terça-feira, 16 de janeiro de 2018

A Primeira Noite de Um Homem (1967)


Antes de falar sobre o filme em si é preciso explicar um pouco o que foi o movimento cinematográfico conhecido como Nova Hollywood. Sendo A Primeira Noite de Um Homem um dos percursores deste, junto com Bonnie e Clyde, lançado no mesmo ano.
Pois bem, esse movimento surgido no final da década de 60 / começo de 70 foi encabeçado por uma série de jovens cineastas americanos recém-saídos das primeiras faculdades de cinema dos EUA, que tinham uma forte influência de filmes europeus, em especial do movimento francês da Nouvelle Vague. Esses jovens diretores autores, se opunham a Hollywood clássica dos anos 50, na qual predominavam os grandes estúdios e filmes com produções grandiosas e otimistas, como épicos e musicais escapistas. Além de se opor esteticamente, com um visual muito mais europeu do que americano, esses cineastas também começaram a abordar temas mais controversos, pessimistas e intimistas. Totalmente o oposto das super produções megalomaníacas e de certa forma impessoais da década passada.
É nesse contexto que o diretor Michael Nichols lançou no final da década de 60 A Primeira Noite de Um Homem. Um filme sobre o vazio existencial de um jovem de família rica americana. Some ainda o fato dos EUA terem recém-saído da guerra do Vietnam. Um trauma que até hoje não foi superado pelos americanos, e que naquela época criou uma espécie de onda pessimista no país. Tendo reflexo direto na sétima arte.
O filme conta a história de Benjamin Braddock, um jovem de família abastada que acabou de se formar na faculdade e é recebido com todas as honras na mansão dos pais que criam mil planos para o futuro brilhante do filho. Desde fazer mestrado, até se tornar sócio na empresa de um dos amigos. O problema é que apesar de ter tudo trabalhando ao seu favor, Ben não vê sentido na sua vida. Ele não tem objetivos e nem sonhos, seguiu até então apenas o que o pai e a mãe esperavam dele.
O filme todo se desenrola sobre esse dilema, o jovem angustiado procurando uma razão para seguir em frente. E é a partir do caso amoroso que ele tem com a sua vizinha mais velha, a Senhora Robinson, que Ben começa a tentar se tornar um homem. Desde a perda da virgindade, até a busca pelo autoconhecimento. Elaborando objetivos de vida, como se casar com a filha da amante, Elaine.
Podemos perceber então que o longa tem um roteiro muito profundo, reflexivo e filosófico, com uma excelente construção de personagem do protagonista. Ao mesmo tempo em que não deixa de ser divertido, com tiradas muito engraçadas e de humor inteligente. Dessa forma acaba sendo um dos raros casos de filmes que fazem o expectador pensar, sem deixar de entretê-lo.
Somada ao grande roteiro está a direção primorosa de Nichols, ganhador do Oscar de Melhor Diretor em 1968. Os enquadramentos são recheados de simbolismos, que dizem de forma sutil o que está acontecendo em cena. Com destaque para a famosa cena em que o protagonista diz a célebre fala: “Are you trying to seduce me Mrs Robinson?”. Nessa cena o protagonista é mostrado em segundo plano atrás da perna da Mrs Robinson de meia calça sensual em primeiro plano, simbolizando que ele está preso ao desejo que sente por ela. Há ainda uma infinidade de outros quadros e cenas interessantes, como a metáfora com o aquário e o traje de mergulho que simbolizam o vazio em que o personagem está “afundado”.
Outro fator que contribui bastante para o simbolismo sutil do filme, é a montagem. Que é bastante inventiva e ágil, contribuindo para que tanta reflexão não se torne cansativa e morosa. Um ótimo exemplo é a montagem da cena logo no começo do filme, quando a senhora Robinson leva o protagonista para o quarto dela e tenta seduzi-lo. Depois de muita insistência ela tira a roupa e encurrala Ben, que tenta não olhar, mas acaba olhando de relance algumas vezes para as partes intimas da senhora Robinson. Nessa cena os cortes são bem rápidos quando ele olha para ela, sendo colocados trechos quase imperceptíveis das partes do corpo dela que ele está olhando. Nesse momento o montador coloca o expectador no lugar do protagonista, simulando o ponto de vista dele através de uma montagem brilhante.
As atuações de Dustin Hoffman como Ben, Anne Bancroft como a senhora Robinson e Katharine Ross como Elaine são todas excelentes, transmitindo toda a angustia, e desespero das vidas vazias dos seus personagens. No entanto, grande parte do peso dramático do filme vem da brilhante trilha sonora, que traduz com maestria todos esses sentimentos.
A trilha sonora além de linda se encaixa muito bem com as cenas. Composta por Simon e Garfunkel, as canções do filme se tornaram grandes hits na época, com destaque para Sound of Silence e Mrs Robinson. Algumas canções são tocadas mais de uma vez, dando uma falsa primeira impressão de repetição e falta de repertorio. Porém, existe uma clara relação entre todas as cenas em que tocam a mesma música. Cada canção está ligada a um estado emocional específico, tendo relação direta com o sentimento que o personagem está sentindo naquele momento.
Como maior exemplo temos a canção The Sound of Silence, que é tocada sempre que o protagonista está afundado no seu vazio existencial, ou mergulhado no angustiante “Som do Silêncio” como diz na letra. Essa música é tocada nos três atos do filme, e pode ser entendida como o cerne da trama.
Na cena inicial ela é tocada enquanto o protagonista está voltando para casa depois de se formar na faculdade, sempre enquadrado de forma a parecer isolado, sufocado e perdido. No começo do segundo ato, depois de perceber que o seu relacionamento com a senhora Robinson é puramente casual e vazio, Ben começa a ficar à toa o dia inteiro tomando sol na piscina de casa durante o dia, enquanto que a noite se encontra com o seu affair. Numa dessas cenas em que ele é filmado tomando sol na piscina toca novamente a canção, mostrando que o seu caso com a senhora Robinson não conseguiu dar um sentido a sua vida, e o vazio continua. Por fim, na controversa cena final do filme, depois de invadir o casamento da amada Elaine e fugir com ela em um ônibus, ambos são filmados lado a lado sentados no ônibus, no entanto, sem se olharem diretamente e dando leves risinhos que denotam alegria mas também incerteza. E quando toca novamente Sound of Silence temos a confirmação que apesar do protagonista ter alcançado o seu objetivo ele não está plenamente realizado. Não sabe mais o que fazer a partir de então, voltou ao seu estado de incerteza quanto ao que quer para o futuro.
Concluindo, A Primeira Noite de Um Homem é um filme espetacular. Tanto em termos estéticos, quanto de conteúdo. Tem uma mensagem muito forte, e que apesar dos anos não ficou datada, pelo contrário, temas como existencialismo, sentido da vida e depressão ainda são e sempre serão atuais. E apesar de serem temas difíceis, Nichols trata os com maestria, através de um roteiro profundo, direção e montagem inventivas, e uma trilha sonora memorável. Criando dessa forma uma obra icônica e essencial.

NOTA: 9,84





quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

MINDHUNTER




Por si só, apenas o fato de ter como produtor e diretor David Fincher já é motivo suficiente para atrair os holofotes para Mindhunter. Mas a série não é apenas mais uma obra do diretor de Clube da Luta e Seven, é definitivamente um dos seus melhores trabalhos. O cineasta brinda novamente o público da Netflix com mais uma produção original do mesmo calibre da sua série anterior no serviço de streaming, House of Cards.

Mas por que a série é tão boa assim? o que a torna uma obra de destaque em meio a uma cinebiografia tão rica quanto a do diretor? Primeiramente, porque a premissa do seriado é extremamente interessante. A história gira em torno de Holden Ford (Jonathan Groff) e Bill Tench (Holt MacCallany), dois agentes do FBI que decidem entrevistar vários serial killers em penitenciárias de segurança máxima ao redor dos EUA para tentar entender melhor porque eles fazem o que fazem, traçando um perfil psicológico dos mesmos, e assim podendo prevenir futuros crimes e desvendar os que estão em curso.

Some ainda o fato que os acontecimentos mostrados em Mindhunter são baseados em fatos. A série muda o nome dos personagens reais, mas a história é uma adaptação do livro “Mind Hunter: Inside the FBI´s Elite Serial Crime Unit” escrito pelos próprios agentes que inspiraram os protagonistas do seriado. Esses agentes reais do FBI praticamente criaram a psicologia forense de hoje em dia, sendo pioneiros na criação de perfis psicológicos de criminosos para auxiliar a resolução de casos enigmáticos para a polícia comum.

Além da premissa interessante o do fato de ser uma história real, a qualidade técnica da produção da Netflix é incrível. Há um bom tempo que as séries de tv, ou streaming no caso, utilizam bastante da linguagem cinematográfica, e contam com produções milionárias. Foi se o tempo que os seriados tinham uma qualidade muito inferior ao cinema. No entanto, falando em termos técnicos como direção e fotografia, o que é mostrado em Mindhunter é realmente impressionante, não existe diferença alguma entre os grandes filmes do Fincher e Mindhunter.

Devido ao diretor também ser produtor da série ao lado da atriz Charlize Teron, por questões de tempo não foi possível que Fincher dirigisse todos os episódios dessa primeira temporada. Porém, ele dirige boa parte, 4 episódios de um total de 10 dessa temporada. Os 2 primeiros e os 2 últimos, os mais importantes e cruciais para o sucesso de um seriado. E mesmo nos episódios que não são dirigidos por ele, é possível verificar a assinatura visual do cineasta. Esse é um dos pontos altos da série, os enquadramentos simétricos e a fotografia escura característica do diretor estão presentes na série. Para quem é acostumado com a estética dos filmes de Fincher, vai identificar vários pontos semelhantes com obras como A Rede Social, Seven e Garota Exemplar por exemplo.

Outro ponto de destaque são as atuações que são impressionantes. Apesar de todo o elenco estar muito bem, a que se exaltar duas interpretações em particular. A de Jonathan Groff como o agente Holden Ford e Cameron Britton como o serial killer Edmund Kemper. O investigador do FBI passa por uma grande alteração de personalidade ao longo da série. Começando bem inseguro e receoso nas entrevistas com assassinos e depois vai se transformando ao longo dos episódios, se tornando cada vez mais seguro, arrogante e até mesmo flertando com uma certa identificação e admiração a esses criminosos. O trabalho de transformação na interpretação de Groff é gradual e muito bem dosado para o público não estranhar uma mudança muito repentina. Enquanto que Britton tem uma atuação bem impactante devido a frieza que transmite para o seu personagem, que descreve assassinatos, mutilações e estupros que praticou no passado como se fossem uma simples ida na padaria. No entanto, o ator consegue ao mesmo tempo passar uma certa simpatia para o serial killer, conferindo uma aura de mistério sobre a personalidade do serial killer, ao mesmo tempo em que faz com que o público se compadeça com um assassino tão cruel.

Há apenas um fator que pode desagradar uma parte do público. Apesar de ser uma série que fala sobre serial killers, não é mostrado nenhum assassinato. Com exceção de uma cena de suicídio logo no primeiro episódio, não é mostrada nenhuma violência gráfica, apenas psicológica. Isso pode pesar negativamente para quem está esperando uma série policial clássica, com perseguições, tiros, e assassinatos. No entanto, como o próprio título do seriado diz, os agentes Holden e Tench são Mind Hunters, o embate está no campo da mente e não no físico. Portanto, essa uma série que preza bastante pelos diálogos e pela linguagem cinematográfica para fazer a história andar.

Por fim, as expectativas para a segunda temporada (já renovada pela Netflix) são as melhores possíveis. A série deixa muitos ganchos para a próxima temporada que deixaram o público bastante instigado. Tem um acontecimento com um dos protagonistas no último episódio que gera muita curiosidade para saber como as coisas vão seguir na próxima temporada, e principalmente como esse personagem vai lidar com essa situação daqui para frente. Há também um personagem misterioso no qual é revelada pouquíssima coisa, mas tudo indica que ele desempenhará um papel importante na segunda temporada. Fica a torcida para que essas expectativas sejam atendidas, se assim for Mindhunter tem tudo para se consolidar como uma das melhores séries da atualidade.



NOTA: 9,1