Dirigido por Spike Lee, Faça a Coisa Certa foi um
verdadeiro para marco para o cinema negro nos EUA. O filme foi um grande
sucesso de crítica e público e se tornou um divisor de águas em Hollyood, a
partir daí a porta foi aberta para cineastas negros e produções com um elenco
majoritariamente afrodescendente. Provavelmente não existiriam os cultuados Moonlight
e Corra! Se não tivesse sido filmado lá em 1989, o importante longa de Lee. Mas
afinal de contas porque Faça a Coisa Certa é tão importante e marcante na
história do cinema?
Primeiramente porque o roteiro é muito sagaz. Consegue
mostrar de uma forma inteligente e divertida a questão do conflito racial nos
EUA. Divertida porque os diálogos são ágeis dinâmicos e muitas vezes hilários,
inteligente porque aborda esse tema tão complicado de forma não maniqueísta, e
faz o expectador realmente refletir sobre o tema.
Pode se dizer que cada personagem representa um ideal na
forma como se enfrenta ou pratica o racismo. Logo de cara fica claro a alusão
as ideias de Martin Luther King e Malcom X, e suas visões distintas de se
combater o preconceito e as desigualdades raciais. Os ideiais combativos de Malcom
X de se fazer justiça racial e se defender através da violência são
personificados pelos personagens Radio Raheem e Buggin´out, dois jovens
revoltados e cheios de ódio. Enquanto que a linha de pensamento pacifista de
Luther King é personificada através do personagem Prefeito, um homem de idade
maltrapilho, que é alvo de piadas dos moradores do bairro.
Por outro lado, existe um meio termo entre os dois, e esse
é o protagonista da trama, Mookie, o entregador da pizzaria do bairro, vivido
pelo próprio Spyke Lee. O personagem parece estar alheio aos conflitos raciais,
não toma partido sobre as questões levantadas por Buggin´out e Radio Raheen
porque precisa do emprego. Prefere estar isento nessa questão para não
desagradar nenhum dos lados, nem os seus patrões brancos e muito menos os seus
amigos negros.
Do ponto de vista de quem pratica o preconceito, o filme
não se omite em denunciar todos os tipos de racismo, desde o mais comum dos
brancos em relação aos negros, mas também o dos próprios negros em relação aos
latinos e asiáticos. Enquanto que o personagem Pino, ítalo-americano filho do
dono da pizzaria é a representação do preconceito descarado e declarado, o pai
do mesmo, Sal, representa o racismo velado, diz que gosta dos negros, mas na
verdade só o interessa o lucro que os mesmos trazem ao seu comércio, mostrando
inclusive o seu lado racista quando confrontado por Radio Raheem.
Por outro lado, os negros do filme também são preconceituosos
com os latinos recém-chegados ao bairro de Broklyn. Como por exemplo o
personagem Mookie que tem um filho com uma porto-riquenha, mas se mostra
claramente irritado com o fato do seu filho ter um nome hispânico, Hector, e da
sua sogra só falar com ele em espanhol. Já o preconceito com os asiáticos é mostrado
com a família de chineses que tem um mercadinho no bairro, e sofre com a
xenofobia de parte dos moradores negros que se irritam com a prosperidade dos
imigrantes.
Há também uma crítica forte ao tratamento que os negros
recebem da polícia, que não tem pudores de usar a violência desmedida para
conter conflitos que começam pequenos, mas que se tornam enormes devido a
brutalidade das medidas utilizadas pelos policiais para resolve-los.
A que se destacar também as metáforas e simbolismos
utilizados no filme. Além dos personagens que personificam certos ideais
citados acima, existem também outras alegorias envolvendo o clima e até uma
estação de rádio que narra o dia a dia dos moradores. O clima cada vez mais
quente das ruas do bairro, beirando os 40° graus, representa a tensão desde
cedo instalada na história que vai crescendo gradualmente até literalmente
explodir no ato final, os pequenos conflitos são um barril de pólvora prestes a
estourar, só aguardando o estopim. Enquanto que o personagem de Samuel L. Jackson,
o radialista da estação Love (a rádio não tem esse nome a toa), pode ser
entendido como uma espécie de entidade onipresente que alegra a vida das
pessoas com suas músicas e também está a par de tudo que acontece sem nunca se
envolver com os personagens. É portanto uma metáfora de um deus do bairro do
Broklyn, que se compadece com os dramas dos moradores, prega uma mensagem de
tolerância e amor, mas não chega a tomar nenhuma atitude propriamente dita.
Falando agora sobre a direção, Spyke Lee dá uma verdadeira
aula de como evocar sensações e sentimentos na audiência ao mesmo tempo em que
passa a sua mensagem. Através de close-ups claustrofóbicos nos rostos dos
personagens suados pelo calor extenuante e cheios de raiva consegue colocar o
expectador naquela zona de desconforto e ebulição pelo qual passam os personagens.
Além disso, ele utiliza outros recursos para causar desconforto, como filmar em
um ângulo meio inclinado, que acaba gerando uma
sensação de estranhamento. Sem
falar na sua inventividade e arrojo para enquadrar os personagens e fazer
movimentos de câmera orgânicos e ágeis, utilizando muitas vezes a câmera na mão.
Aliado a direção está a fotografia, que consegue também
transmitir todo esse calor e tensão presentes na película. Abusando de uma palheta
de cores regada a tons fortes e coloridos.
Outro fator que contribuem para dar o tom do filme é a
trilha sonora a base de hip-hop e que sempre entra em momentos oportunos na
história, com destaque para a canção Fight the Power do Public Enemy, tocada
sempre nos momentos em que algum conflito estava para acontecer.
Falando das atuações, Faça a Coisa Certa conta com um
elenco estrelar, sendo que muitos atores viriam a brilhar tempos depois em
outras produções. O longa conta o próprio Spyke Lee no papel do protagonista
Mookie, que tem uma atuação muito segura
e verdadeira. Além de nomes conhecidos como Danny Aiello (Poderoso Chefão) e
John Turturro (O Grande Lebowisk) nos papeis do pai e filho que trabalham na
pizzaria. O irreconhecível Gian Carlo Esposito, ele mesmo, o Gus Fring de
Breaking Bad, no papel de Buggin´out. Martin Lawrence (Vovozona), ainda em
começo de carreira e com um papel bem pequeno, além do grande Samuel L. Jackson
como o radialista.
O filme conta com muitos personagens, por isso não é
possível descrever todas as atuações com detalhes, mas todos os personagens
servem para desenvolver a narrativa e contam com atuações muito competentes.
Por fim, Faça a Coisa Certa é um filme essencial para quem
deseja entender e refletir melhor sobre o tema dos conflitos raciais. O longa
não toma um partido claro sobre de que forma esse problema deve ser enfrentado,
apresenta os ideias de Luther King e Malcom X e os seus prós e contras, e deixa
a cargo do público refletir sobre o que é mostrado em tela. Apesar do foco no
tema social, o filme não deixa de lado o entretenimento do expectador,
apresentando personagens interessantes e divertidos, e abusando da linguagem
cinematográfica e de qualidade para criar uma grande obra de arte moderna.
NOTA: 9,58
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