sábado, 7 de janeiro de 2017

ANIMAIS NOTURNOS


Um conto perturbador e visceral sobre vingança. Com toques apimentados de thriller psicológico e simbolismos sutis, porém marcantes. Essa seria uma boa definição em poucas palavras para o novo filme do estilista americano Tom Ford.

Animais Noturnos se inicia quando Susan Morrow (Amy Adams), uma renomada curadora de arte, recebe do seu ex-marido Edward Sheffield (Jake Gyllenhaal) um livro que ele escreveu dedicado a ela. No entanto, o livro está longe de ser uma homenagem para a ex-esposa, muito pelo contrário, no romance Edward embute uma série de referências negativas ao relacionamento dos dois e a personalidade cruel da amada. Na história escrita por Edward, uma família composta de um casal e uma filha decide fazer uma road trip para o Texas, no entanto, uma série de eventos trágicos e perturbadores acontecem durante a viagem. O personagem do marido é claramente inspirado em Edward, assim como a esposa é claramente inspirada em Susan e a filha inspirada na filha de Susan na vida real.
Susan rapidamente percebe todas as referências da história e se identifica, ao mesmo tempo em que fica seriamente perturbada pelos acontecimentos chocantes e tão reais do livro. Essa é basicamente a premissa principal do filme, que se desenvolve todo em Susan lendo o livro ao mesmo tempo em que somos transportados diretamente para a imaginação da personagem que dá vida a história.

Vale ressaltar novamente que o diretor, Tom Ford, trabalhava como estilista, tendo atuado em empresas de renome do mundo da moda, como a italiana Gucci. E naturalmente a sua preocupação estética trazida dos tempos de estilista é muita bem utilizada no filme. Os enquadramentos são muito bonitos e bem realizados, quase como se fossem um retrato de moda. Assim como o uso da paleta de cores que também é muito interessante, enquanto as cenas do mundo real são carregadas de cores fortes e vibrantes, a cenas do livro são cheias de tons marrons e beges, dando um ar sujo e visceral ao romance escrito pelo ex-marido.


No entanto, o grande mérito da direção é sem dúvida o uso de simbolismos muito bem colocados. Logo na cena inicial vemos uma série de modelos gordas nuas dançando de forma sensualizada. Só a cena em si já é impactante, acrescente também todo o simbolismo inteligente que ela traz e a mesma fica ainda mais grandiosa.  Essa cena faz parte da sequência inicial que mostra uma exposição de arte em que Susan é curadora, que tem como tema esculturas de mulheres gordas e nuas com fantasias de fetiches masculinos (animadora de torcida, dançarina e etc). Em suma, essa cena mostra como a personagem principal é vista pelo ex-marido como uma mulher cínica, que assim como não tem pudor de mostrar mulheres gordas como obra de arte, invertendo o padrão de beleza, também abusa do cinismo na vida real, em especial no relacionamento entre os dois. Essa cena serve de alicerce para todo o desenvolvimento da história e da personagem.

Outro simbolismo muito interessante acontece com a ajuda da montagem do filme, que mostra elementos em comum que conectam um personagem de uma cena, com outro personagem da cena seguinte. Como por exemplo em uma cena em que o marido da história do livro está tomando chuva em momento desesperador da trama, e em seguida há um corte para uma cena em que Susan está com a mesma expressão de desespero só que agora tomando banho, com a água do chuveiro caindo como se a fosse a chuva da cena anterior.   A direção e a montagem usam desse recurso para dar a ideia de que a história contada no livro e a história real são uma só. Susan está literalmente mergulhada na história, quase que a vivendo de fato.


O curioso é que apesar de se identificar tanto com a trama do livro, Susan não se imagina ela mesma no papel que de fato é dela, diferente de como ela enxerga os personagens do ex marido e da filha, iguais aos da realidade. Quando são mostradas as cenas do livro, a personagem da esposa não é vivida por Amy Adams, e sim por Isla Fischer, sendo que as atrizes são muito parecidas fisicamente, e isso não é de forma alguma acidental.Susan imagina o seu personagem como uma mulher extremamente semelhante a ela, é como se o subconsciente dela não permitisse que ela se imaginasse 100% igual a sua aparência na história, tamanho o choque e o nível de perturbação e identificação que a história causou nela.


Quanto as atuações, todos os protagonistas estão muito bem em seus papeis. O curioso é que apesar de ser a protagonista do filme, Amy Adams não brilha tanto, muito por conta da trama do longa se focar na história do livro, em que ela não aparece. Apesar disso ela cumpre muito bem o seu papel e não deixa nada a desejar.

O grande destaque fica por conta do também excelente Jake Gyllenhaal, que mostra todo o desespero e as fraquezas do Edward, o ator transmite muito bem essas emoções e constrói de forma muito convincente o seu personagem. Outros 2 membros do elenco que merecem grande destaque são Michael Shannon (Boardwalk Empire) no papel do hilário e durão policial Bobby Andes, e o irreconhecível Aaron Johnson (Kick Ass), no papel do “vilão” do filme, o criminoso Ray Marcus. Enquanto que Shannon é um alívio cômico muito bem-vindo a um filme tão pesado como esse, Johnson está particularmente tenebroso e contribui em grande parte para o ar tenso do filme.


Concluindo, Animais Noturnos é um filme forte, pesado, que prende o expectador na cadeira. Mas também é um filme com um componente artístico muito presente, seja pelas belas imagens, seja pelos simbolismos e metáforas visuais. Em suma, é filme destinado aos amantes de um bom suspense e que não abrem mão de uma pitada artística caprichada. Enfim, é um filme para os amantes do bom cinema!

 Animais Noturnos


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