domingo, 12 de novembro de 2017

O Expresso da Meia Noite (1978)





Na história do cinema existem diversos filmes sobre a vida dentro de uma cadeia. Alguns exaltam o drama e a violência pelo qual passam os prisioneiros, outros focam em fugas sensacionais. O difícil é encontrar algum que junte essas 2 abordagens e as transforme em uma história original, perturbadora e instigadora. Esse é o caso de Expresso da Meia Noite, de 1978,que possui um drama do mesmo nível de Em Nome do Pai, e uma fuga tão espetacular quanto um Sonho de Liberdade ou a Fugindo do Inferno.

Com direção de Alan Parker e estrelado por Brad Davis, que vive Billy Hayes, um jovem americano que é preso na Turquia após tentar embarcar em um avião com 2 kg de haxixe. Inicialmente condenado a 4 anos, Billy tem a sua pena alterada para 30 anos devido uma represália do governo turco, que decide usar Billy como exemplo de combate as drogas em resposta a política antidroga internacional do presidente dos EUA Ronald Reagan.

Se ir para a cadeia já é uma tragédia, ser preso em um país estrangeiro com uma cultura totalmente diferente da sua é pior ainda. Esse é o fio condutor da trama, como um americano condenado a passar o resto da sua existência em uma terra distante e distinta da sua reage a essa dura realidade? Hayes sofre nas mãos dos guardas violentos, do carcereiro sádico e principalmente da falta de esperança e de um sentido para continuar a viver.

O filme se torna ainda mais impactante quando descobrimos que se trata de uma história real, que apesar de algumas adaptações em relação ao que aconteceu de verdade não deixa de ser triste, angustiante e perturbadora. Mas não adiantaria nada apenas a história ser impactante, se os outros elementos cinematográficos não o fossem. Além do roteiro, a direção, a fotografia, a trilha sonora e as atuações são excelentes.

Aliás, cinematograficamente falando o filme é impressionante, a começar pela direção de Parker. O cineasta sabe usar muito bem o jogo de mostra e esconde. Mantendo a tensão das cenas até o máximo de tempo possível. Suspendendo com maestria o clímax, e criando uma angustia e desconforto essenciais para deixar o expectador sem respirar, e faze-lo entrar no clima do filme.

Muito do impacto do longa vem do desconforto com o que é mostrado em tela. Ao manter a tensão suspensa por mais tempo o diretor causa uma sensação perturbadora no público, que sofre mesmo já sabendo que algo de muito ruim irá acontecer. Mas o segredo está em justamente prolongar essa angustia. 

Outro fator que contribuí para esse clima perturbador e desconfortável do longa é a fotografia. Predominantemente com um aspecto sujo, recheado de tons escuros e arenosos, o filme é fotografado de forma a colocar o expectador naquele mundo desesperador e fétido.

Apesar da excelente direção e fotografia, é outro aspecto técnico que rouba a cena no filme, a trilha sonora. Marcante e angustiante, a trilha é regada a distorções eletrônicas que foram revolucionárias para a época. Mesmo após tanto tempo a trilha não perdeu nem um pouco o seu impacto na experiência de quem assiste a obra. Apesar de atualmente ser algo comum um filme com uma trilha eletrônica, dificilmente ouvimos algo tão poderoso quanto ouvimos em Expresso da Meia Noite. A qualidade e inovação do trabalho do compositor Giorgio Moroder foram reconhecidas pela academia, que concedeu ao longa a estatueta de Melhor Trilha Sonora.

Se a trilha é o melhor elemento técnico do filme, a atuação de Brad Davis é sem dúvidas o elemento humano decisivo para tornar o Expresso da Meia Noite uma obra prima da sétima arte. O ator vive um jovem que começa frágil e ingênuo, mas aos poucos vai endurecendo, amadurecendo e enlouquecendo. Todas essas facetas do personagem são transmitidas com extrema veracidade. Com destaque para a cena em que o personagem tem um ataque de fúria contra o carcereiro da prisão, uma das mais fortes de todo o filme, se não a mais. Muito por conta da atuação alucinante e frenética de Davis, somada com uma direção e movimentos de câmeras igualmente alucinantes e frenéticos.

O restante do elenco também está muito bem, com destaque para John Hurt no papel de Max. Um homem já degradado pelos anos na prisão, que o tornaram louco, mas ainda assim não deixando de ser amigável e polido como um verdadeiro inglês. Ele é um dos amigos de Billy na cadeia e tem papel significativo no arco dramático do protagonista. É sem dúvidas um dos personagens mais cativantes do longa, muito por conta da grande atuação e do carisma do ator.

Jimmy e Erich, os outros amigos de Billy na prisão também cumprem muito bem o seus papeis de desenvolverem o protagonista, mas não tem muito desenvolvimento eles mesmos. Por fim, outro destaque fica com Paul L. Smith, no papel do policial chefe da prisão o principal antagonista da história, e que apesar de falar pouco, quase nada e ainda por cima em turco, consegue impor medo apenas com a sua expressão soturna e macabra.

Falando ainda sobre os personagens turcos do filme, esse é o único ponto negativo de o Expresso da Meia Noite. Todos são retratados de forma extremamente estereotipada. Mostrados no filme como verdadeiros “porcos”, como o próprio protagonista diz na cena do julgamento. Nenhum turco é mostrado de forma positiva no filme, ou são violentos e selvagens, ou então são malandros e corruptos. Fica claro que o ponto de vista do filme é totalmente parcial e preconceituoso. Por motivos dramáticos de criar antagonistas fortes era natural que os turcos fossem tratados no geral como vilões, porém o filme os trata de maneira totalmente unidimensional, não realista e absolutamente maniqueísta.
Esse aspecto do roteiro, foi criticada pelo próprio Billy Hayes da vida real, que disse em algumas entrevistas que apesar de tudo que passou gosta do povo turco, não os julga como um “país de porcos”, como mostrado no filme. Sentiu raiva dos que o fizeram mal sim, mas não generaliza esse ponto de vista negativo aos turcos como um todo.

Apesar dessa retratação preconceituosa dos turcos o filme não deixa de ser uma obra prima, a qualidade da direção, atuações, fotografia e trilha sonora são impressionantes. Porém, se mostrasse os nativos do país de uma forma menos unidimensional, com certeza o filme seria melhor ainda, mais rico narrativamente e bem mais profundo e complexo.

No final das contas Expresso da Meia Noite é uma obra que não deixa absolutamente ninguém indiferente. É impossível não sofrer junto com o drama do protagonista, e quase sentir a mesma angustia e desespero que ele. Por tudo isso, o filme deve ser visto e revisto por qualquer cinéfilo que se preze.





NOTA: 9,32










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