O filme conta a história real do ex editor da revista de
moda Elle, o francês Jean-Dominique Bauby, que após um AVC fica com o corpo
totalmente paralisado. No entanto, sua mente continua funcionando
perfeitamente, mas devido ao estado vegetativo é como se Bauby estivesse
encarcerado em seu próprio corpo, sem poder se expressar ou até mesmo se mexer.
Ele é diagnosticado com uma doença chamada de “síndrome do encarceramento”, que
só o permite mexer o olho esquerdo, transformando o seu corpo em uma espécie de
“escafandro” nome dado aos trajes metálicos de mergulho de antigamente.
Passado o choque inicial de se ver nessa situação
desesperadora, Bauby começa a se comunicar através de um sistema ensinado pela
sua médica, no qual as pessoas vão ditando o alfabeto para ele e quando chega
na letra que ele quer o mesmo dá uma piscada. Formando assim palavras, que formam
textos, e que chegaram inclusive a formar um livro. Sim, utilizando esse
sistema Bauby conseguiu com a ajuda de uma assistente escrever um livro
descrevendo a sua experiência de clausura após o AVC. O livro tem o mesmo nome
do filme, e foi usado de base para a criação do roteiro do longa-metragem.
Apesar da forte história de superação, era preciso um
diretor que soubesse abordá-la da maneira certa, sútil, sem muito melodrama. E
Julian Schnabel se mostrou a pessoa certa para dirigir o longa. Com esse material
em mãos a maioria dos diretores apelaria para o sentimentalismo barato, e
tentaria contar a história de maneira convencional, abusando do drama do Bauby
com a tradicional “fórmula hollywoodiana” para arrancar lágrimas do expectador.
No entanto, Schnabel faz da sutileza e do experimentalismo
seus grandes méritos. Apesar do filme ter sim, muitos momentos tristes e
fortes, o diretor os transmite de maneira inteligente. Primeiramente com o uso da
câmera subjetiva no olho de Bauby, o diretor mostra todo o desespero e a
angústia do protagonista através da sua própria visão. Praticamente toda a
primeira meia hora do filme é filmada em primeira pessoa, o expectador tem
acesso ao que Bauby está vendo e pensando, o que acaba colocando o público na
pele do protagonista.
Só depois de algum tempo de filme o diretor começa a usar
contra planos para mostrar o rosto de Bauby. No entanto, mesmo após a
diminuição da câmera subjetiva, Schnabel continua dando outras mostras da sua
criatividade e talento como diretor.
Como quando são mostrados sonhos metafóricos do protagonista se
imaginando no fundo mar preso no seu escafandro, ou então sozinho em meio
paisagens deslumbrantes no meio do nada, tudo para dar a sensação de solidão de
Bauby.
Falando ainda sobre os sonhos e pensamentos do
protagonista, a fotografia do filme é espetacular para fazer o público se
identificar com os sentimentos de Bauby. Através de imagens belíssimas e muito
fortes o diretor consegue ilustrar perfeitamente o que se passa na cabeça do
protagonista.
Outro ponto interessante do longa é o uso inteligente dos
flash backs. Apesar de ser um recurso cinematográfico largamente utilizado e
muitas vezes de forma cafona e sem
criatividade, em o Escafandro e a Borboleta
o diretor o usa na hora certa e de forma perspicaz. Os flash backs só começam a
serem mostrados depois de algum tempo no filme, somente depois que o expectador
já criou uma curiosidade de saber como era o Jean-Dominique Bauby antes do
acidente. E quando começam a serem mostrados, os flash backs apresentam um
Bauby popular, extrovertido e bem sucedido, tudo que ele não é após o AVC. No
entanto, o diretor deixa claro que aquele Bauby de antes ainda vive dentro do
atual, como se fosse uma borboleta presa dentro de um casulo.
Apesar da brilhante direção de Schnabel, o filme não seria
tão bom se o nível das atuações também não o fosse. E apesar de sutis como o
filme todo, elas são bem marcantes. A começar pelo protagonista interpretado
por Mathieu Almaric, que consegue se sair muito bem tanto como o antigo,
debochado e descolado Beauby, quanto como a sua nova versão vegetativa e
angustiada. O ator passa muito bem os diferentes estados de espírito do
protagonista.
O restante do elenco também está muito bem. Com destaque
para Emmanuelle Seigner como Celine, a ex mulher de Bauby e Marie-Josée Croze
como Henriette Roi a médica que ensina o sistema de letras e piscadas para o
protagonista. Ambas conseguem transmitir muito bem todo o carinho e a devoção
que tem por Beauby, sem deixar de lado a dor que o mesmo causa nelas. Celine,
se ressente por Beuaby a ter deixado por uma mulher mais jovem, mas não
consegue esquecer o ex marido e sofre tanto com o estado de saúde de seu antigo
cônjuge, tanto com a desilusão amorosa. Enquanto que Henriette faz do
tratamento de Bauby sua grande missão, mas fica triste quando o mesmo quebra a
sua expectativa de ajuda-lo não se dedicando devido a um inicial sentimento de
derrota.
O único ponto negativo do filme, se é que podemos chamar de
negativo é a lentidão do filme. Para um expectador que não é acostumado com
esse tipo de filme pode ser um pouco maçante assistir o Escafandro e a
Borboleta, principalmente na primeira meia hora em que é usada praticamente só
a câmera subjetiva. No entanto, a lentidão não chega a ser arrastada, é
proposital e ajuda a contar melhor a história do filme.
Concluindo, O Escafandro e Borboleta é um filme forte,
porém sutil, que abusa do experimentalismo por trás das câmeras para provocar
sentimentos nos expectadores. É sem dúvida um dos melhores filmes franceses da
década passada, tanto é que ganhou diversos prêmios. 2 Globos de Ouro, (melhor
filme estrangeiro e melhor direção), 2 Cannes (Direção e Grande Prêmio
Técnico), BAFTA (Melhor roteiro adaptado), além de 4 indicações ao Oscar, nas
categorias de Direção, Fotografia, Roteiro Adaptado e Edição. Portanto, se você
é fã de cinema europeu, sobre tudo o francês, ou só está afim de ver algo
inovador e de qualidade, O Escafandro e Borboleta é uma excelente pedida!