Primeira série brasileira da Netflix, 3% se passa em um
futuro distópico onde a população é dividida entre o povo que mora no
continente (na pobreza absoluta) e a elite que mora no Maralto (na riqueza, com
abundância de recursos). Quando completam 20 anos todos os moradores do
continente têm direito a prestar uma prova de admissão para morar no Maralto,
exame conhecido como “O Processo”. Neste processo seletivo os participantes são
avaliados nos mais diversos quesitos, como inteligência, força física e
liderança. No entanto, a prova só admite 3 % do total dos participantes, e quem não passa na prova não pode voltar a participar nunca mais, ficando condenado a
pobreza.
É com essa trama que a série dirigida por Pedro Aguilera é
apresentada ao público. À primeira vista a série parece cair no clichê que se
tornou o gênero de distopias adolescentes como Jogos Vorazes, Divergente e Maze
Runer. Em parte 3% é sim muito parecida com essas produções norte americanas,
no entanto, não deixa de lado a crítica social de pano de fundo ao
entretenimento, assim as primeiras distopias da literatura e do cinema como
1984, Admirável Mundo Novo e Metrópoles. É claro que 3% não chega aos pés
desses clássicos, no entanto, bebe muito da fonte deles no que tange a temática
da luta de classes e do governo totalitário.
A principal crítica de 3% é uma clara alusão ao processo do
vestibular, e o seu sistema “meritocrático”.
A série questiona até que ponto essa meritocracia é de fato verdadeira,
se realmente é levado em conta apenas o mérito puro e simples nesses tipos de
processos seletivos. No seriado, os avaliadores do Processo permitem que alguns
candidatos trapaceiem e que usem de jogo sujo em algumas provas, mostrando que
não é apenas o mérito que está em jogo nessa avaliação. Assim como o vestibular
que se vende como um processo meritocrático, mas que não considera as
diferenças entre estudantes de escola pública e particular.
O ponto forte da
série é que ela é muito instigante, cada episódio deixa ganchos que fazem com que o telespectador queira
maratonar 3%. A trama é muito boa, e consegue cumprir muito bem o papel que um
bom roteiro de seriado deve ter, despertar a curiosidade da audiência para
saber logo o que acontece no episódio seguinte e fazer com que o expectador
assista a vários capítulos em sequência, mantendo o interesse na série. No
entanto, apesar do roteiro da história em si ser muito bem construído e
instigante, alguns diálogos da série deixam muito a desejar, abusando de
explicações desnecessárias e tornando algumas falas um tanto quanto toscas.
Os grandes pontos negativos da série com certeza são o
elenco de apoio e os diálogos. Ao contrário do elenco principal que conta com
atores muito bons como Bianca Comparato (A Menina sem Qualidades) e João Miguel
(Estômago), o elenco de apoio é composto por atores que beiram o amadorismo, em
parte pela falta de expressão e em parte principalmente pela baixa qualidade
dos diálogos. Os diálogos são muitas vezes excessivamente explicativos, ao
invés de mostrar com ações o que os personagens estão sentindo, os roteiristas
tentam explica-las através dos diálogos. Por exemplo: O personagem diz em voz
alta que está muito triste com determinada situação, ao invés de apenas ser
mostrada a sua expressão de tristeza. Nesse ponto, alguns dos diálogos da série
lembram muito os diálogos de novelas, altamente explicativos para garantir que
o telespectador entenda o que está acontecendo.
Sobre as atuações do elenco principal, estas são muito
boas, especialmente as de Bianca Comparato no papel de Michele e de João Miguel
no papel de Ezequiel. Bianca trabalhou em diversas novelas da Globo, mas apesar
disso tem um estilo de atuação bem cinematográfica, trabalhando muito bem com
as expressões, sobretudo as expressões mais contidas. Enquanto que João Miguel,
que já tem uma carreira maior no cinema, dá um verdadeiro show como avaliador
do Processo, com uma interpretação que possui várias camadas, o ator vai da
frieza ao desespero, mostrando bem toda a complexidade desse que de fato é
personagem mais interessante da série.
Por fim, apesar de algumas falhas, 3% é um vento novo muito
bem-vinda a produção do audiovisual brasileiro. Num país conhecido pela
qualidade dos seus filmes mais cults, mas que ainda peca no cinema mais
comercial, a série representa algo novo e de qualidade (caso contrário a
Netflix não teria acreditado no projeto). Primeiro porque 3% é uma série
nacional, tipo de produção bem escassa no Brasil, realidade que finalmente está
mudando devido a lei de incentivo as produções de audiovisual brasileiro que
renderam outras belas produções como Magnífica 70 e O Negócio. Segundo porque
trata de um gênero pouquíssimo abordado nas produções tupiniquins, Ficção Científica
e Distopia.
Concluindo, 3% é indicado tanto para os fãs de distopias
adolescentes, quanto para os fãs das distopias mais hardcore, como 1984 e
Admiravél Mundo Novo. Em maior grau aos fãs das distopias adolescentes, mas há
na série elementos que também cativarão fãs menos radicais das distopias
antigas. É uma série muito fácil de maratonar para os expectadores que tem essa
prática, principalmente devido a sua narrativa rápida e instigante. Por fim,
para quem quer ver uma produção brasileira de qualidade e diferente do
habitual, 3% é uma excelente pedida!
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