Laís Bodanzky mostra mais uma vez que sabe muito bem
trabalhar a temática de dramas familiares e a relação entre pais e
filhos/conflito de gerações, assim como fez nos aclamados Bicho de Sete Cabeças
e As Melhores Coisas do Mundo. Apesar de no filme estrelado por Rodrigo Santoro
a principal crítica ser sobre a política de tratamento aos usuários de droga no
Brasil, há também um conflito de gerações, no caso entre pai e filho. Devido a
ignorância sobre o assunto, o pai do protagonista acredita que o filho precisa
ser internado em uma clínica para dependentes químicos apenas por ser usuário
de maconha. Em As Melhores Coisas da Vida também se observa o tema do conflito
entre pais e filhos. Enquanto os filhos não compreendem a mudança de orientação
sexual do pai, o próprio demora a compreender os dramas da adolescência pelo
qual passam a sua prole.
Percebe-se então um histórico e uma predileção da diretora
em abordar essa temática de conflitos familiares. Em Como nos Pais, essa
temática está ainda mais acentuada, esse é o cerne do novo filme da cineasta. A
trama gira em torno de Rosa (Maria Ribeiro), uma dona de casa frustrada com o
emprego medíocre e que enfrenta problemas com o marido ausente e com a mãe dura
e distante. É a partir desse argumento que a história se desenvolve, e vamos
pouco a pouco conhecendo melhor a protagonista e a acompanhando em sua jornada
de autodescobrimento.
Apesar de ser muito simples, o roteiro é profundo, em
certos momentos existencialista e com diálogos bem naturais e que aumentam o
realismo da trama. As conversas entre os personagens são muito bem escritas,
parece mesmo que estamos ouvindo um casal discutindo, uma mãe dando bronca nos
filhos ou até mesmo uma simples conversa cotidiana. Esse é sem dúvida o grande
trunfo do texto do roteirista Ricardo Bolognesi, que é um sopro de
autenticidade em meio a tantos diálogos artificiais e novelescos que
constantemente vemos no cinema nacional.
Quanto a direção, Laís Bodanzky se destaca pela sutileza e
naturalidade com que filma as cenas do longa. Desde os planos que enquadram
vários personagens na mesma cena, dando foco sempre na protagonista e
desfocando os demais, até metáforas visuais muito inteligentes que ilustram os
sentimentos de Rosa. Tudo gira em torno da protagonista, é pelo seu ponto de
vista que enxergamos a história. E esse ponto de vista é transmitido muito bem
através da sutil e subjetiva direção de Bodanzky.
A direção e o roteiro nada adiantariam se as atuações
também não fossem de alto nível. E nesse quesito o destaque fica sem dúvida
fica com as duas principais personagens femininas, Rosa interpretada por Maria
Ribeiro e a sua mãe Clarice, vivida por Clarisse Abujamra. A primeira dá um
show de desenvolvimento de personagem. Passando com maestria por todas as facetas
e sentimentos da protagonista, transmitindo com naturalidade; raiva,
frustração, tristeza e esperança. A maior parte do êxito do filme está na sua
grande atuação, aliada ao texto muito bem escrito por Ricardo Bolognesi.
Quanto a mãe da protagonista, Clarisse Abujamra transita
muito bem entre a mãe dura e megera, e a mãe que deseja proteger e ensinar a
filha. A personagem é mostrada inicialmente como dura e cruel, mas aos poucos o
público vai sendo convencido de que tudo que ela faz é para o bem da filha. E
muito dessa mudança de percepção passa pela excelente atuação cheia de camadas
da atriz.
O restante do elenco não apresenta atuações tão impactantes
como a das duas citadas acima, mas estão longe de atuações ruins. Com exceção
de uma das filhas de Rosa que soa bem artificial, o os outros atores não
comprometem, pelo contrário, cumprem muito bem as suas funções.
Paulo Vilhena, que vive o marido de Rosa, apesar de estar
longe de ser um grande ator, está surpreendentemente bem como o homem egoísta e
distante dos afazeres familiares. Ele cumpre muito bem o seu papel no
desenvolvimento da trama. Parece que Bodanzky sabe muito bem extrair o melhor
do seu elenco, mesmo dos atores mais limitados. Como já havia feito com Fiuk em
As Melhores Coisas do Mundo. Que teve uma atuação de destaque no filme da
cineasta apesar de ter tido uma série de atuações questionáveis nas telenovelas
da Globo, em especial na última produção do horário das 21h00 em que recebeu
uma enxurrada de críticas negativas.
Percebe-se alguns truques da diretora para disfarçar
atuações que possam soar ruins dos seus atores, como não os filmar em close, e
mostra-los sempre juntos com outros atores melhores para que não transpareçam
tanto a sua falta de talento. Algumas vezes a diretora até filma esses atores
de costas, como algumas cenas com o próprio Vilhena e com uma das filhas do
casal. Apesar de algumas vezes não conseguir “fazer milagres”, no geral esses
“truques” da diretora são muito bem-sucedidos. Apesar disso, nesse filme a
diretora não precisa disfarçar tanto a atuação do ator, já que consegue extrair
muito do potencial de atuação do mesmo, tanto que ele recebeu o prêmio de
melhor ator no festival de Gramado. Se o prêmio foi justo ou não essa é outra
história, mas que de fato Vilhena atuou bem isso é inegável.
O outro homem com quem Rosa se relaciona na trama, Pedro,
vivido por Felipe Rocha, ajuda muito bem no arco de desenvolvimento da
personagem principal, além de ser um personagem divertido e que traz um certo
alívio cômico. Muito por conta do bom timing de comédia do ator, como pôde ser
observado na boa comédia La Vingança, exibida no começo do ano.
Outro que se destaca pelos momentos cômicos é Jorge
Mautner, Homero, o pai de Rosa. O ator é sem dúvida o grande destaque dentre o
elenco de apoio. Ele utiliza muito bem as falas engraçadas e psicodélicas
escritas para o seu personagem. A descontração, ao mesmo tempo pirada e
cativante que o ator passa, transmitem muito bem a essência do personagem, ao
mesmo tempo em que serve de alívio cômico ao clima pesado do filme.
Somam -se ainda as qualidades do longa, a fotografia clean,
com tons claros que reforçam o realismo que a diretora quer transmitir, e a
montagem inteligente e bem elaborada.
Ainda sobre a montagem, dois momentos se destacam. O
primeiro, em uma cena que o público pensa estar vendo uma coisa, mas a montagem
mostra na verdade ser outra (quem assistiu ao filme sabe do que se trata). A
quebra da expectativa do público é utilizada nesse caso como mais um recurso
dentre os tantos já falados nessa crítica para desenvolver a protagonista Rosa.
Mas a montagem do filme brilha mesmo na cena final, quando são mostradas
alternadamente momentos no passado e no futuro, que dialogam entre si e
encerram com chave de ouro o longa.
Outro fator de destaque da cena final, além da montagem, é
a trilha sonora. Não precisa ser nenhum vidente para adivinhar que a música de
Belchior que dá título ao filme iria aparecer em algum momento no longa. E
apesar de ser tocada em mais de um momento no decorrer do filme, é sem dúvida
no final que ela se destaca. A diretora sabe dosar muito bem o uso da música
título. Seria muito óbvio usar a música mais vezes, e utilizar a versão cantada
por Elis Regina. Porém, o filme a utiliza de forma inteligente apenas em momentos
chave que contribuem para aumentar a dramaticidade da história. Além disso, a
música segue a sutileza de todos os elementos do filme ao utilizar apenas a
melodia da consagrada canção, de forma a deixar subtendido a mensagem da música,
que em suma é a mesma do longa.
Resumindo, Como Nossos Pais é um retrato fiel dos conflitos
entre pais e filhos, dos dilemas da mulher moderna, e da busca pelo
autoconhecimento e afirmação. É um retrato que de tão real, causa certamente
muita identificação do público com pelo menos alguns dos personagens ou
situações. E devido a esse realismo cru, é um filme dramático que passa longe
do dramalhão clichê, recheado de sentimentos e mensagens que precisam ser
sentidos e ditos.
NOTA: 8,89
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