Lançada em 1999, Sopranos mostra de uma forma totalmente
diferente o cotidiano da máfia italiana nos EUA. Ao contrário da maioria dos
filmes do gênero, a série trata do tema com um nível de realismo jamais visto
antes, apresentando mafiosos incrivelmente humanos, com fraquezas e dramas
pessoais. Quebrando de certa a forma aquela imagem estereotipada do gangster
durão e sem sentimentos.
Além dos personagens mais humanos, a série também apresenta
uma rotina do mafioso mais próxima da do cidadão comum. Depois de um dia duro
de “trabalho” os mafiosos têm de encarar problemas familiares, problemas com os
vizinhos e com os amigos. Fazendo o expectador se identificar com os problemas
universais dos personagens, independente da questão da máfia.
Um bom exemplo é do personagem principal, Tony Soprano.
Mesmo sendo um membro de destaque na organização criminosa, o protagonista
sofre com constantes ataques de pânico e passa a se consultar com uma psiquiatra
para resolver o problema. Essa é a grande sacada da série, mostrar que mafiosos
também são humanos, quebrar estereótipos, e assim desenvolver personagens interessantíssimos.
As conversas entre Tony a sua psiquiatra, Doutora Melfi,
são um show à parte. Os diálogos entre os dois são muito bons, e revelam muito
sobre o protagonista que tem muitas facetas. As vezes o expectador pensa que
ele é um monstro, outras tantas ele aparenta ter boas razões para fazer o que
faz, e em outras aparenta ser apenas um pai de família lutando para prover sua
prole. O fato é que Tony é tudo isso e mais um pouco, afinal ele é humano.
Além de servir para contar um pouco mais sobre o
personagem, as sessões também servem para inserir o expectador
no mundo da máfia. Ainda que de forma disfarçada e usando metáforas, Tony acaba
contando alguns detalhes da sua organização criminosa para a psiquiatra.
Tornando as conversas entre os dois um interessante recurso narrativo dos roteiristas
para explicar melhor a trama e a personalidade do protagonista para o
expectador.
Pena que as conversas entre Tony e Melfi foram deixadas um
pouco de lado no decorrer da série. Uma vez que as motivações do protagonista
já foram apresentadas, assim como o mundo da máfia, talvez os roteiristas não
julgaram ser mais tão importante mostrar as consultas. Uma pena
porque eram cenas muito interessantes e divertidas.
Porém, a série tem muitas outras coisas boas além das
conversas de Tony com a sua psiquiatra. O realismo dos personagens, como já
citado acima é muito interessante. As relações familiares têm muito peso na
trama, visto que a família é importantíssima na cultura italiana. E a série
consegue mostrar brilhantemente essas relações, marido e mulher, pai e filho(a),
irmão e irmão, e mãe e filho(a). Está última com grande destaque, visto que a
relação de Tony com a mãe, Lívia, tem grande importância na construção do
personagem principal. Grande parte da personalidade do protagonista é explicada
pela relação com mãe, que apesar de ser exagerada e melodramática como as “típicas
mães italianas”, parece não se importar muito com o filho. Quebrando o estereótipo
de mãe italiana super protetora e carinhosa.
Falando ainda sobre estereótipos do povo italiano, Sopranos
trabalha muito bem com isso, seja desconstruindo-os, seja brincando com eles. Ao
mesmo tempo em que são apresentados personagens que são a encarnação da
caricatura do ítalo americano, como o consigliere de Tony, Silvio Dante, e a própria
mãe do protagonista Livia. Também são mostrados ítalo americanos médicos, como
a Dra Melfi e o Dr Cusamano, universitários como a filha de Tony, Meadow, além
de policiais, padres, advogados, etc. Ou seja, não existe na série o
tradicional “tipo italiano”.
O que os roteiristas fazem muito bem, é desconstruir o estereótipo
do “Carcamano” nos personagens mais caricatos e ao mesmo tempo mostrar que há
um pouco de “ carcamano” nos personagens menos caricatos. Há por exemplo uma
cena em que a Dra Melfi (que também é ítalo americana) discute com a família e
amigos sobre a imagem dos italianos como mafiosos nos EUA, e defende o seu
paciente Tony Soprano, dizendo que eles são italianos assim como ele. Ou seja,
é mostrado que mesmo os italianos mais “ajustados a sociedade” também tem em
algum grau uma identificação com a cultura e o imaginário ítalo americano, formado
pela culinária, música e tradições em geral, assim como também é formado pelos
filmes de mafiosos como O Poderoso Chefão e Bons Companheiros.
Aliás, as referências a filmes de máfia são muito bem
colocadas na série. Sendo que os próprios personagens brincam com essa
caricatura do italiano nos filmes. O personagem Silvio Dante por exemplo, está
sempre imitando Don Corleone e citando frases de O Poderoso Chefão e outros
filmes de máfia.
Assim como a hilária atuação de Steven Van Zandt como
Silvio Dante, as interpretações são excelentes. James Gondolfini que vive Tony
Soprano consegue equilibrar muito bem uma atuação mais
contida, com momentos de explosão e raiva, dando um verdadeiro show de
interpretação. Além do protagonista, outros atores têm grande destaque na
série, como a louca mãe de Tony, Livia, interpretada por Nancy Marchand e o tio
que disputa o poder com o Tony, Corrado Soprano, vivivo por Dominic Chianese.
Ainda na família do protagonista, sua mulher Carmela, Edie Falco, e os seus
filhos, o problemático AJ, Robert Iler, e a estudiosa Meadow, Jamie – Lynn Sinlgler,
enriquecem muito a trama familiar.
Há ainda grandes personagens, como o sobrinho de Tony, Christopher
Moltisanti, Michael Imperioli, os mafiosos psicóticos e sem limites, Paulie
Gualtiere, Tony Sirico, e Ralph Cifaretto, Joe Pantoliano. Além do cozinheiro
amigo de Tony, o engraçado e atrapalhado Artie Bucco, John Vertimiglia, e a já citada Dra Melfi,
Lorraine Bracco. Sem falar de outros tantos personagens marcantes com atuações
sensacionais.
Tanta qualidade fez de Sopranos uma das séries mais
aclamadas da história pela crítica especializada. Sendo que em 2013 foi
considerada como a série mais bem escrita de todos os tempos pelo Sindicato dos
Roteiristas dos EUA (Writers Guild of America). Sem falar nos inúmeros prêmios
vencidos, como por exemplo incríveis 18 Emmys e 5 Globos de Ouro.
Portanto, Sopranos se destina a todos que gostem de uma boa
história sobre máfia, de uma boa história sobre família, de uma boa história
pessoas, de uma boa história.....
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