas 13 anos já demostra todo o seu imenso potencial como atriz, e é o grande destaque do filme ao viver a carismática Mathilda.
Concluindo, O Profissional é um filme que merece ser visto tanto pelos fãs de ação, quanto por aqueles que gostam de uma história mais elaborada, com personagens muito bem escritos e marcantes. A direção de Luc Besson sabe trabalhar tanto as filmagens de ação, quanto o aspecto narrativo da história. Por fim, as atuações são “a cereja do bolo”, e são cruciais para transformar o filme em uma excelente obra cinematográfica.
Trailer:
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O Pagador de Promessas (1962)
Dirigido por Anselmo Duarte e lançado em 1962, O Pagador de Promessas narra a história de peregrinação de Zé do Burro, um pacato e simplório homem do campo que faz uma promessa para a Iansã (que ele julga ser o equivalente de Santa Clara no Candomblé) para que a mesma cure o seu amado burrinho de estimação Nicolau. Uma vez que o burro é salvo, Zé decide cumprir a sua promessa de ir andando com uma cruz nas costas até uma igreja que fica a quilômetros da sua casa. No entanto, ao chegar na igreja o padre não o deixa entrar, pelo fato de Zé ter feito a promessa a uma entidade do Candomblé, que o catolicismo julga como magia negra.
A história começa a se desenrolar a partir do momento em que o padre impede Zé do Burro de pagar a sua promessa, daí se inicia o principal conflito do filme que dura até o final e toma proporções gigantescas com a chegada da imprensa, do povo e da polícia. Apesar da premissa aparentemente simples, é a forma como o diretor Anselmo Duarte conta a história que torna o filme tão grande e importante.
A direção, alterna entre planos abertos e fechados, criando imagens belíssimas. Enquanto os planos abertos mostram a inferioridade de Zé frente ao poder da igreja, os planos fechados no rosto do protagonista mostram o seu sofrimento. O diretor reforça em diversos momentos a inferioridade do protagonista frente as instituições de poder. Como na cena em que o Zé é filmado em um degrau mais baixo da escadaria enquanto o padre está degraus acima.
É importante salientar que o filme fez parte do movimento cinematográfico brasileiro conhecido como “Cinema Novo”. Que se caracterizou por conter uma temática de crítica social e pela simplicidade e realismo com que eram feitos os filmes. A frase “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” resume bem o movimento, que teve forte influência do Neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague francesa. Uma vez situado o contexto em que foi realizado o longa, é possível entender melhor suas críticas a sociedade brasileira e sua forma nua crua.
O Pagador de Promessas tem uma crítica social muito interessante à igreja, a imprensa e a polícia. Essas 3 fortes instituições sufocam Zé, que por ser um homem simples acaba se vendo totalmente impotente frente a elas. A igreja rejeita ele pelo simples fato do mesmo ter se relacionado com uma religião africana. A imprensa faz do seu caso uma grande matéria para vender jornal e o trata como um revolucionário. E a polícia por sua vez o julga um elemento perigoso devido a matéria do jornal. Ou seja, vemos no filme uma metáfora para a inferioridade do homem comum frente ao poder coercitivo.
A qualidade do longa rendeu a O Pagador de Promessas grande reconhecimento internacional. O filme foi a primeira produção nacional a concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Apesar de não ter levado o prêmio da academia, o longa ganhou a prestigiada Palma de Ouro de Cannes, e permanece até hoje como o único filme brasileiro a ter vencido a premiação.Portanto, se você deseja conhecer melhor o cinema nacional, e de quebra assistir a um filme inteligente e bem elaborado, O Pagador de Promessas é uma excelente pedida!
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O Franco Atirador (1978)
Lançado em 1978 e dirigido por Michael Cimino, O Franco atirador conta a história de um grupo de amigos americanos de ascendência russa que são convocados para lutarem no Vietnã. Mike (Robert De Niro), Nick (Christopher Walken) e Steven (John Savage) passam por um grande trauma na guerra que os afeta profundamente. Apesar de ser um filme sobre guerra, o foco do longa é nas consequências que o campo de batalha acarreta aos personagens. Não existem muitas cenas de ação com tiros e explosões, mas sobram cenas dramáticas.
O filme faz parte do movimento cinematográfico conhecido como “Nova Hollyoowd”, que tinha como principais características o realismo, a crítica social e a estética do cinema europeu. O Franco Atirador trata da guerra de uma forma não romântica, brutal e realista. A fotografia e a trilha sonora contribuem bastante para dar esse ar pesado e triste ao filme, enquanto que a primeira abusa de belas imagens com cores mais frias, a segunda entra com canções bonitas e melancólicas, conferindo todo um charme ao longa.
Quanto as atuações, o elenco conta com várias estrelas que não decepcionam. Robert De Niro está em um dos melhores papeis de sua carreira, sendo que ele consegue passar muito bem toda complexidade e loucura do personagem Mike. John Savage e Christopher Walken não ficam atrás, ambos os atores têm interpretações muito consistentes e fortes. É possível notar muito bem que a guerra traumatizou ambos de uma forma extremamente profunda, especialmente Nick, que através da grande atuação de Walken dá um realismo impressionante ao personagem. Outra estrela que merece destaque é a jovem Meryl Streep, que apesar de não ter um papel grande e nem interpretar uma mulher forte como nos habituamos a ver ao longo de sua carreira, tem uma boa atuação como Linda, a namorada de Nick.
Além de claramente ser um filme com uma mensagem antibélica, O Franco Atirador também tem algumas mensagens não tão aparentes, percebidas através de metáforas e simbolismos. O evento principal do filme que é a cena da roleta russa, pode ser entendido como uma metáfora para a guerra em si. Pois assim como na roleta russa, na guerra há uma grande chance de os participantes morrerem, sendo que em ambos os casos a sobrevivência está ligada a sorte, a aleatoriedade. A guerra e a roleta russa também têm em comum o fato de serem de certa forma “jogos estúpidos”, que brincam com a vida humana, e que a tratam como algo descartável. Pode-se dizer que os protagonistas já receberam um “tiro de roleta russa” logo no início do filme, ao serem convocados para guerra. Eles foram escolhidos entre vários jovens americanos para arriscar as suas vidas no Vietnã.
Outro fato interessante do filme, é que os protagonistas são americanos de origem russa, que ficam marcados por um evento que envolve roleta russa. Há uma relação entre a etnia deles e o jogo, mostrando que no fundo eles já tinham um pouco daquela loucura, em especial o personagem Mike, que se mostra desequilibrado e agressivo desde o início da trama. O que acontece é que a guerra, em específico o evento da roleta russa, ampliou e externalizou algo que já existia dentro de cada um deles.
Ainda sobre o fato da origem russa dos personagens, é curioso que jovens de origem russa se envolvam em uma guerra que foi decorrente do conflito entre os EUA e a URSS. Apesar da guerra ser contra os vietcongues, o que a motivou foi a contenção do regime comunista pelo mundo, do regime russo da época. Portanto, dada que esta foi uma guerra quase que indireta contra os russos, é possível interpretar a batalha dos protagonistas no Vietnã como uma guerra contra eles mesmos, uma luta que não há como vencer, só se ferir.
Concluindo, O Franco Atirador é sem dúvida um dos filmes mais impactantes e brutais da história do cinema, com atuações viscerais e uma trilha sonora e fotografia marcantes. Não atoa o filme recebeu vários prêmios, incluindo 5 Oscars nas categorias melhor filme, melhor diretor (Michael Cimino), melhor ator coadjuvante (Christopher Walken), melhor edição e melhor som. Além de 2 BAFTAS, melhor fotografia e edição e 1 Globo de Ouro para melhor diretor.
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Os irmãos Russo se superaram, conseguiram o difícil feito de fazer algo melhor que o excelente Capitão América 2. Eles mostraram novamente que sabem filmar muito bem cenas de ação, que em Guerra Civil são um show à parte, com cortes rápidos e sensação real de movimento, fazendo o expectador imergir nas batalhas. Outro ponto positivo da direção foi a escala global que eles deram ao conflito, especialmente pelo filme se passar em várias cidades ao redor do mundo. Sempre quando começa uma cena em uma cidade diferente, é mostrado um plano geral do ambiente acompanhado do nome da cidade escrito em letras garrafais, lembrando muito nesse aspecto filmes de espionagem. Os diretores conseguiram incorporar o elemento de espionagem de Capitão América 2 em Guerra Civil, só que agora a escala é muito maior e a história mais grandiosa. Esse ar de filme de espião não é o centro da trama como no segundo longa do Capitão, mas ele auxilia e enriquece muito a história de Guerra Civil.
Outro fator que os irmãos Russo acertaram foi na dosagem das piadas. Os filmes da Marvel são muito contestados pelo uso excessivo de “piadinhas”, mas em Guerra Civil esse recurso é utilizado inteligentemente em momentos chaves. Os diretores e roteiristas encaixaram as piadas em momentos bem propícios, fazendo as funcionar como alívio cômico e não como parte essencial da história.
O único ponto negativo do filme é o Zemo. O vilão é muito fraco, não é nem carismático e nem impõe medo ou respeito. Apesar de ele ter uma certa importância para o desenrolar da história, Zemo é um personagem desinteressante. A Marvel poderia ter escolhido um vilão melhor, ou então ter feito o filme sem nenhum “cara mal”. O conflito principal é entre o time do Capitão e do Homem de Ferro, e o filme poderia se sustentar apenas com esse embate.
Quanto ao restante dos personagens, todos estão muito bem. Com destaque para o Homem de Ferro, e a atuação mais dramática e densa de Robert Downey Jr no papel. O Personagem está amargurado por uma série de motivos e já não mostra mais tanto o seu lado debochado. Downey Jr consegue muito bem dar essa profundidade a Tony Stark, e mostrar toda a sua versatilidade de ator.
Outros personagens antigos da Marvel nos cinemas também estão bem. O Capitão América tem uma boa carga dramática e até um envolvimento amoroso. A Viúva Negra continua uma personagem interessante, com alguns conflitos e boa participação na trama. A Feiticeira Escarlate está em conflito por ainda não dominar completamente seus poderes, além da sua relação com o Visão que é bem legal. O Androide criado por Tony Stark continua muito bem interpretado pelo excelente Paul Bettany, e cada vez mais vai conhecendo e se adaptando ao mundo dos humanos. Outro destaque é o engraçadíssimo Homem Formiga, que apesar de aparecer pouco é um alívio cômico muito bom.
Falando em alívio cômico, o tão esperado Homem Aranha é excelente. Tom Holland, conseguiu acertar o meio termo entre a “nerdice” do Tobey Maguire e a “fanfarronice” do Andrew Garfield. No pouco tempo que aparece, o ator consegue ir muito bem tanto como Peter Parker, quanto como Homem Aranha.
Ainda sobre os personagens novos, o Pantera Negra é uma grata surpresa. O personagem é muito bem apresentado e construído. Seu poder e sua imponência impressionam, deixando os expectadores muito curiosos sobre o filme solo do herói.
Concluindo, Capitão América: Guerra Civil, cumpre perfeitamente a promessa de mostrar o embate entre o Capitão e o Homem de Ferro, ao mesmo tempo em que insere muito bem novos heróis, criando ganchos para os seus futuros filmes solo. Apesar de ter um vilão fraco, o filme na sua maior parte é excelente e já pode ser considerado como um dos melhores longas de super-heróis da história.
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Cinema Paradiso é um filme italiano lançado em 1988 e dirigido por Giuiseppe Tornatore. O longa se passa em um pequeno vilarejo na Sicília e conta a história de amizade entre o menino Totò e o projecionista de cinema Alfredo. O garoto sempre foi apaixonado por cinema e ia frequentemente as sessões do Cinema Paradiso, o cinema da cidade, escondido da mãe. Foi aí que acabou conhecendo Alfredo, que posteriormente o ensinou o ofício de projecionista. À primeira vista o filme pode até parecer simples, mas a direção de Tornatore e as atuações dos protagonistas tornam Cinema Paradiso um filme belíssimo, de uma sensibilidade sem igual. Tanto é que foi reconhecido com o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1990.
Além de abordar de uma maneira muito bonita o tema da amizade, o filme ainda tem como pano de fundo uma grande homenagem a sétima arte. A sala de cinema que dá o título ao longa é quase que um personagem, tendo um papel vital na trama, e influenciando profundamente o desenvolvimento do protagonista Totò. Quando é mostrado o garoto assistindo as sessões no Cinema Paradiso, são mostradas diversas cenas clássicas da história do cinema, um verdadeiro deleite para qualquer expectador cinéfilo.
É impossível a qualquer amante da sétima arte não se identificar com a paixão que o pequeno Totò tem pelo cinema. Aliás, falando sobre o protagonista, o ator Salvatore Cascio dá um verdadeiro show de interpretação. Extremamente carismático e fazendo muito bem tanto as cenas mais cômicas quanto as mais dramáticas, Cascio tem uma das melhores atuações mirins da história do cinema, que acabou lhe rendendo o BAFTA de melhor ator coadjuvante.
O grande amigo de Totò no filme, Alfredo, interpretado por Philippe Noiret, não fica atrás no quesito atuação. Noiret tem uma química muito boa com Cascio, além de uma interpretação muito sensível, que torna o personagem muito humano e verossímil. A bela atuação de Noiret lhe rendeu um BAFTA de melhor ator.
Quanto a direção, Giuseppe Tornatore tem papel fundamental na pureza e beleza com que o filme é conduzido. O diretor compõe imagens muito belas e dá um tom muito sensível ao longa. Tornatore, aliás, sabe muito bem fazer filmes sobre a infância, com toda a pureza e delicadeza dessa fase da vida. Recentemente o diretor fez Malèna, um longa sobre um garoto que vive em uma vila na Sicília durante a segunda guerra, e que é apaixonado por uma bela mulher chamada Malèna, interpretada por Monica Bellucci.
Além da grande direção, Cinema Paradiso também tem uma grande trilha sonora, composta pelo brilhante Ennio Morricone. A trilha complementa muito bem a direção, dando esse tom sensível e belo ao filme. Tanto que rendeu ao filme o BAFTA de melhor trilha sonora.
Portanto, Cinema Paradiso não é somente um clássico do cinema italiano, é um dos melhores filmes já feitos, um verdadeiro clássico do cinema mundial. O longa consegue abordar muito bem temas como, amizade, infância, vida e o próprio cinema. Tendo grandes atuações, somadas a um bom roteiro, e uma belíssima direção e trilha sonora. Sem falar que o filme possui uma das cenas finais mais emocionantes da história do cinema (quem assistiu fatalmente concordará). Por todos esses motivos citados, o filme ganhou um grande reconhecimento da crítica, tendo vencido o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1990, além de 1 Globo de Ouro e 5 BAFTAS.
Trailer:
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Era Uma Vez Na América
Era uma Vez na América é um dos maiores filmes de máfia de todos os tempos, e com certeza o mais artístico do gênero. Lançado nos EUA em 1984, o filme foi dirigido pelo grande diretor italiano Sergio Leone, famoso por seus westerns, e estrelado por Robert De Niro. O longa conta a história de um grupo de garotos judeus que crescem praticando pequenos crimes, e com o passar do tempo se tornam gângsters ao se envolverem com o tráfico de bebidas em pleno período da Lei Seca.
A história é contada através de uma narrativa não linear. Começa com o jovem Noodles, De Niro, fugindo da cidade após ser jurado de morte, e depois vai se alternando entre contar o passado, época de infância dos garotos, e o presente, a volta de um Noodles já velho a cidade. Essas três narrativas se complementam muito bem na história, criando uma expectativa em torno dos motivos que levaram Noodles a se tornar um mafioso e posteriormente o que o fez fugir.
O fato do filme contar a história de Noodles e seus amigos desde a época de criança até a velhice confere um ar grandioso ao filme. Os garotos crescem e se desenvolvem na trama ao mesmo tempo em que a própria máfia nos EUA. Os gangsters americanos surgiram na época da Lei Seca com o tráfico de bebidas, o próprio Al Capone foi um deles. O filme se passa nesse “Período de Ouro” do crime organizado nos EUA. Portanto, Era uma Vez na América é de certa forma um tratado sobre o desenvolvimento das organizações criminosas na américa, um verdadeiro épico da máfia.
Quanto a direção de Sergio Leone, esta é simplesmente incrível. É impressionante como o diretor consegue em alguns momentos contar a história apenas com imagens, os 30 primeiros minutos do filme não têm quase nenhuma fala e mesmo assim o diretor te ambienta totalmente na história. A cena do Noodles jovem olhando no espelho e depois aparecendo seu reflexo já velho ao som de Yesterday dos Beatles é umas das mais belas e inteligentes cenas do cinema, tudo se encaixa, trilha sonora e imagem se completam perfeitamente. Some ainda a trilha sonora do grande Ennio Morricone, que venceu o Oscar de melhor canção original em 2016 por Os Oito Odiados, e foi indicado pela academia inúmeras vezes. Temos, portanto, em Era Uma Vez na América uma verdadeira obra de arte da história do cinema, que deve ser admirada e contemplada.
No entanto, para se assistir ao longa e admirar a sua beleza é necessário um pouco de paciência do expectador. O filme peca um pouco pela sua longa duração, quase quatro horas. Por ser uma narrativa quase que épica é necessário um tempo maior para contar a história, no entanto, Era Uma Vez na América possui alguns trechos que não são tão importantes para a trama, principalmente na parte final. Além disso, não existem tantas cenas de ação como usualmente vemos em filmes de máfia, o longa preza por contar a história de uma forma mais artística, usando muito as imagens, e com momentos lentos utilizados para o expectador admirar o filme como se admirasse uma pintura. No entanto, apesar desses momentos serem lentos, não são de forma alguma arrastados, existe um propósito claro do diretor com esse tipo de narrativa.
Quanto as atuações, o filme está muito bem servido. A começar por Robert De Niro, que mostra mais uma vez que sabe como ninguém interpretar um mafioso. É impressionante como ele consegue fazer o mesmo personagem jovem e velho, que ao mesmo tempo são tão diferentes e tão iguais. O jovem Noodles é intransigente, sem limites, alucinado, enquanto a sua versão velha é mais contida, amargurada. Apesar da mudança na personalidade do personagem, a interpretação de De Niro convence o expectador que ambas as versões fazem parte de um mesmo personagem, que mudou o seu jeito de encarar a vida depois de um acontecimento marcante.
Outros destaques nas atuações são: Scott Schultzman Tiller no papel do Noodles criança, a jovem Jennifer Connelly no papel de Deborah criança, James Woods, que interpreta o Max adulto, e a sensacional Tuesday Weld, que foi indicada ao Globo de Ouro como atriz coadjuvante pelo papel de Carol.
Concluindo, Era uma Vez na América é um dos maiores clássicos da história do cinema, um épico da máfia que não se destina apenas aos fãs do gênero. Se destina a todos que gostem de um cinema belo, estético e tocante. Em outras palavras, se destina a todos que gostem de cinema em sua forma mais artística.
Confira o trailer do filme:
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Pi
Dirigido pelo mesmo diretor de Cisne Negro e Réquiem para um Sonho( Darren Aronofsky), o filme de 1998 conta a história do gênio da matemática Max Cohen, e da sua busca obsessiva por um padrão matemático universal que explicaria diversos acontecimentos do mundo.
Pi foi o primeiro longa do diretor. E logo na sua estreia Aronofsky já demostrou qual seria a sua marca registrada ao longo da carreira, filmes densos e profundos que mostram muito bem a complexidade da mente humana. Em Pi o cineasta trabalha muito bem a angustia e a obsessão do protagonista em busca da resolução do seu problema matemático, e do consequente sofrimento que isto acarreta ao mesmo.
Para construir essa narrativa pesada e colocar o expectador no lugar do matemático, o diretor utiliza de alguns artifícios cinematográficos. Primeiramente o filme é filmado em preto e branco, recurso que dá um ar mais cru e sombrio à história, assim como Scorsese já havia feito em 1980 no filme Touro Indomável. Outro recurso interessante usado em Pi é o hip hop montage, técnica que utiliza cortes extremamente rápidos em close, acompanhados de efeitos sonoros. Esta técnica ajuda a dar um ritmo mais acerado ao filme, que faz com que o expectador fique mais agitado, assim como o protagonista da história. Por fim, a trilha sonora também tem um papel importante nessa ambientação, por ser aguda e de certa forma desesperadora. Estes recursos utilizados por Aronofsky de forma mais experimental em Pi seriam utilizados em uma escala muito maior em seu trabalho posterior, Réquiem para um Sonho de 2000.
Como já citado anteriormente, o diretor sabe muito bem abordar a mente humana. Aronofsky mostra um certo conhecimento de psicanálise em seus filmes. Em Pi não é diferente. As cenas no metrô são um simbolismo para o inconsciente do protagonista. Assim como o metrô que fica em baixo da terra, escondido da superfície, o inconsciente segundo a psicanalise fica em uma camada mais profunda da mente humana, escondido da nossa consciência. Sabendo disso, o diretor usa as cenas no metrô para mostrar o inconsciente de Max, através de situações aparentemente absurdas, porém recheadas de simbolismo, igual a um sonho. São mostradas metáforas muito interessantes sobre o que se passa na cabeça do personagem.
Resumindo, Pi não é um filme fácil de ser assistido, exige reflexão. Fato que torna o longa ainda mais interessante. O suspense criado ao redor da busca de Max pelo padrão universal, consegue prender muito bem a atenção do expectador. Ao mesmo tempo em que queremos descobrir o segredo, sentimos na pele o sofrimento do protagonista. Aronofsky sabe criar muito bem sensações, narrativas densas e mergulhar na psique humana. Se você gosta desses elementos em um filme, Pi é uma ótima pedida!
Confira o trailer do filme:
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Trainspotting é uma gíria escocesa que significa “atividade sem sentido, total perda de tempo”. E é justamente sobre isso que o filme trata, a história de um grupo de amigos que não se encaixam na sociedade e decidem dedicar as suas vidas ao uso da heroína. No início eles acreditam que a atividade sem sentido, “Trainspotting” é arranjar um trabalho, constituir família, comprar bens materiais, enfim ser um cidadão normal. No entanto, no decorrer do filme é mostrado que a perda de tempo na verdade é se entregar as drogas.
Apesar da temática pesada, o filme não é propriamente um drama, está muito mais para uma boa comédia britânica. Os personagens são muito engraçados, como o bobalhão Spud, o briguento Begbie, o especialista em James Bond ,Sick Boy, e o protagonista Renton, interpretado pelo ótimo Ewan McGregor. O ator está muito bem no filme. Sua caracterização está ótima, com uma aparência de viciado muito boa, pálido, magrelo e com um olhar vidrado. Sem falar nas suas cenas drogado e tendo alucinações que são espetaculares por sinal, vide as cenas da privada e do quarto.
Outro aspecto de humor do filme são os diálogos. Muito bem escritos e inteligentíssimos, eles dão uma leveza e agilidade a narrativa. Ainda sobre o roteiro, o protagonista é quem narra o filme, utilizando uma narração em off que dá um toque todo literário ao longa. O roteiro do filme por sinal foi baseado em um livro do mesmo nome e foi indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado em 1996.
Apesar de não ser um drama propriamente dito, o filme tem sim momentos muito desconfortáveis e impactantes. As cenas de alucinações por exemplo, te colocam no lugar do protagonista, utilizando algumas vezes câmera em primeira pessoa e outras vezes fazendo o expectador se sentir enclausurado naquele sentimento de desespero.
Neste aspecto Trainspotting e Réquiem para um Sonho se assemelham. Ambos tratam sobre o vício em drogas e buscam te colocar na pele dos personagens. Porém, Trainspotting é bem menos pesado e perturbador que Réquiem. O que não tira de forma alguma os méritos do longa escocês, que tem uma interessante abordagem do mundo das drogas, mesclando muito bem drama e humor.
Por fim, Trainspotting também tem uma excelente trilha sonora. As canções se casam muito bem com as cenas, rocks e músicas eletrônicas dão um tom acelerado ao filme. A cena final por exemplo é brilhante, o desfecho da história com a música da banda Underwolrd fica excelente.
Pelos motivos comentados acima, Traisnpotting se tornou um cult do cinema britânico e mundial. A utilização do humor em uma temática pesada como o vício nas drogas não tira a seriedade da questão, pelo contrário, ajuda a elucidar melhor esse problema e mostrar como é a realidade de um viciado. Se você gosta filmes que te fazem pensar ao mesmo tempo que te fazem rir, então Trainspotting é uma ótima pedida.
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Batman x Superman: A Origem da Justiça
O tão aguardado 1° crossover da DC nos cinemas saiu, e dividiu muito as opiniões. Entendo e até concordo em alguns pontos com o time dos “haters”, mas de maneira alguma essas “falhas” chegam a comprometer o filme. Batman x Superman: A Origem da Justiça consegue muito bem entregar o que promete.
Vamos começar pelos pontos negativos. O que de fato mais me incomodou no filme foi o personagem do Lex Luthor. Jesse Eisenberg não convence no papel, sua atuação soa um tanto quanto forçada, principalmente quando ele tenta aparentar uma certa loucura. Há algumas boas cenas do vilão, como no diálogo com a senadora, no entanto, Luthor está muito
descaracterizado, não se parece em nada com o personagem real. Parece que o diretor e os roteiristas tentaram fazer uma versão moderna de Lex baseada nos gênios milionários do vale do silício. Talvez até por esse motivo Eisenberg tenha sido escolhido para o papel, visto que ele viveu Zuckerberg no filme a A Rede Social.
Outro ponto que não me agradou foi a solução que eles deram para a resolução do conflito entre o Batman e o Superman. Apesar do diretor dar pistas dessa resolução desde o começo do filme, me pareceu um tanto quanto forçada. O Batman que é retratado como um cara amargurado e duro se desarma muito facilmente e rapidamente. Poderiam ter trabalhado melhor essa questão.
Falando ainda sobre esse Batman mais “sangue nos olhos”, Ben Affleck foi uma grata surpresa nesse filme. Ele consegue realmente convencer como Bruce Wayne e Batman. Esse é um homem morcego diferente dos outros do cinema. Os dramas que ele viveu no passado o transformaram em um cara mais frio, mais bruto, sem misericórdia dos adversários. Batman não tem limites para conseguir o que quer, chegando inclusive a torturar bandidos, agindo quase como uma espécie de Capitão Nascimento.
O contraste entre o Batman e o Superman foi uma coisa que funcionou muito bem. De um lado um Homem de Aço inexperiente, porém elevado à categoria de deus, representando a esperança. E de outro lado um Homem Morcego experiente, porém apenas um humano, representando as trevas. O embate entre os dois, muito aguardado pelos fãs, não decepciona. A batalha entre os heróis é sensacional, e cumpre muito bem a promessa de um embate épico.
Ainda falando sobre as cenas de luta e de ação, esse é um dos pontos altos do longa. O diretor Zack Snyder como de costume não decepciona nesse aspecto. O visual exuberante do filme combinado com uma ação frenética faz dos embates Batman x Superman e da luta contra o Apocalipse o melhor do filme. Snyder parece ser o cara certo para conduzir o universo da DC nos cinemas, sua experiência em trabalhos bem-sucedidos em filmes do gênero trazem um ar de HQs muito forte aos seus filmes.
Quanto aos outros heróis da futura Liga da Justiça, os mesmos são inseridos muito bem na história. Uma das principais chances desse filme dar errado era a história se perder com tantos personagens. No entanto, a apresentação dos mesmos foi muito boa. A Mulher Maravilha aparece pouco, quase não tem falas, porém está muito bem no ato final do filme. A ideia foi dar apenas um gostinho da personagem, gerar curiosidade dos expectadores e criar alguns ganchos para o filme solo da heroína. Sobre os outros membros do futuro grupo de heróis, todos foram brilhantemente apresentados em uma única cena, e novamente o gancho para os futuros filmes e a instigação dos fãs foram muito bem trabalhados.
É por isso que Batman x Superman: a Origem da Justiça é sim um filme de super-heróis muito bom. Apesar de algumas falham, a experiência do expectador não é comprometida de forma alguma. O filme cumpriu o seu papel de apresentar esse embate épico entre dois dos maiores heróis dos quadrinhos e ainda por cima conseguiu criar um promissor embrião do universo da DC nos cinemas.
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Abril Despedaçado
Abril Despedaçado se passa no sertão nordestino em 1910 e conta a história de duas famílias inimigas, que desde muito tempo atrás se veem envolvidas em uma disputa por terras e vingança. O filme começa quando Inácio, irmão mais velho de Tonho (Rodrigo Santoro) é assassinado por um membro da família rival e segundo o código de honra da região o irmão mais novo do assassinado deve vingar sua morte. Incumbido da morte do homem que matou seu irmão, Tonho tem de seguir o seu destino e perpetuar o ciclo de vinganças entre as famílias.
Esse é o pontapé de partida da história. A partir daí Tonho começa a questionar o seu destino, estimulado pelo seu sonhador irmão mais novo, Pacu, e pela paixão que sente por uma artista de circo. Basicamente a história inteira se desenvolve em torno desse questionamento da realidade e do destino cruel.
Além desse questionamento interessante, o filme é esteticamente muito belo, bastante poético, com metáforas visuais muito bem colocadas e uma fotografia deslumbrante. A maioria das cenas são monocromáticas, pintadas de tons de amarelo, desde o ambiente sertanejo até a roupa dos personagens. Essa uniformidade das cores representa o mundo limitado em que vivem os personagens, no qual o destino já está predefinido. Em algum momento da vida os homens da família vão matar e ser mortos. No filme, quando alguém é morto a família espera até o sangue da camisa do falecido secar para vingar a sua morte. O amarelo do sangue seco simboliza esse ciclo vicioso da vingança, e dialoga muito bem com o amarelo do ambiente.
Além do visual que enche os olhos, as atuações também são espetaculares. Rodrigo Santoro tem uma atuação contida, porém muito emocionante. Apesar de não falar muito o ator consegue passar muito bem os sentimentos do personagem através das expressões faciais. Sua performance foi tão boa que esse papel junto com a sua atuação em Bicho de Sete Cabeças o alçaram de vez a categoria de grande ator, passando a ser chamado para trabalhos internacionais.
Além da grande participação de Santoro, o garoto Ravi Ramos Lacerda se destaca pela grande interpretação do menino Pacu. Ele consegue passar muito bem a inocência e os sonhos daquela alegre criança em meio a um ambiente tão hostil. Outro que também está muito bem no longa é José Dumont que vive o pai de Tonho e Pacu.
Por todos esses motivos listados acima Abril Despedaçado se tornou um grande clássico do cinema brasileiro, presente em toda lista que se prese de melhores filmes nacionais. As belas atuações, e a fantástica fotografia orquestrados pela grande direção de Walter Salles fazem do longa um ícone. Indicado ao Globo de Ouro e Bafta de melhor filme e vencedor do Festival de Havana na categoria melhor direção, Abril Despedaçado foi amplamente reconhecido e cultuado não só no Brasil como no mundo todo.
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Drive
Drive conta a história de um piloto de fuga, interpretado por Ryan Gosling, que também trabalha como dublê de batidas de carro em filmes de ação. Sua vida solitária muda drasticamente quando ele conhece a jovem Irene e tem de proteger a família dela com os seus “talentos” de motorista e assassino. A primeira vista pode parecer uma trama simples, mas a atuação introspectiva e impactante de Gosling somada a brilhante direção (vencedora do prêmio de Cannes), fotografia e trilha sonora dão um toque mágico ao filme.
Ryan Gosling tem uma atuação perfeita dentro do que é esperado do seu papel. Consegue mesmo com pouquíssimas falas expressar toda a dramaticidade do personagem. Sendo que a proposital falta de expressão do protagonista dá todo um suspense e mistério ao personagem, que prendem o expectador do começo ao fim.
O curioso é que o nome do protagonista não é citado em nenhum momento no filme, e as poucas vezes em que alguém se refere a ele chamam-no por “garoto” ou “piloto”. E isso faz todo o sentido para a ideia que o diretor quer passar. O personagem principal não tem nome porque a primeira vista não possui humanidade, é semelhante a uma máquina, preciso e frio. Por isso o filme se chama “Drive”. A história é sobre um homem que dirige como se o carro fosse uma extensão do seu próprio corpo, reforçando a desumanização do mesmo, que através da atuação contida de Gosling aparenta ser mais um robô do que um ser humano.
No entanto, quando conhece Irene e o filho dela, Benício, o lado humano do protagonista começa a aflorar. A maioria das poucas falas do piloto no filme é quando ele está com a garota e a criança. A cena dele levando mãe e filho para passear de carro diz muito sobre a humanização do protagonista. Nesta cena, a fotografia e trilha sonora têm papeis vitais para mostrar o que o diretor deseja. As belas imagens abertas do carro sozinho na estrada e depois o colorido da área verde que o piloto leva Irene e o filho mostram bem esse lado humano. Complementando a fotografia, a trilha sonora diz verbalmente o que está acontecendo. A música Real Hero diz no refrão que o personagem na verdade é um “Real humam being”.
Ainda sobre a trilha sonora, ela parece a todo o momento praticamente contar o tema de cada cena. Como na cena inicial em que toca a canção “Nightcall”, e o protagonista é mostrado como uma máquina e parece não se importar com os outros seres humanos. O seguinte trecho da canção se encaixa perfeitamente com a cena e dá o tom do filme: “There's something inside you. It's hard to explain. They’re talking about you boy. But you're still the same.”
Outra caraterística marcante do filme são os contrastes. Tensão/ação, amor/violência, razão/emoção. Essa dualidade está presente simbolicamente na jaqueta com o desenho de um escorpião que o protagonista usa a maior parte da história. A jaqueta é branca, simbolizando a pureza e a inocência, no entanto o escorpião é um animal que apesar de discreto é extremamente letal.
Ainda sobre essa dualidade, o filme alterna momentos de suspense com uma violência quase que “tarantinesca”. A cena que melhor exprime isso é a do elevador. Basicamente a história e o próprio personagem são sintetizados nessa única e marcante cena.
Por fim, Drive é um filme que merece ser visto e contemplado. A brilhante estética fotográfica associada à trilha sonora impactante diferencia Drive de boa parte dos filmes de hoje. A grande atuação de Ryan Gosling, uma das melhores de sua carreira, traz todo um suspense e drama. Resumindo, é só questão de tempo para que essa obra se torne um cult do cinema.
Confira abaixo o trailer:
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Réquiem para um Sonho
Um Réquiem (do latim requiem, "descanso") ou Missa de Réquiem, também conhecida como "Missa para os mortos", é uma Missa da Igreja Católica oferecida para o repouso da alma de uma ou mais pessoas falecidas. É frequentemente, mas não necessariamente, celebrada no contexto de um funeral. Ou seja, um réquiem nada mais é que uma música tocada usualmente nos funerais para se despedir dos mortos. No caso do titulo do filme, o réquiem se despede lentamente, agonizantemente e cruelmente dos personagens.
A história trata basicamente dos efeitos que as drogas causam nos 4 personagens principais, Sara (Ellen Burstyn), Harry (Jared Leto), Marion (Jennifer Connelly) e Tyrone (Marlon Wayans). Que estão afundados em profundas angustias pessoais e buscam durante o filme um meio de se livrar delas.
Harry é um garoto sem rumo, que perdeu o pai cedo e tem problemas com a mãe. Para escapar da realidade ele busca nas drogas pesadas um meio de ser feliz. Os entorpecentes sintéticos aliados ao entorpecente orgânico da paixão que sente pela sua namorada Marion são as únicas coisas que aliviam as suas dores (Sim, a paixão também age como um entorpecente natural, faz nos viciarmos em estar com a pessoa amada). No caso do personagem de Harry e da sua namorada o vício nas drogas é o mais acentuado no filme e o que acaba levando ambos à ruína. Mas o “vício” da paixão também está presente, serve como um auxiliar às drogas para que o casal se sinta feliz. As únicas vezes que o personagem de Harry aparece feliz além das drogas são nas cenas de amor com Marion. Mesmo quando ele está entusiasmado com a ideia de prosperar com o negócio de venda de drogas e ficar rico, o que realmente o deixa feliz é a possibilidade de construir uma vida ao lado da sua namorada. Utilizando o dinheiro do tráfico para abrir uma loja de roupas em sociedade com ela.
Já a sua namorada Marion também busca escapar da realidade de problemas com os pais ricos que não a oferecem amor, mas somente dinheiro. A personagem se apaixona por Harry por se identificar com o mesmo, os dois tem problemas familiares e buscam nas drogas um meio de felicidade.
O amigo de Harry, Tyrone, também procura nos entorpecentes sintéticos um meio de escapar da realidade e também pela esperança de ser bem sucedido como traficante. O personagem lembra a todo o momento da promessa que fez a sua mãe de que se daria bem na vida, e quando se vê em meio ao vício nas drogas enxerga nas mesmas uma oportunidade de uma vida melhor através do tráfico.
A mãe de Harry é a personagem do filme que destoa dos demais. Mãe, dona de casa e com uma vida aparentemente tranquila, ela não busca nas drogas um meio de se livrar da realidade que a atormenta. Apesar de se diferenciar no que tange ao uso de entorpecentes sintéticos ela não destoa na questão de também viver uma dura realidade e que querer escapar da mesma. No entanto, o seu vício é outro, a senhora procura na televisão em especial em um programa de auditório um meio de esquecer o marido falecido, o filho viciado e o que uns quilinhos a mais e a velhice fizeram com o seu corpo. É um caso de angustia e vício muito mais comum que o uso de drogas, e que por não ser algo chocante como se drogar acaba passando despercebido e vai consumindo a pessoa aos poucos.
O filme trata, portanto, da busca frenética e incessante de se livrar dos fantasmas que atormentam os personagens, da busca de uma felicidade artificial, de um sonho distante que não se realizará através desses meios. O Réquiem, portanto é um angustiante acorde que anuncia a eminente despedida da felicidade passageira dos personagens e do consequente funeral dos seus sonhos.
Se não bastasse o drama dos protagonistas, o diretor ,Darren Aranofsky, faz o telespectador sentir na pele a dor dos mesmos. Através da constante repetição do réquiem, dos rápidos cortes de cena e dos closes repentinos dos comprimidos e dos outros objetos de vício, a TV, a seringa e os efeitos da droga dentro do corpo. Todos esses elementos vão transportando lentamente o espectador da descontração do começo do filme até a agonia do final dramático. Assim como os
personagens, o espectador começa com a ilusão de felicidade e acaba mergulhado no profundo desespero dos mesmos.
Portanto, esse é um dos raros filmes que conseguem fazer com que as pessoas entrem em imersão total na história, sentindo o que Harry, sua mãe, sua namorada e seu amigo sentem. No fim da história os sentimentos do telespectador se confundem com o dos personagens. Afinal, todos nós temos em maior ou menor grau uma realidade que nos atormenta e buscamos um certo tipo de vício para nos entorpecemos. Réquiem para um Sonho é mais do que um simples filme, é uma experiência sensorial.
Confira abaixo o trailer do filme:
Ladrões de Bicicleta
Lançado no ano de 1948, Ladrões de Bicicleta é um dos mais famosos integrantes do Neo-realismo Italiano. Movimento que tinha como principal característica uma
abordagem extremamente realista e crua da pobreza e das dificuldades que o povo italiano enfrentava em consequência da segunda guerra mundial.
Esta dura realidade é o que move toda a história dos protagonistas Antônio Ricci e o seu filho Bruno. Ricci é um pai de família que encontra um emprego de colador de cartazes no qual é necessário uma bicicleta para se locomover. Desesperado para conseguir o emprego e sustentar a família Ricci e sua mulher são obrigados a penhorar as roupas de cama da família para comprar a bicicleta. O homem consegue o emprego e tudo parece se encaminhar bem até que um garoto rouba a sua bicicleta e o homem se vê sem o seu instrumento de trabalho, sem o meio de prover sua família. Este é o ponto de virada que leva Antônio Ricci e seu filho em uma jornada angustiante e desesperadora em busca da bicicleta.
Apesar de ser uma trama bem simples, o filme prende a atenção do início ao fim. O diretor,Vittorio De Sica, coloca o expectador no lugar daquele pai de família desesperado em busca da bicicleta, em busca da sobrevivência. As atuações do pai e do filho são excelentes. Ricci, interpretado por Lamberto Maggiorane, consegue passar muito bem a imagem do homem médio italiano do pós-guerra que busca diariamente a sobrevivência. Mas o destaque do filme fica com a grande atuação do seu filho, o garoto Bruno
interpretado por Enzo Staiola, que rouba a cena, principalmente na brilhante
e surpreendente cena final. O fato de Maggiorane e Staiola não serem atores profissionais impressiona ainda mais, Maggiorane inclusive trabalhava como operário antes de fazer o filme. De Sica escolheu propositalmente pessoas do povo para os papeis, tudo para dar mais autenticidade ao filme, característica do Neo-realismo Italiano.
Por fim, o filme é recomendado para quem gosta de filmes que retratem de forma nua e crua a realidade humana e que abordem os conflitos éticos e morais que a luta pela sobrevivência em épocas difíceis traz. Também é uma ótima pedida para quem quiser conhecer um dos movimentos cinematográficos mais importantes da história, que influenciou vários diretores importantes ao redor do mundo inclusive de Hollywood.
Segue abaixo o trailer do filme:
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