quarta-feira, 29 de novembro de 2017

GrilloCast 2 - Stranger Things 2

Destrinchamos a 2° temporada de Stranger Things. Com direito a nota para os principais elementos cinematográficos da série; como direção, roteiro, atuações, fotografia, trilha sonora, entre outras.

Confira abaixo:


domingo, 26 de novembro de 2017

Faça a Coisa Certa (1989)






Dirigido por Spike Lee, Faça a Coisa Certa foi um verdadeiro para marco para o cinema negro nos EUA. O filme foi um grande sucesso de crítica e público e se tornou um divisor de águas em Hollyood, a partir daí a porta foi aberta para cineastas negros e produções com um elenco majoritariamente afrodescendente. Provavelmente não existiriam os cultuados Moonlight e Corra! Se não tivesse sido filmado lá em 1989, o importante longa de Lee. Mas afinal de contas porque Faça a Coisa Certa é tão importante e marcante na história do cinema?

Primeiramente porque o roteiro é muito sagaz. Consegue mostrar de uma forma inteligente e divertida a questão do conflito racial nos EUA. Divertida porque os diálogos são ágeis dinâmicos e muitas vezes hilários, inteligente porque aborda esse tema tão complicado de forma não maniqueísta, e faz o expectador realmente refletir sobre o tema.

Pode se dizer que cada personagem representa um ideal na forma como se enfrenta ou pratica o racismo. Logo de cara fica claro a alusão as ideias de Martin Luther King e Malcom X, e suas visões distintas de se combater o preconceito e as desigualdades raciais. Os ideiais combativos de Malcom X de se fazer justiça racial e se defender através da violência são personificados pelos personagens Radio Raheem e Buggin´out, dois jovens revoltados e cheios de ódio. Enquanto que a linha de pensamento pacifista de Luther King é personificada através do personagem Prefeito, um homem de idade maltrapilho, que é alvo de piadas dos moradores do bairro.

Por outro lado, existe um meio termo entre os dois, e esse é o protagonista da trama, Mookie, o entregador da pizzaria do bairro, vivido pelo próprio Spyke Lee. O personagem parece estar alheio aos conflitos raciais, não toma partido sobre as questões levantadas por Buggin´out e Radio Raheen porque precisa do emprego. Prefere estar isento nessa questão para não desagradar nenhum dos lados, nem os seus patrões brancos e muito menos os seus amigos negros.

Do ponto de vista de quem pratica o preconceito, o filme não se omite em denunciar todos os tipos de racismo, desde o mais comum dos brancos em relação aos negros, mas também o dos próprios negros em relação aos latinos e asiáticos. Enquanto que o personagem Pino, ítalo-americano filho do dono da pizzaria é a representação do preconceito descarado e declarado, o pai do mesmo, Sal, representa o racismo velado, diz que gosta dos negros, mas na verdade só o interessa o lucro que os mesmos trazem ao seu comércio, mostrando inclusive o seu lado racista quando confrontado por Radio Raheem.

Por outro lado, os negros do filme também são preconceituosos com os latinos recém-chegados ao bairro de Broklyn. Como por exemplo o personagem Mookie que tem um filho com uma porto-riquenha, mas se mostra claramente irritado com o fato do seu filho ter um nome hispânico, Hector, e da sua sogra só falar com ele em espanhol. Já o preconceito com os asiáticos é mostrado com a família de chineses que tem um mercadinho no bairro, e sofre com a xenofobia de parte dos moradores negros que se irritam com a prosperidade dos imigrantes.

Há também uma crítica forte ao tratamento que os negros recebem da polícia, que não tem pudores de usar a violência desmedida para conter conflitos que começam pequenos, mas que se tornam enormes devido a brutalidade das medidas utilizadas pelos policiais para resolve-los.

A que se destacar também as metáforas e simbolismos utilizados no filme. Além dos personagens que personificam certos ideais citados acima, existem também outras alegorias envolvendo o clima e até uma estação de rádio que narra o dia a dia dos moradores. O clima cada vez mais quente das ruas do bairro, beirando os 40° graus, representa a tensão desde cedo instalada na história que vai crescendo gradualmente até literalmente explodir no ato final, os pequenos conflitos são um barril de pólvora prestes a estourar, só aguardando o estopim. Enquanto que o personagem de Samuel L. Jackson, o radialista da estação Love (a rádio não tem esse nome a toa), pode ser entendido como uma espécie de entidade onipresente que alegra a vida das pessoas com suas músicas e também está a par de tudo que acontece sem nunca se envolver com os personagens. É portanto uma metáfora de um deus do bairro do Broklyn, que se compadece com os dramas dos moradores, prega uma mensagem de tolerância e amor, mas não chega a tomar nenhuma atitude propriamente dita.

Falando agora sobre a direção, Spyke Lee dá uma verdadeira aula de como evocar sensações e sentimentos na audiência ao mesmo tempo em que passa a sua mensagem. Através de close-ups claustrofóbicos nos rostos dos personagens suados pelo calor extenuante e cheios de raiva consegue colocar o expectador naquela zona de desconforto e ebulição pelo qual passam os personagens. Além disso, ele utiliza outros recursos para causar desconforto, como filmar em um ângulo meio inclinado, que acaba gerando uma
sensação de estranhamento. Sem falar na sua inventividade e arrojo para enquadrar os personagens e fazer movimentos de câmera orgânicos e ágeis, utilizando muitas vezes a câmera na mão.

Aliado a direção está a fotografia, que consegue também transmitir todo esse calor e tensão presentes na película. Abusando de uma palheta de cores regada a tons fortes e coloridos.

Outro fator que contribuem para dar o tom do filme é a trilha sonora a base de hip-hop e que sempre entra em momentos oportunos na história, com destaque para a canção Fight the Power do Public Enemy, tocada sempre nos momentos em que algum conflito estava para acontecer.

Falando das atuações, Faça a Coisa Certa conta com um elenco estrelar, sendo que muitos atores viriam a brilhar tempos depois em outras produções. O longa conta o próprio Spyke Lee no papel do protagonista Mookie, que tem  uma atuação muito segura e verdadeira. Além de nomes conhecidos como Danny Aiello (Poderoso Chefão) e John Turturro (O Grande Lebowisk) nos papeis do pai e filho que trabalham na pizzaria. O irreconhecível Gian Carlo Esposito, ele mesmo, o Gus Fring de Breaking Bad, no papel de Buggin´out. Martin Lawrence (Vovozona), ainda em começo de carreira e com um papel bem pequeno, além do grande Samuel L. Jackson como o radialista.

O filme conta com muitos personagens, por isso não é possível descrever todas as atuações com detalhes, mas todos os personagens servem para desenvolver a narrativa e contam com atuações muito competentes.

Por fim, Faça a Coisa Certa é um filme essencial para quem deseja entender e refletir melhor sobre o tema dos conflitos raciais. O longa não toma um partido claro sobre de que forma esse problema deve ser enfrentado, apresenta os ideias de Luther King e Malcom X e os seus prós e contras, e deixa a cargo do público refletir sobre o que é mostrado em tela. Apesar do foco no tema social, o filme não deixa de lado o entretenimento do expectador, apresentando personagens interessantes e divertidos, e abusando da linguagem cinematográfica e de qualidade para criar uma grande obra de arte moderna.





NOTA: 9,58


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Borg vs Mcenroe       


    



Filmes que contam a história de um grande esportista sempre chamam a atenção do público. Descobrir o caminho que levou uma grande estrela ao status de campeão é muito interessante. No entanto, esse tipo de história pode se tornar ainda mais interessante quando se fala de dois grandes esportistas, e em especial de uma grande rivalidade. E é por esse caminho que o diretor Janus Metz Pedersen nos leva em Borg vs Mcenroe. Um filme sobre o embate de duas grandes lendas do tênis, dois tenistas completamente distintos, seja na personalidade seja no estilo de jogo. Enquanto que o sueco Borg é um sujeito frio e que prefere jogar no fundo da quadra, o americano Mcenroe é totalmente descontrolado emocionalmente e prefere jogar perto da rede.

No entanto, o que o grande público não sabia é que apesar de aparentarem ser extremamente opostos, eles tinham muito em comum um com o outro. Borg escondia um lado destemperado e briguento, e Mcenroe uma faceta mais tímida e insegura. O interessante do longa é ver como cada jogador tenta reprimir as suas fraquezas para melhorar o seu jogo dentro de quadra.

O roteiro é bom, consegue desenvolver os dois protagonistas e mostrar as características que ambos têm em comum mas que quase ninguém conhecia, através de flashbacks muito bem inseridos, e momentos íntimos fora das quadras que conseguem mostrar a essência de cada tenista. Mas muito do êxito do filme reside nas belas atuações de Shia Lebouf como John Mcenroe e Sverrir Gudnason como Bjorn Borg.  Ambos conseguem passar muito bem as características marcantes dos seus personagens, a frieza de Borg e o descontrole emocional de Mcenroe. Mas mesmo quando aparecem do jeito que o grande público os conhecia, os atores conseguem colocar pitadas dos lados secretos de seus personagens. Mesmo quando Borg aparenta ser uma pessoa fria, Gudnason imprimi certo grau de raiva e descontrole nas feições e na fala do personagem. E o mesmo vale para Lebouf que transmite muito bem todo o ar de insegurança e medo de Mcenroe encoberto pela sua fúria nas quadras.

O longa foca essencialmente nos protagonistas, não dando praticamente nenhuma chance para o elenco de apoio brilhar. Os que mais aparecem são Stellan Skarsgard (Ninfomaniaca) no papel do treinador de Borg e Tuta Novotny como namorada do tenista sueco. Ambos cumprem muito bem o que o roteiro lhes pede, ser um suporte para Borg. Apesar de nenhum deles ter um arco próprio, ambos os atores passam muito bem todo o drama que era estar ao lado de Borg naquele momento de tensão e pressão. Skarsgard transmite muito bem o carinho e o caráter paternal e por vezes duro da figura do treinador, enquanto que Novotny transparece a dor da namorada que sofre por não conseguir ajudar o tenista a ficar menos tenso.

Quanto a direção, a mesma não chega a brilhar, porém é muito competente para fazer algo que poucos filmes de esporte conseguem, filmar com realismo cenas da ação de uma partida. As cenas de tênis são muito bem orquestradas, com um bom repertório de planos e movimentos de câmera, que não são nenhum pouco repetitivos, muito pelo contrário, são bem inventivos e conseguem colocar o expectador dentro da quadra.

Sobre os outros aspectos técnicos, a fotografia é muito bem trabalhada com cores e iluminação que evocam a época que os fatos contados no filme se passaram. E a trilha
sonora é bem discreta, porém é bem executada, em especial na cena da partida entre Borg e Mcenroe, que contribui bem para aumentar a tensão do jogo e dar status de épica a grande final.



O único ponto parcialmente negativo do filme é a montagem, que é muito apressada no começo. Pulando alguns passos da história de forma abrupta e acelerada, e causando um certo desconforto inicial. No entanto, a montagem e edição vão ficando mais precisos no decorrer do longa, fazendo o público conhecer os personagens pouco a pouco e entendendo tudo que está em jogo na grande partida entre eles. Culminando com um ato final muito empolgante e envolvente, que é sem dúvidas o ponto alto do filme. Muito por conta da montagem ágil aliada a grande direção das cenas de jogo.

Concluindo, Borg vs Mcenroe é um filme que com certeza irá agradar aos fãs de esportes, principalmente aos admiradores do tênis. Possui cenas de jogo muito bem filmadas e montadas que empolgam e fazem o expectador literalmente entrar em quadra. Mas o longa não fica só na superfície da disputa esportiva, pelo contrário aborda muito bem temas como competitividade, mundo da fama, e a necessidade de se transformar em algo que você não é na sua essência para alcançar o sucesso e manter as aparências. Esse na verdade é o cerne da história que tem o tênis como pano de fundo. Por esse motivo o filme também agradará quem não se interessa tanto pelo esporte, mas que se interessa sobre esses temas mais profundos.



NOTA: 8,35


domingo, 12 de novembro de 2017

O Expresso da Meia Noite (1978)





Na história do cinema existem diversos filmes sobre a vida dentro de uma cadeia. Alguns exaltam o drama e a violência pelo qual passam os prisioneiros, outros focam em fugas sensacionais. O difícil é encontrar algum que junte essas 2 abordagens e as transforme em uma história original, perturbadora e instigadora. Esse é o caso de Expresso da Meia Noite, de 1978,que possui um drama do mesmo nível de Em Nome do Pai, e uma fuga tão espetacular quanto um Sonho de Liberdade ou a Fugindo do Inferno.

Com direção de Alan Parker e estrelado por Brad Davis, que vive Billy Hayes, um jovem americano que é preso na Turquia após tentar embarcar em um avião com 2 kg de haxixe. Inicialmente condenado a 4 anos, Billy tem a sua pena alterada para 30 anos devido uma represália do governo turco, que decide usar Billy como exemplo de combate as drogas em resposta a política antidroga internacional do presidente dos EUA Ronald Reagan.

Se ir para a cadeia já é uma tragédia, ser preso em um país estrangeiro com uma cultura totalmente diferente da sua é pior ainda. Esse é o fio condutor da trama, como um americano condenado a passar o resto da sua existência em uma terra distante e distinta da sua reage a essa dura realidade? Hayes sofre nas mãos dos guardas violentos, do carcereiro sádico e principalmente da falta de esperança e de um sentido para continuar a viver.

O filme se torna ainda mais impactante quando descobrimos que se trata de uma história real, que apesar de algumas adaptações em relação ao que aconteceu de verdade não deixa de ser triste, angustiante e perturbadora. Mas não adiantaria nada apenas a história ser impactante, se os outros elementos cinematográficos não o fossem. Além do roteiro, a direção, a fotografia, a trilha sonora e as atuações são excelentes.

Aliás, cinematograficamente falando o filme é impressionante, a começar pela direção de Parker. O cineasta sabe usar muito bem o jogo de mostra e esconde. Mantendo a tensão das cenas até o máximo de tempo possível. Suspendendo com maestria o clímax, e criando uma angustia e desconforto essenciais para deixar o expectador sem respirar, e faze-lo entrar no clima do filme.

Muito do impacto do longa vem do desconforto com o que é mostrado em tela. Ao manter a tensão suspensa por mais tempo o diretor causa uma sensação perturbadora no público, que sofre mesmo já sabendo que algo de muito ruim irá acontecer. Mas o segredo está em justamente prolongar essa angustia. 

Outro fator que contribuí para esse clima perturbador e desconfortável do longa é a fotografia. Predominantemente com um aspecto sujo, recheado de tons escuros e arenosos, o filme é fotografado de forma a colocar o expectador naquele mundo desesperador e fétido.

Apesar da excelente direção e fotografia, é outro aspecto técnico que rouba a cena no filme, a trilha sonora. Marcante e angustiante, a trilha é regada a distorções eletrônicas que foram revolucionárias para a época. Mesmo após tanto tempo a trilha não perdeu nem um pouco o seu impacto na experiência de quem assiste a obra. Apesar de atualmente ser algo comum um filme com uma trilha eletrônica, dificilmente ouvimos algo tão poderoso quanto ouvimos em Expresso da Meia Noite. A qualidade e inovação do trabalho do compositor Giorgio Moroder foram reconhecidas pela academia, que concedeu ao longa a estatueta de Melhor Trilha Sonora.

Se a trilha é o melhor elemento técnico do filme, a atuação de Brad Davis é sem dúvidas o elemento humano decisivo para tornar o Expresso da Meia Noite uma obra prima da sétima arte. O ator vive um jovem que começa frágil e ingênuo, mas aos poucos vai endurecendo, amadurecendo e enlouquecendo. Todas essas facetas do personagem são transmitidas com extrema veracidade. Com destaque para a cena em que o personagem tem um ataque de fúria contra o carcereiro da prisão, uma das mais fortes de todo o filme, se não a mais. Muito por conta da atuação alucinante e frenética de Davis, somada com uma direção e movimentos de câmeras igualmente alucinantes e frenéticos.

O restante do elenco também está muito bem, com destaque para John Hurt no papel de Max. Um homem já degradado pelos anos na prisão, que o tornaram louco, mas ainda assim não deixando de ser amigável e polido como um verdadeiro inglês. Ele é um dos amigos de Billy na cadeia e tem papel significativo no arco dramático do protagonista. É sem dúvidas um dos personagens mais cativantes do longa, muito por conta da grande atuação e do carisma do ator.

Jimmy e Erich, os outros amigos de Billy na prisão também cumprem muito bem o seus papeis de desenvolverem o protagonista, mas não tem muito desenvolvimento eles mesmos. Por fim, outro destaque fica com Paul L. Smith, no papel do policial chefe da prisão o principal antagonista da história, e que apesar de falar pouco, quase nada e ainda por cima em turco, consegue impor medo apenas com a sua expressão soturna e macabra.

Falando ainda sobre os personagens turcos do filme, esse é o único ponto negativo de o Expresso da Meia Noite. Todos são retratados de forma extremamente estereotipada. Mostrados no filme como verdadeiros “porcos”, como o próprio protagonista diz na cena do julgamento. Nenhum turco é mostrado de forma positiva no filme, ou são violentos e selvagens, ou então são malandros e corruptos. Fica claro que o ponto de vista do filme é totalmente parcial e preconceituoso. Por motivos dramáticos de criar antagonistas fortes era natural que os turcos fossem tratados no geral como vilões, porém o filme os trata de maneira totalmente unidimensional, não realista e absolutamente maniqueísta.
Esse aspecto do roteiro, foi criticada pelo próprio Billy Hayes da vida real, que disse em algumas entrevistas que apesar de tudo que passou gosta do povo turco, não os julga como um “país de porcos”, como mostrado no filme. Sentiu raiva dos que o fizeram mal sim, mas não generaliza esse ponto de vista negativo aos turcos como um todo.

Apesar dessa retratação preconceituosa dos turcos o filme não deixa de ser uma obra prima, a qualidade da direção, atuações, fotografia e trilha sonora são impressionantes. Porém, se mostrasse os nativos do país de uma forma menos unidimensional, com certeza o filme seria melhor ainda, mais rico narrativamente e bem mais profundo e complexo.

No final das contas Expresso da Meia Noite é uma obra que não deixa absolutamente ninguém indiferente. É impossível não sofrer junto com o drama do protagonista, e quase sentir a mesma angustia e desespero que ele. Por tudo isso, o filme deve ser visto e revisto por qualquer cinéfilo que se preze.





NOTA: 9,32










Como Nossos Pais


Laís Bodanzky mostra mais uma vez que sabe muito bem trabalhar a temática de dramas familiares e a relação entre pais e filhos/conflito de gerações, assim como fez nos aclamados Bicho de Sete Cabeças e As Melhores Coisas do Mundo. Apesar de no filme estrelado por Rodrigo Santoro a principal crítica ser sobre a política de tratamento aos usuários de droga no Brasil, há também um conflito de gerações, no caso entre pai e filho. Devido a ignorância sobre o assunto, o pai do protagonista acredita que o filho precisa ser internado em uma clínica para dependentes químicos apenas por ser usuário de maconha. Em As Melhores Coisas da Vida também se observa o tema do conflito entre pais e filhos. Enquanto os filhos não compreendem a mudança de orientação sexual do pai, o próprio demora a compreender os dramas da adolescência pelo qual passam a sua prole.
Percebe-se então um histórico e uma predileção da diretora em abordar essa temática de conflitos familiares. Em Como nos Pais, essa temática está ainda mais acentuada, esse é o cerne do novo filme da cineasta. A trama gira em torno de Rosa (Maria Ribeiro), uma dona de casa frustrada com o emprego medíocre e que enfrenta problemas com o marido ausente e com a mãe dura e distante. É a partir desse argumento que a história se desenvolve, e vamos pouco a pouco conhecendo melhor a protagonista e a acompanhando em sua jornada de autodescobrimento.
Apesar de ser muito simples, o roteiro é profundo, em certos momentos existencialista e com diálogos bem naturais e que aumentam o realismo da trama. As conversas entre os personagens são muito bem escritas, parece mesmo que estamos ouvindo um casal discutindo, uma mãe dando bronca nos filhos ou até mesmo uma simples conversa cotidiana. Esse é sem dúvida o grande trunfo do texto do roteirista Ricardo Bolognesi, que é um sopro de autenticidade em meio a tantos diálogos artificiais e novelescos que constantemente vemos no cinema nacional.
Quanto a direção, Laís Bodanzky se destaca pela sutileza e naturalidade com que filma as cenas do longa. Desde os planos que enquadram vários personagens na mesma cena, dando foco sempre na protagonista e desfocando os demais, até metáforas visuais muito inteligentes que ilustram os sentimentos de Rosa. Tudo gira em torno da protagonista, é pelo seu ponto de vista que enxergamos a história. E esse ponto de vista é transmitido muito bem através da sutil e subjetiva direção de Bodanzky.
A direção e o roteiro nada adiantariam se as atuações também não fossem de alto nível. E nesse quesito o destaque fica sem dúvida fica com as duas principais personagens femininas, Rosa interpretada por Maria Ribeiro e a sua mãe Clarice, vivida por Clarisse Abujamra. A primeira dá um show de desenvolvimento de personagem. Passando com maestria por todas as facetas e sentimentos da protagonista, transmitindo com naturalidade; raiva, frustração, tristeza e esperança. A maior parte do êxito do filme está na sua grande atuação, aliada ao texto muito bem escrito por Ricardo Bolognesi.
Quanto a mãe da protagonista, Clarisse Abujamra transita muito bem entre a mãe dura e megera, e a mãe que deseja proteger e ensinar a filha. A personagem é mostrada inicialmente como dura e cruel, mas aos poucos o público vai sendo convencido de que tudo que ela faz é para o bem da filha. E muito dessa mudança de percepção passa pela excelente atuação cheia de camadas da atriz.
O restante do elenco não apresenta atuações tão impactantes como a das duas citadas acima, mas estão longe de atuações ruins. Com exceção de uma das filhas de Rosa que soa bem artificial, o os outros atores não comprometem, pelo contrário, cumprem muito bem as suas funções.
Paulo Vilhena, que vive o marido de Rosa, apesar de estar longe de ser um grande ator, está surpreendentemente bem como o homem egoísta e distante dos afazeres familiares. Ele cumpre muito bem o seu papel no desenvolvimento da trama. Parece que Bodanzky sabe muito bem extrair o melhor do seu elenco, mesmo dos atores mais limitados. Como já havia feito com Fiuk em As Melhores Coisas do Mundo. Que teve uma atuação de destaque no filme da cineasta apesar de ter tido uma série de atuações questionáveis nas telenovelas da Globo, em especial na última produção do horário das 21h00 em que recebeu uma enxurrada de críticas negativas.
Percebe-se alguns truques da diretora para disfarçar atuações que possam soar ruins dos seus atores, como não os filmar em close, e mostra-los sempre juntos com outros atores melhores para que não transpareçam tanto a sua falta de talento. Algumas vezes a diretora até filma esses atores de costas, como algumas cenas com o próprio Vilhena e com uma das filhas do casal. Apesar de algumas vezes não conseguir “fazer milagres”, no geral esses “truques” da diretora são muito bem-sucedidos. Apesar disso, nesse filme a diretora não precisa disfarçar tanto a atuação do ator, já que consegue extrair muito do potencial de atuação do mesmo, tanto que ele recebeu o prêmio de melhor ator no festival de Gramado. Se o prêmio foi justo ou não essa é outra história, mas que de fato Vilhena atuou bem isso é inegável.
O outro homem com quem Rosa se relaciona na trama, Pedro, vivido por Felipe Rocha, ajuda muito bem no arco de desenvolvimento da personagem principal, além de ser um personagem divertido e que traz um certo alívio cômico. Muito por conta do bom timing de comédia do ator, como pôde ser observado na boa comédia La Vingança, exibida no começo do ano.
Outro que se destaca pelos momentos cômicos é Jorge Mautner, Homero, o pai de Rosa. O ator é sem dúvida o grande destaque dentre o elenco de apoio. Ele utiliza muito bem as falas engraçadas e psicodélicas escritas para o seu personagem. A descontração, ao mesmo tempo pirada e cativante que o ator passa, transmitem muito bem a essência do personagem, ao mesmo tempo em que serve de alívio cômico ao clima pesado do filme.
Somam -se ainda as qualidades do longa, a fotografia clean, com tons claros que reforçam o realismo que a diretora quer transmitir, e a montagem inteligente e bem elaborada.
Ainda sobre a montagem, dois momentos se destacam. O primeiro, em uma cena que o público pensa estar vendo uma coisa, mas a montagem mostra na verdade ser outra (quem assistiu ao filme sabe do que se trata). A quebra da expectativa do público é utilizada nesse caso como mais um recurso dentre os tantos já falados nessa crítica para desenvolver a protagonista Rosa. Mas a montagem do filme brilha mesmo na cena final, quando são mostradas alternadamente momentos no passado e no futuro, que dialogam entre si e encerram com chave de ouro o longa.
Outro fator de destaque da cena final, além da montagem, é a trilha sonora. Não precisa ser nenhum vidente para adivinhar que a música de Belchior que dá título ao filme iria aparecer em algum momento no longa. E apesar de ser tocada em mais de um momento no decorrer do filme, é sem dúvida no final que ela se destaca. A diretora sabe dosar muito bem o uso da música título. Seria muito óbvio usar a música mais vezes, e utilizar a versão cantada por Elis Regina. Porém, o filme a utiliza de forma inteligente apenas em momentos chave que contribuem para aumentar a dramaticidade da história. Além disso, a música segue a sutileza de todos os elementos do filme ao utilizar apenas a melodia da consagrada canção, de forma a deixar subtendido a mensagem da música, que em suma é a mesma do longa.
Resumindo, Como Nossos Pais é um retrato fiel dos conflitos entre pais e filhos, dos dilemas da mulher moderna, e da busca pelo autoconhecimento e afirmação. É um retrato que de tão real, causa certamente muita identificação do público com pelo menos alguns dos personagens ou situações. E devido a esse realismo cru, é um filme dramático que passa longe do dramalhão clichê, recheado de sentimentos e mensagens que precisam ser sentidos e ditos.

NOTA: 8,89