Dirigido pelo diretor Michael Haneke, o filme é uma
refilmagem feita nos EUA do longa original austríaco feita pelo mesmo diretor
em 1997. A película conta a história de uma família rica e feliz norte-americana
que vê tudo desmoronar quando recebe a visita de dois garotos aparentemente
educados e polidos da vizinhança, que inicialmente pedem apenas alguns ovos,
mas posteriormente mostram a sua verdadeira intenção; se divertir às custas da
família através de jogos cínicos, violentos e macabros, ou como diz o nome
original do filme: Funny Games.
Inicialmente o título e a sinopse do longa podem sugerir
que se trata de um filme recheado de violência gráfica, como Jogos Mortais e
afins. No entanto, a direção de Haneke é brilhante ao não mostrar as essas
cenas mais violentas, posicionando a câmera fora do alcance do expectador
nesses momentos mais gráficos. Tudo fica a cargo do que é sugerido pelo
cineasta, que dessa forma força o expectador a imaginar como as coisas aconteceram.
Percebe-se então que a violência utilizada é muito mais psicológica do que
visual e explícita. Tornando a experiência ainda mais angustiante para o
público, assim como os grandes mestres do suspense e terror psicológico
costumam fazer, esconder é muito mais instigante do que mostrar.
Além desse componente narrativo interessante que a direção
de Haneke transmite, a mesma também pode ser lida como uma crítica a grande
violência gráfica a que somos expostos atualmente em filmes, videogames, HQs e
programas de televisão. Chegamos ao ponto em que vemos tanto sangue, explosões
e dilacerações nos meios de comunicação que essa violência já não nos afeta
tanto assim. Tudo se tornou muito banal, desde o noticiário criminal apelativo
até o filme mais sanguinário. Não que isso seja uma coisa necessariamente ruim,
as pessoas gostam de violência e se não a praticam de fato, utilizam essa
exposição midiática para satisfazer inconscientemente os seus desejos mais
perversos e nefastos. Porém, o ponto é que tanta exposição gera uma tolerância
maior a violência, a dose é tão alta que não sentimos mais nada ao vê-la. É
como uma pessoa que bebe tanto álcool, que chegou ao ponto de não ficar mais
bêbado mesmo ingerindo grandes quantidades de bebida.
É por isso que os filmes mais perturbadores são aqueles que
utilizam a violência de uma forma diferente e inteligente, utilizando muito
mais o terror psicológico do que o gráfico. É por essa razão que filmes de
terror como A Bruxa e O Babadook fizeram tanto sucesso recentemente. Existem
outras infinitas formas de criar tensão no expectador, muito mais do que apenas
a simples violência visual. E esse é claramente o caso de Violência Gratuita,
que usa de uma série de recursos cinematográficos para deixar a audiência
atônita, tensa e perturbada.
Além da direção de Haneke, são utilizados outros meios para
criar essa atmosfera perturbadora no filme. Um deles é a trilha sonora, que se
mostra logo na cena inicial do longa. Nela, aparece toda a família reunida e
feliz dentro do carro em direção a sua casa de veraneio. Eles estão ouvindo
músicas clássicas leves e agradáveis e brincando de um jogo de adivinhar qual é
a música (vemos aqui uma espécie de prelúdio irônico dos jogos violentos que
estão por vir). No entanto, de repente surge uma música não diegética (que os
personagens não escutam, apenas o público), essa música é extremamente pesada e
perturbadora, uma espécie de black metal demoníaco. A música também serve de
anúncio para a violência que está por vir. Enquanto é mostrado a família dando
risada e alegre no carro a música pesada é tocada, causando um estranhamento no
público que percebe naquele momento que algo muito ruim irá acontecer.
Outro fator que ajuda muito a criar a tensão que vemos em
tela é a atuação pesada e impactante do elenco, tanto pelo cinismo e
perversidade dos garotos cruéis, tanto pela angústia e sofrimento das vítimas.
Michael Pitt e Brady Corbet transmitem muito bem toda a
crueldade e futilidade que dois garotos psicopatas de família rica sentem, e
que para saciar esse instinto violento decidem torturar uma família a troco de
nada, ou como diz o próprio nome do filme, a troco de uma Violência Gratuita.
Peter (Corbert), é meio abobalhado e age mais por conta da influência do amigo,
mas nem por isso deixa de ter prazer ao presenciar a violência que assiste e
pratica. Enquanto que Paul, é claramente o líder da dupla, mais cruel e cínico
que o amigo, sente prazer no poder que obtém ao brincar cruelmente com a
família.
Quanto a atuação da família torturada, Naomi Watts, Tim
Roth e Devon Gearhart, também estão muito bem, transmitindo com muita
veracidade o sofrimento que sentem. Ann (Watts), a mãe, é uma dona de casa
perfeita que gosta de manter um bom relacionamento com os vizinhos, e se
prontifica rapidamente a dar os ovos que os garotos pedem. No entanto, a medida
que ela e a família vão sendo cruelmente torturados, ela consegue
passar muito
bem um desespero angustiante que acaba contagiando o público por osmose. Tim
Roth, também está muito bem no papel do pai de família George, que vai perdendo
as esperanças gradualmente de sair daquela situação extrema. Desde que tem a
perna ferida por um dos garotos e não consegue mais andar, ficando impotente
frente a violência praticada contra a sua família e a ele próprio. E por fim o
jovem Gearhart no papel do filho pequeno Georgie, que também se sente impotente
frente ao mal causado pelos garotos, e transmite com competência essa sensação
ao público.
Concluindo, Violência Gratuita é um perturbador, mas também
é reflexivo. A reflexão vem da crítica irônica que o diretor faz a violência em
excesso a que somos expostos todos os dias através dos veículos de comunicação.
Além disso, é um filme cinematograficamente muito interessante e rico, com
atuações muito boas, uma direção muito perspicaz e hábil ao manipular os
sentimentos do público e uma trilha sonora tão violenta e inesperado quanto as
crueldades presentes em cena.
NOTA:
8,84
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