sábado, 16 de dezembro de 2017

Violência Gratuita (2007)






Dirigido pelo diretor Michael Haneke, o filme é uma refilmagem feita nos EUA do longa original austríaco feita pelo mesmo diretor em 1997. A película conta a história de uma família rica e feliz norte-americana que vê tudo desmoronar quando recebe a visita de dois garotos aparentemente educados e polidos da vizinhança, que inicialmente pedem apenas alguns ovos, mas posteriormente mostram a sua verdadeira intenção; se divertir às custas da família através de jogos cínicos, violentos e macabros, ou como diz o nome original do filme: Funny Games.

Inicialmente o título e a sinopse do longa podem sugerir que se trata de um filme recheado de violência gráfica, como Jogos Mortais e afins. No entanto, a direção de Haneke é brilhante ao não mostrar as essas cenas mais violentas, posicionando a câmera fora do alcance do expectador nesses momentos mais gráficos. Tudo fica a cargo do que é sugerido pelo cineasta, que dessa forma força o expectador a imaginar como as coisas aconteceram. Percebe-se então que a violência utilizada é muito mais psicológica do que visual e explícita. Tornando a experiência ainda mais angustiante para o público, assim como os grandes mestres do suspense e terror psicológico costumam fazer, esconder é muito mais instigante do que mostrar.

Além desse componente narrativo interessante que a direção de Haneke transmite, a mesma também pode ser lida como uma crítica a grande violência gráfica a que somos expostos atualmente em filmes, videogames, HQs e programas de televisão. Chegamos ao ponto em que vemos tanto sangue, explosões e dilacerações nos meios de comunicação que essa violência já não nos afeta tanto assim. Tudo se tornou muito banal, desde o noticiário criminal apelativo até o filme mais sanguinário. Não que isso seja uma coisa necessariamente ruim, as pessoas gostam de violência e se não a praticam de fato, utilizam essa exposição midiática para satisfazer inconscientemente os seus desejos mais perversos e nefastos. Porém, o ponto é que tanta exposição gera uma tolerância maior a violência, a dose é tão alta que não sentimos mais nada ao vê-la. É como uma pessoa que bebe tanto álcool, que chegou ao ponto de não ficar mais bêbado mesmo ingerindo grandes quantidades de bebida.

É por isso que os filmes mais perturbadores são aqueles que utilizam a violência de uma forma diferente e inteligente, utilizando muito mais o terror psicológico do que o gráfico. É por essa razão que filmes de terror como A Bruxa e O Babadook fizeram tanto sucesso recentemente. Existem outras infinitas formas de criar tensão no expectador, muito mais do que apenas a simples violência visual. E esse é claramente o caso de Violência Gratuita, que usa de uma série de recursos cinematográficos para deixar a audiência atônita, tensa e perturbada.

Além da direção de Haneke, são utilizados outros meios para criar essa atmosfera perturbadora no filme. Um deles é a trilha sonora, que se mostra logo na cena inicial do longa. Nela, aparece toda a família reunida e feliz dentro do carro em direção a sua casa de veraneio. Eles estão ouvindo músicas clássicas leves e agradáveis e brincando de um jogo de adivinhar qual é a música (vemos aqui uma espécie de prelúdio irônico dos jogos violentos que estão por vir). No entanto, de repente surge uma música não diegética (que os personagens não escutam, apenas o público), essa música é extremamente pesada e perturbadora, uma espécie de black metal demoníaco. A música também serve de anúncio para a violência que está por vir. Enquanto é mostrado a família dando risada e alegre no carro a música pesada é tocada, causando um estranhamento no público que percebe naquele momento que algo muito ruim irá acontecer.

Outro fator que ajuda muito a criar a tensão que vemos em tela é a atuação pesada e impactante do elenco, tanto pelo cinismo e perversidade dos garotos cruéis, tanto pela angústia e sofrimento das vítimas.

Michael Pitt e Brady Corbet transmitem muito bem toda a crueldade e futilidade que dois garotos psicopatas de família rica sentem, e que para saciar esse instinto violento decidem torturar uma família a troco de nada, ou como diz o próprio nome do filme, a troco de uma Violência Gratuita. Peter (Corbert), é meio abobalhado e age mais por conta da influência do amigo, mas nem por isso deixa de ter prazer ao presenciar a violência que assiste e pratica. Enquanto que Paul, é claramente o líder da dupla, mais cruel e cínico que o amigo, sente prazer no poder que obtém ao brincar cruelmente com a família.

Quanto a atuação da família torturada, Naomi Watts, Tim Roth e Devon Gearhart, também estão muito bem, transmitindo com muita veracidade o sofrimento que sentem. Ann (Watts), a mãe, é uma dona de casa perfeita que gosta de manter um bom relacionamento com os vizinhos, e se prontifica rapidamente a dar os ovos que os garotos pedem. No entanto, a medida que ela e a família vão sendo cruelmente torturados, ela consegue
passar muito bem um desespero angustiante que acaba contagiando o público por osmose. Tim Roth, também está muito bem no papel do pai de família George, que vai perdendo as esperanças gradualmente de sair daquela situação extrema. Desde que tem a perna ferida por um dos garotos e não consegue mais andar, ficando impotente frente a violência praticada contra a sua família e a ele próprio. E por fim o jovem Gearhart no papel do filho pequeno Georgie, que também se sente impotente frente ao mal causado pelos garotos, e transmite com competência essa sensação ao público.


Concluindo, Violência Gratuita é um perturbador, mas também é reflexivo. A reflexão vem da crítica irônica que o diretor faz a violência em excesso a que somos expostos todos os dias através dos veículos de comunicação. Além disso, é um filme cinematograficamente muito interessante e rico, com atuações muito boas, uma direção muito perspicaz e hábil ao manipular os sentimentos do público e uma trilha sonora tão violenta e inesperado quanto as crueldades presentes em cena.



NOTA: 8,84

GrilloCast 3 - Jim e Andy

No GrilloCast de hoje confira as nossas impressões sobre Jim e Andy documentário da Netflix sobre os bastidores do filme O Mundo de Andy, estrelado por Jim Carrey no papel do comediante americano Andy Kauffman:


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Como eu dou nota a um filme?



O processo de dar notas a filmes pode ser muitas vezes puramente subjetivo. Ou seja, unicamente baseado numa percepção de quem está dando a nota. Por exemplo: Se eu adorei um filme a nota será entre 9 e10, se achei bom entre 7 e 8, se achei razoável entre 5 e 6, e se julguei ser ruim, a nota será menor ou igual a 4.

O problema desse sistema de notas mais subjetivo é que na maioria das vezes ele se baseia apenas no quanto a pessoa gostou ou não do filme. E convenhamos que uma nota baseada apenas no gosto pessoal pode distorcer drasticamente. Dependendo muito dos gostos pessoais do avaliador. Por exemplo:  se uma pessoa que não gosta de filmes de super-heróis está avaliando um filme do gênero, provavelmente ela dará uma nota baixa ao longa, mesmo que se trate de um bom filme.

Trocando em miúdos, o grande problema desse tipo de avaliação é que a mesma é muito simplista, leva em conta apenas 1 dentre uma série de critérios para dar nota a uma produção cinematográfica.  Mesmo se o filme não me entreter de forma satisfatória, ele pode ter uma série de outras qualidades que eu devo levar consideração no momento de avalia-lo.

Existem vários fatores que fazem um filme bom ou ruim. E mesmo em filmes ruins é possível enxergar qualidades, assim como se pode notar defeitos em filmes bons. Mas afinal de contas, quais seriam esses fatores?

São todos os elementos que quando juntos compõe uma obra cinematográfica. Roteiro, direção, fotografia, edição, montagem, trilha sonora e atuações. É claro que existem outros diversos aspectos da produção de um filme, como direção de arte, maquiagem, edição e design de som, continuidade e etc. Porém, eu opto por levar em conta nas minhas avaliações apenas aqueles que eu tenho um maior entendimento.

Portanto, eu avalio primeiro cada elemento separadamente e depois componho a nota final com a soma de todos eles. Cada fator tem um peso, conforme a sua importância segundo a minha visão



Seguem abaixo os elementos avaliados e o que eu levo consideração no momento de avalia-los:



Roteiro: 

Um bom roteiro deve desenvolver de forma eficaz a narrativa e os personagens, além de ter diálogos interessantes. A narrativa não precisa obrigatoriamente ser tão inventiva, se conseguir contar a história de forma competente já está valendo. Porém, uma história original e que tenha pontos de virada que surpreendam o expectador são um bônus. É isso que diferencia um roteiro bom de um excelente.

Não nos esqueçamos também dos diálogos e dos personagens, que quanto mais realistas forem melhor. Mesmo se os personagens forem seres fantasiosos como ETs e monstros, elementos humanos e camadas de personalidade enriquecem o personagem, e facilitam a identificação com o público. Além disso, eles devem ter uma serventia para o desenvolvimento da narrativa. As ações de todos presentes no filme devem influenciar a trama de alguma forma, caso contrário eles são inúteis dramaturgicamente falando.

Quanto aos diálogos, vale o mesmo falado para os personagens. Quanto mais crível melhor. Diálogos bons não soam artificiais, eles devem parecer com algo que é falado na vida real. O ritmo e profundidade dos mesmos também é muito importante. Diálogos que falam  nas entrelinhas são um ponto fortíssimo; jogos de palavras, metáforas e sugestões são ótimas formas de dizer algo além do que está sendo falado literalmente. E por fim, os diálogos não podem ser redundantes em relação ao que está sendo mostrado nas imagens. Quando um personagem fala ou pensa:  “estou muito triste,” ao mesmo tempo em que a câmera mostra ele chorando, então esta cena está sendo redundante. Um bom roteiro presume a inteligência do expectador, e prefere deixar as coisas subtendidas em detrimento de explicar tudo mastigado.



Direção:



O diretor é o maestro de um filme, ele que escolhe como filmar o roteiro, o que mostrar e como mostrar. Uma boa direção trabalha em prol do desenvolvimento da história, mas também se preocupa com a qualidade imagética do que está em tela.

Mas o que torna uma direção excelente é o aspecto autoral do cineasta, a sua marca registrada, sua assinatura. Todos os grandes diretores da história do cinema possuem um jeito peculiar de filmar que os diferencia de um diretor comum. Tarantino adora usar violência exagerada, contra plongés e diálogos cotidianos e engraçados. Enquanto que Kubrick prezava pela perfeição simétrica de seus enquadramentos, além de exigir o máximo dos seus atores.

Outro fator que contribui para uma direção de destaque, são as metáforas e rimas visuais, que quando utilizadas de forma inteligente tornam um filme ainda mais interessante



Fotografia:  



Além de esteticamente bela uma boa fotografia também deve ter um propósito narrativo. Não adianta nada o filme mostrar lindas paisagens e cores se as mesmas não conversam com o roteiro e a direção. A paleta de cores e a iluminação utilizadas devem ajudar a contar a história, seja de forma objetiva ou simbólica. Por exemplo: um filme pode utilizar de uma iluminação baixa para contar uma história que se passe predominantemente a noite, e reforçar os tons pretos das roupas e cabelos dos personagens para sugerir um clima dark.





Trilha Sonora/ Sonoridade:

Podem existir filmes com pouca ou nenhuma trilha sonora, mas não existe filme sem som ou silêncio. Por isso a opção de avaliar esses 2 componentes de forma agrupada.

Uma boa trilha sonora deve conter músicas que se encaixem com o que está sendo mostrado em cena. Deve complementar o que está na imagem, sem ser redundante, assim como foi falado no caso dos diálogos. Uma boa trilha é orgânica, não soa forçada e ainda por cima contribui narrativamente. Agora, uma ótima trilha faz tudo isso, e ainda por cima é marcante, tem canções impactantes e que ficam na memória do expectador.

No caso da sonoridade, o uso apropriado e realista de sons conferem um maior realismo a cena, além de poderem ser utilizados com um significado simbólico. Outro fator a ser levado em consideração é o uso do silêncio. Saber dosar a ausência de som proporciona uma maior dramaticidade, tensão ou suspense da cena. Mas antes de tudo é preciso de muita sensibilidade para saber o momento de usar ou não esse recurso.



Edição/Montagem:



Avalio esses dois fatores em comum pois os mesmos estão muito ligados um ao outro. Enquanto que a edição cuida dos cortes, a montagem se encarrega de “montar o quebra-cabeça”, ou seja dispor as cenas em uma sequência que seja mais apropriada.

Uma edição e montagem ruins podem acabar com um filme que tinha tudo para ser bom. As duas tem influência direta no ritmo de um longa-metragem, e até na percepção do expectador, vide o famoso Efeito Kuleshov :


Além disso, a montagem pode ser utilizada de diversas maneiras afim de enganar ou sugestionar o expectador. Podendo inclusive ser usada para conferir simbolismo e relação de causa e efeito através de transições de cenas e sequências que impliquem em alguma lógica.



Efeitos Visuais:



Esse item é avaliado apenas em filmes que utilizam esse recurso, e que a sua qualidade dependa diretamente do quão bom são os efeitos. Como por exemplo em filme de super-heróis e ficção científica.

Em tempos de Computação gráfica sendo usada a exaustão em Hollywood, qualquer artificialidade percebida pela audiência se torna um problema para o filme. Um bom efeito visual deve parecer real, isso facilita a imersão de quem assiste ao filme.

Mas o que faz um efeito visual excelente é o seu impacto visual. Algo que impressione o expectador, seja pela sua grandiosidade, seja pelo seu ineditismo confere um ar diferente a produção.


Atuações:

Uma boa atuação expressa antes de tudo verdade no que está sendo dito, não imprimi artificialidade e ao mesmo tempo cativa a audiência. Conseguir transmitir sentimentos é muito importante, seja através da fala, ou então da expressão facial e corporal.

O que diferencia uma boa de uma grande interpretação, e a capacidade de emocionar que o ator/atriz passa em frente as câmeras, e muito disso vem do realismo com que atua.





Há ainda mais 3 critérios de avaliação que não são técnicos, mas são vitais no momento de se dar nota a um filme. São eles:





Atendimento as Expectativas:

Muito da qualidade percebida de um filme vem das expectativas criadas ao redor dele. Um filme que cria muito alarde nos trailers e na divulgação de marketing, terá muitas dificuldades de pelo menos igualar as expectativas criadas. Por outro lado, um filme de baixo orçamento não criará altas expectativas, e portanto, terá uma maior chance de atingi-las.

Outro fator determinante no atendimento as expectativas diz respeito a maneira como o filme foi vendido nos trailers e nos materiais promocionais. Se o filme é sugerido como um terror na divulgação mas na verdade se mostra um drama, então esse filme não cumpriu as suas expectativas.

Além disso, é importante levar em conta que as expectativas de uma produção cinematográfica dependem diretamente do seu gênero e público alvo. A expectativa de um filme infantil, é que divirta, e no máximo ensine alguma lição de moral para as crianças. Diferente de um filme “cabeça”, em que se espera alguma reflexão mais profunda



Valor de Entretenimento:

Diz respeito a capacidade que o filme tem de entreter o público. Filmes divertidos e leves, como aventura e comédias de qualidade, levam vantagem nesse quesito. Mas longas que prendem a atenção do expectador também entretém.

Por outro lado, filmes com um ritmo mais lento, além de longas com cenas perturbadoras tendem a causar desconforto no expectador, seja ele através do cansaço, nojo ou medo.



Valor Intelectual:

Se refere a profundidade intelectual do filme. O quanto ele faz o expectador refletir, e o quanto trata de forma competente e inteligente de temas filosóficos, de crítica social, ou psicológicos.

Porém, de nada adianta encher de temas profundos se os mesmos não têm coesão com a história. Tudo deve estar conectado, e atendendo a uma sequência válida de argumentos de forma a fazer o expectador refletir.

Um filme com o valor intelectual alto, é aquele que você se pega pensando e refletindo sobre o que viu mesmo após algumas horas ou até mesmo dias depois de o assistir.



Fórmula de cálculo da nota:

Por fim, a nota final do filme é calculada através da seguinte fórmula abaixo

NOTA  DO FILME = (Nota Roteiro x 1) + (Nota Direção x 1) + (Nota Atuações x 1) + (Nota Edição e Montagem x 1) +(Nota Fotografia x 0,6) + (Nota Trilha Sonora ou sonoridade  x 0,6) + (Nota Atendimento as Expectativas x 1,6) + (Nota Valor de Entretenimento x 1,6) + (Nota Valor Intelectual x 1,6)

Caso o filme tenha efeitos visuais, então esse elemento é levado em consideração na avalição, tendo peso = 0,5. Para compor esse peso são descontados 0,1 dos pesos da Fotografia, Trilha Sonora/Sonoridade, Atendimento as Expectativas e Valor de Entretenimento e Intelectual









domingo, 3 de dezembro de 2017

Os 5+: Melhores Filmes Brasileiros de Todos os Tempos






Há quem diga que o cinema nacional é ruim, não chega aos pés de Hollywood e não se equipara nem mesmo as produções da nossa vizinha Argentina. Quem diz isso não conhece o real cinema brasileiro. Conhece apenas a ponta do iceberg, o cinema comercial de baixa qualidade verde e amarelo, filmes estúpidos de comédia pastelão barata.

Porém, quem se aventura a ir mais a fundo nas entranhas de cinemas que fogem ao circuito tradicional, certamente irá encontrar todos os anos produções nacionais da mais alta estirpe. E até mesmo o cinema comercial brasileiro tem exemplos de excelentes filmes como Tropa de Elite, Cidade de Deus e mais recentemente Bingo: O Rei das Manhãs.

É claro que o cinema nacional não se equipara ao americano, muito por conta do enorme volume de filmes Hollywoodianos, frente a baixa produção brasileira. No entanto, existem muitos filmes nacionais que dão de 10 a zero em muita produção gringa, seja ela americana, europeia ou argentina. E é isso esse que procuramos fazer nesse artigo; listar quais os melhores filmes nacionais de todos os tempos.

Confira abaixo a lista que deixa muito filme gringo no chinelo:




5° Central do Brasil (1998)


O filme do diretor Walter Salles conta a história de Dora (Fernanda Montenegro), uma professora aposentada que ganha a vida escrevendo cartas para analfabetos na estação de trem Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Apresentada como uma pessoa amarga e cínica, tudo começa a mudar na vida da protagonista quando uma mulher que deseja enviar uma carta ao pai do seu filho no Ceará acaba morrendo, e Dora se vê responsável pelo menino. Decidindo partir em uma jornada até o nordeste do Brasil para realizar o sonho do garoto de finalmente conhecer o pai.

A obra é um road movie dramático e cativante sobre a relação entre uma mulher amargurada e dura e um menino sonhador e impetuoso. E muito da qualidade do filme reside na química entre esses dois personagens. Enquanto que o pequeno Vinicius Araújo surpreendeu a todos pela sua impactante atuação mesmo com a pouco idade, Fernanda Montenegro realizou possivelmente a melhor atuação feminina da história do cinema nacional. Além da qualidade das atuações o filme também conta com grande direção, edição, fotografia e roteiro.

Tantas qualidades levaram Central do Brasil a concorrer a estatueta do Oscar no ano seguinte, nas categorias de melhor filme estrangeiro e melhor atriz, mas infelizmente acabou não levando o prêmio. Se na academia o longa não levou, o mesmo não pode se dizer de outras importantes premiações estrangeiras, como o Globo de Ouro e o BAFTA, ambas na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Além do conceituado Festival de Berlim, em que o filme abocanhou 2 ursos, o Urso de Ouro (Melhor Filme), o também o Urso de Prata (Melhor Atriz).





4° Tropa de Elite 1 e 2 (2007 e 2010)


Dirigido por José Padilha e estrelado por Wagner Moura, tanto o primeiro como o segundo Tropa de Elite são verdadeiros marcos para o cinema nacional, seja pelas suas frases de efeitos, pela violência ou simplesmente pela grande qualidade cinematográfica das produções.

Os dois filmes são ao mesmo tempo diferentes e complementares, e juntos podem ser entendidos como uma só obra, por isso a opção de dar o quarto lugar na lista para os dois. Enquanto que no primeiro filme os antagonistas são os traficantes da favela, na sequência “o inimigo agora é outro”, como diz o próprio subtítulo do longa. O antagonista dessa vez é o tal do sistema (“o sistema é foda”, parafraseando o Capitão Nascimento), o inimigo são os políticos, os policiais corruptos e milicianos, e acima de tudo “o sistema” que os sustenta.

Apesar da polêmica envolvendo o primeiro longa, e as acusações de ser fascista, podemos entender o a primeira parte da obra de Padilha como uma crítica a segurança pública de um modo geral, desde a violência praticada pelos criminosos até a executada pela própria polícia. Esse ponto de vista fica ainda mais claro no segundo filme, em que todas as possíveis ambiguidades presentes no primeiro são de fato esclarecidas.

Existem muitos grandes filmes nacionais se formos analisar apenas as qualidades cinematográficas, muitos até melhores que Tropa de Elite 1 e 2. Mas o fato é que existem poucos filmes icônicos brasileiros, com frases e cenas marcantes, e nesse quesito Tropa de Elite é insuperável. Como não lembrar de cenas como os discursos sobre estratégia do Capitão Nascimento (Estratégia: do grego......), e falas como as famosas “Pede pra sair!”, “Não vai subir ninguém”, “Você é moleque!”, “Quem quer rir, tem que fazer rir” e “Ele se acha o pica das galáxias”, só pra citar algumas.

Mas acima de tudo os dois Tropas de Elite são filme impactantes e com muita qualidade técnica e de atuações. Tanto é que o primeiro longa recebeu o Urso de Ouro do festival de Berlim na categoria de melhor filme.







3° Abril Despedaçado (2001)


Abril Despedaçado se passa no sertão nordestino em 1910 e conta a história de duas famílias inimigas, que desde muito tempo atrás se veem envolvidas em uma disputa por terras e vingança. O filme começa quando Inácio, irmão mais velho de Tonho (Rodrigo Santoro) é assassinado por um membro da família rival e segundo o código de honra da região o irmão mais novo do assassinado deve vingar sua morte. Incumbido da morte do homem que matou seu irmão, Tonho tem de seguir o seu destino e perpetuar o ciclo de vinganças entre as famílias.

Dirigido por Walter Salles, o filme é um verdadeiro deleite para os amantes da sétima arte, com uma direção magistral cheia de metáforas visuais. Além de um grande trabalho de fotografia, que além de ser belíssima, serve muito bem para contar a história através das cores, algo muito raro de se ver tanto no cinema nacional como até no cinema americano e mundial.

Apesar de não ter ganhado muitos prêmios, foi indicado ao Globo de Ouro e o BAFTA e ganhou o Festival de Havana. O filme é sem dúvida um dos mais belos esteticamente e poéticos da história do cinema brasileiro. Além de contar com atuações muito cruas e impactantes, como por exemplo a de Rodrigo Santoro. Atuação essa que abriu as portas de entrada do ator para papéis em produções internacionais.

Para quem quiser mais detalhes sobre o filme, existe uma crítica aqui no blog.







2° O Pagador de Promessas (1962)


Dirigido por Anselmo Duarte, O Pagador de Promessas narra a história de peregrinação de Zé do Burro, um pacato e simplório homem do campo que faz uma promessa para a Iansã para que a mesma cure o seu amado burrinho de estimação Nicolau. Uma vez que o burro é salvo, Zé decide cumprir a sua promessa de ir andando com uma cruz nas costas até uma igreja que fica a quilômetros da sua casa. No entanto, ao chegar na igreja o padre não o deixa entrar, pelo fato de Zé ter feito a promessa a uma entidade do Candomblé, que o catolicismo julga como magia negra. A partir daí se inicia o principal conflito do filme que dura até o final e toma proporções gigantescas com a chegada da imprensa, do povo e da polícia.

Além de ser um filme extremamente belo, com enquadramentos impressionantes visualmente e narrativamente, o filme de Anselmo Duarte é uma inteligente crítica a vários setores da sociedade, como a Igreja, a Polícia, e a Imprensa. É possivelmente o longa mais crítico e intelectual da história do cinema nacional. Mas não é nem de longe um filme pedante e difícil de entender. Pelo contrário, tem uma trama simples, porém com camadas muito interessantes se analisadas mais a fundo.

Tanta qualidade levou O Pagador de Promessas a ser o primeiro longa brasileiro indicado ao Oscar de melhor filme. E apesar de não levar a estatueta, o filme foi premiado no tradicional festival de Cannes com a Palma de Ouro de Melhor Filme, além de ter vencido os festivais de Cartagena na Espanha e San Francisco nos EUA.
Para quem quiser mais detalhes sobre o filme, existe uma crítica aqui no blog. 



1° Cidade de Deus (2002)


Se tem um filme brasileiro que consegue ser ao mesmo tempo belo visualmente, profundo intelectualmente e com um alto valor de entretenimento, esse filme é definitivamente Cidade de Deus.

O longa dirigido por Fernando Meireles e codirigido por Katia Lund conta a história do surgimento das organizações criminosas na favela da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro dos anos 60, até chegar aos anos 80, época que a comunidade já era considerada um dos lugares mais perigosos do Brasil.

Assim como em Tropa de Elite, o filme de Meireles possui uma série de cenas e falas icônicas. Como por exemplo a cena da perseguição da galinha, ou a cena em que o personagem Buscapé é filmado em 360°. Além é claro de frases marcantes como: “Dadinho é o caralho, meu nome é Zé Pequeno!”, e “Prefere levar um tiro na mão ou no pé?”.

O que o diferencia de Tropa de Elite nesse aspecto, é que as frases e momentos icônicos não ficaram restritos ao público nacional. Cidade de Deus influenciou obras também fora do Brasil, como a HQ Coringa de Brian Azzarello, que conta com um enquadramento claramente alusivo ao filme tupiniquim, além de ter influenciado também animes japoneses e filmes americanos. Mais detalhes sobre as obras influenciadas por Cidade de Deus podem ser encontradas nesse artigo da Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_de_Deus_(filme)#Legado_e_influ.C3.AAncia

Além da forte influência na cultura pop e nos filmes e obras audiovisuais que o seguiram, o longa conta também com um forte componente intelectual que aliado a uma qualidade cinematográfica tão grande de direção, fotografia e direção e montagem, transformaram o filme é uma verdadeira obra prima. Todos esses componentes trabalham perfeitamente para desenvolver a narrativa de forma a entreter quem busca apenas um bom filme de ação. Mas ao mesmo tempo também agrada o público mais cult, com uma infinidade de recursos cinematográficos, como metáforas visuais e enquadramentos, movimentos de câmera e montagem inteligentes e rebuscados, além de um texto muito bem escrito adaptado da do livro de Paulo Lins.

Pode se dizer que Cidade de Deus é um daqueles raros filmes que agradam a quase todo tipo de público. O equilíbrio entre o componente artístico, intelectual e de entretenimento é impressionante. É por conta disso que o longa recebeu tanto reconhecimento estrangeiro, sendo indicado a 4 Oscars (único filme brasileiro a tingir tal feito), competindo em categorias que filmes não americanos raramente concorrem, como: Melhor Direção, Roteiro Adaptado, Edição e Fotografia.

Cidade de Deus também está presente em uma série de listas estrangeiras de melhores filmes de todos os tempos. O longa figura no IMDB como 21° melhor filme da história. Além de estar presente em listas da revista americana Time, e dos britânicos Empire e The Guardian.


quarta-feira, 29 de novembro de 2017

GrilloCast 2 - Stranger Things 2

Destrinchamos a 2° temporada de Stranger Things. Com direito a nota para os principais elementos cinematográficos da série; como direção, roteiro, atuações, fotografia, trilha sonora, entre outras.

Confira abaixo:


domingo, 26 de novembro de 2017

Faça a Coisa Certa (1989)






Dirigido por Spike Lee, Faça a Coisa Certa foi um verdadeiro para marco para o cinema negro nos EUA. O filme foi um grande sucesso de crítica e público e se tornou um divisor de águas em Hollyood, a partir daí a porta foi aberta para cineastas negros e produções com um elenco majoritariamente afrodescendente. Provavelmente não existiriam os cultuados Moonlight e Corra! Se não tivesse sido filmado lá em 1989, o importante longa de Lee. Mas afinal de contas porque Faça a Coisa Certa é tão importante e marcante na história do cinema?

Primeiramente porque o roteiro é muito sagaz. Consegue mostrar de uma forma inteligente e divertida a questão do conflito racial nos EUA. Divertida porque os diálogos são ágeis dinâmicos e muitas vezes hilários, inteligente porque aborda esse tema tão complicado de forma não maniqueísta, e faz o expectador realmente refletir sobre o tema.

Pode se dizer que cada personagem representa um ideal na forma como se enfrenta ou pratica o racismo. Logo de cara fica claro a alusão as ideias de Martin Luther King e Malcom X, e suas visões distintas de se combater o preconceito e as desigualdades raciais. Os ideiais combativos de Malcom X de se fazer justiça racial e se defender através da violência são personificados pelos personagens Radio Raheem e Buggin´out, dois jovens revoltados e cheios de ódio. Enquanto que a linha de pensamento pacifista de Luther King é personificada através do personagem Prefeito, um homem de idade maltrapilho, que é alvo de piadas dos moradores do bairro.

Por outro lado, existe um meio termo entre os dois, e esse é o protagonista da trama, Mookie, o entregador da pizzaria do bairro, vivido pelo próprio Spyke Lee. O personagem parece estar alheio aos conflitos raciais, não toma partido sobre as questões levantadas por Buggin´out e Radio Raheen porque precisa do emprego. Prefere estar isento nessa questão para não desagradar nenhum dos lados, nem os seus patrões brancos e muito menos os seus amigos negros.

Do ponto de vista de quem pratica o preconceito, o filme não se omite em denunciar todos os tipos de racismo, desde o mais comum dos brancos em relação aos negros, mas também o dos próprios negros em relação aos latinos e asiáticos. Enquanto que o personagem Pino, ítalo-americano filho do dono da pizzaria é a representação do preconceito descarado e declarado, o pai do mesmo, Sal, representa o racismo velado, diz que gosta dos negros, mas na verdade só o interessa o lucro que os mesmos trazem ao seu comércio, mostrando inclusive o seu lado racista quando confrontado por Radio Raheem.

Por outro lado, os negros do filme também são preconceituosos com os latinos recém-chegados ao bairro de Broklyn. Como por exemplo o personagem Mookie que tem um filho com uma porto-riquenha, mas se mostra claramente irritado com o fato do seu filho ter um nome hispânico, Hector, e da sua sogra só falar com ele em espanhol. Já o preconceito com os asiáticos é mostrado com a família de chineses que tem um mercadinho no bairro, e sofre com a xenofobia de parte dos moradores negros que se irritam com a prosperidade dos imigrantes.

Há também uma crítica forte ao tratamento que os negros recebem da polícia, que não tem pudores de usar a violência desmedida para conter conflitos que começam pequenos, mas que se tornam enormes devido a brutalidade das medidas utilizadas pelos policiais para resolve-los.

A que se destacar também as metáforas e simbolismos utilizados no filme. Além dos personagens que personificam certos ideais citados acima, existem também outras alegorias envolvendo o clima e até uma estação de rádio que narra o dia a dia dos moradores. O clima cada vez mais quente das ruas do bairro, beirando os 40° graus, representa a tensão desde cedo instalada na história que vai crescendo gradualmente até literalmente explodir no ato final, os pequenos conflitos são um barril de pólvora prestes a estourar, só aguardando o estopim. Enquanto que o personagem de Samuel L. Jackson, o radialista da estação Love (a rádio não tem esse nome a toa), pode ser entendido como uma espécie de entidade onipresente que alegra a vida das pessoas com suas músicas e também está a par de tudo que acontece sem nunca se envolver com os personagens. É portanto uma metáfora de um deus do bairro do Broklyn, que se compadece com os dramas dos moradores, prega uma mensagem de tolerância e amor, mas não chega a tomar nenhuma atitude propriamente dita.

Falando agora sobre a direção, Spyke Lee dá uma verdadeira aula de como evocar sensações e sentimentos na audiência ao mesmo tempo em que passa a sua mensagem. Através de close-ups claustrofóbicos nos rostos dos personagens suados pelo calor extenuante e cheios de raiva consegue colocar o expectador naquela zona de desconforto e ebulição pelo qual passam os personagens. Além disso, ele utiliza outros recursos para causar desconforto, como filmar em um ângulo meio inclinado, que acaba gerando uma
sensação de estranhamento. Sem falar na sua inventividade e arrojo para enquadrar os personagens e fazer movimentos de câmera orgânicos e ágeis, utilizando muitas vezes a câmera na mão.

Aliado a direção está a fotografia, que consegue também transmitir todo esse calor e tensão presentes na película. Abusando de uma palheta de cores regada a tons fortes e coloridos.

Outro fator que contribuem para dar o tom do filme é a trilha sonora a base de hip-hop e que sempre entra em momentos oportunos na história, com destaque para a canção Fight the Power do Public Enemy, tocada sempre nos momentos em que algum conflito estava para acontecer.

Falando das atuações, Faça a Coisa Certa conta com um elenco estrelar, sendo que muitos atores viriam a brilhar tempos depois em outras produções. O longa conta o próprio Spyke Lee no papel do protagonista Mookie, que tem  uma atuação muito segura e verdadeira. Além de nomes conhecidos como Danny Aiello (Poderoso Chefão) e John Turturro (O Grande Lebowisk) nos papeis do pai e filho que trabalham na pizzaria. O irreconhecível Gian Carlo Esposito, ele mesmo, o Gus Fring de Breaking Bad, no papel de Buggin´out. Martin Lawrence (Vovozona), ainda em começo de carreira e com um papel bem pequeno, além do grande Samuel L. Jackson como o radialista.

O filme conta com muitos personagens, por isso não é possível descrever todas as atuações com detalhes, mas todos os personagens servem para desenvolver a narrativa e contam com atuações muito competentes.

Por fim, Faça a Coisa Certa é um filme essencial para quem deseja entender e refletir melhor sobre o tema dos conflitos raciais. O longa não toma um partido claro sobre de que forma esse problema deve ser enfrentado, apresenta os ideias de Luther King e Malcom X e os seus prós e contras, e deixa a cargo do público refletir sobre o que é mostrado em tela. Apesar do foco no tema social, o filme não deixa de lado o entretenimento do expectador, apresentando personagens interessantes e divertidos, e abusando da linguagem cinematográfica e de qualidade para criar uma grande obra de arte moderna.





NOTA: 9,58


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Borg vs Mcenroe       


    



Filmes que contam a história de um grande esportista sempre chamam a atenção do público. Descobrir o caminho que levou uma grande estrela ao status de campeão é muito interessante. No entanto, esse tipo de história pode se tornar ainda mais interessante quando se fala de dois grandes esportistas, e em especial de uma grande rivalidade. E é por esse caminho que o diretor Janus Metz Pedersen nos leva em Borg vs Mcenroe. Um filme sobre o embate de duas grandes lendas do tênis, dois tenistas completamente distintos, seja na personalidade seja no estilo de jogo. Enquanto que o sueco Borg é um sujeito frio e que prefere jogar no fundo da quadra, o americano Mcenroe é totalmente descontrolado emocionalmente e prefere jogar perto da rede.

No entanto, o que o grande público não sabia é que apesar de aparentarem ser extremamente opostos, eles tinham muito em comum um com o outro. Borg escondia um lado destemperado e briguento, e Mcenroe uma faceta mais tímida e insegura. O interessante do longa é ver como cada jogador tenta reprimir as suas fraquezas para melhorar o seu jogo dentro de quadra.

O roteiro é bom, consegue desenvolver os dois protagonistas e mostrar as características que ambos têm em comum mas que quase ninguém conhecia, através de flashbacks muito bem inseridos, e momentos íntimos fora das quadras que conseguem mostrar a essência de cada tenista. Mas muito do êxito do filme reside nas belas atuações de Shia Lebouf como John Mcenroe e Sverrir Gudnason como Bjorn Borg.  Ambos conseguem passar muito bem as características marcantes dos seus personagens, a frieza de Borg e o descontrole emocional de Mcenroe. Mas mesmo quando aparecem do jeito que o grande público os conhecia, os atores conseguem colocar pitadas dos lados secretos de seus personagens. Mesmo quando Borg aparenta ser uma pessoa fria, Gudnason imprimi certo grau de raiva e descontrole nas feições e na fala do personagem. E o mesmo vale para Lebouf que transmite muito bem todo o ar de insegurança e medo de Mcenroe encoberto pela sua fúria nas quadras.

O longa foca essencialmente nos protagonistas, não dando praticamente nenhuma chance para o elenco de apoio brilhar. Os que mais aparecem são Stellan Skarsgard (Ninfomaniaca) no papel do treinador de Borg e Tuta Novotny como namorada do tenista sueco. Ambos cumprem muito bem o que o roteiro lhes pede, ser um suporte para Borg. Apesar de nenhum deles ter um arco próprio, ambos os atores passam muito bem todo o drama que era estar ao lado de Borg naquele momento de tensão e pressão. Skarsgard transmite muito bem o carinho e o caráter paternal e por vezes duro da figura do treinador, enquanto que Novotny transparece a dor da namorada que sofre por não conseguir ajudar o tenista a ficar menos tenso.

Quanto a direção, a mesma não chega a brilhar, porém é muito competente para fazer algo que poucos filmes de esporte conseguem, filmar com realismo cenas da ação de uma partida. As cenas de tênis são muito bem orquestradas, com um bom repertório de planos e movimentos de câmera, que não são nenhum pouco repetitivos, muito pelo contrário, são bem inventivos e conseguem colocar o expectador dentro da quadra.

Sobre os outros aspectos técnicos, a fotografia é muito bem trabalhada com cores e iluminação que evocam a época que os fatos contados no filme se passaram. E a trilha
sonora é bem discreta, porém é bem executada, em especial na cena da partida entre Borg e Mcenroe, que contribui bem para aumentar a tensão do jogo e dar status de épica a grande final.



O único ponto parcialmente negativo do filme é a montagem, que é muito apressada no começo. Pulando alguns passos da história de forma abrupta e acelerada, e causando um certo desconforto inicial. No entanto, a montagem e edição vão ficando mais precisos no decorrer do longa, fazendo o público conhecer os personagens pouco a pouco e entendendo tudo que está em jogo na grande partida entre eles. Culminando com um ato final muito empolgante e envolvente, que é sem dúvidas o ponto alto do filme. Muito por conta da montagem ágil aliada a grande direção das cenas de jogo.

Concluindo, Borg vs Mcenroe é um filme que com certeza irá agradar aos fãs de esportes, principalmente aos admiradores do tênis. Possui cenas de jogo muito bem filmadas e montadas que empolgam e fazem o expectador literalmente entrar em quadra. Mas o longa não fica só na superfície da disputa esportiva, pelo contrário aborda muito bem temas como competitividade, mundo da fama, e a necessidade de se transformar em algo que você não é na sua essência para alcançar o sucesso e manter as aparências. Esse na verdade é o cerne da história que tem o tênis como pano de fundo. Por esse motivo o filme também agradará quem não se interessa tanto pelo esporte, mas que se interessa sobre esses temas mais profundos.



NOTA: 8,35


domingo, 12 de novembro de 2017

O Expresso da Meia Noite (1978)





Na história do cinema existem diversos filmes sobre a vida dentro de uma cadeia. Alguns exaltam o drama e a violência pelo qual passam os prisioneiros, outros focam em fugas sensacionais. O difícil é encontrar algum que junte essas 2 abordagens e as transforme em uma história original, perturbadora e instigadora. Esse é o caso de Expresso da Meia Noite, de 1978,que possui um drama do mesmo nível de Em Nome do Pai, e uma fuga tão espetacular quanto um Sonho de Liberdade ou a Fugindo do Inferno.

Com direção de Alan Parker e estrelado por Brad Davis, que vive Billy Hayes, um jovem americano que é preso na Turquia após tentar embarcar em um avião com 2 kg de haxixe. Inicialmente condenado a 4 anos, Billy tem a sua pena alterada para 30 anos devido uma represália do governo turco, que decide usar Billy como exemplo de combate as drogas em resposta a política antidroga internacional do presidente dos EUA Ronald Reagan.

Se ir para a cadeia já é uma tragédia, ser preso em um país estrangeiro com uma cultura totalmente diferente da sua é pior ainda. Esse é o fio condutor da trama, como um americano condenado a passar o resto da sua existência em uma terra distante e distinta da sua reage a essa dura realidade? Hayes sofre nas mãos dos guardas violentos, do carcereiro sádico e principalmente da falta de esperança e de um sentido para continuar a viver.

O filme se torna ainda mais impactante quando descobrimos que se trata de uma história real, que apesar de algumas adaptações em relação ao que aconteceu de verdade não deixa de ser triste, angustiante e perturbadora. Mas não adiantaria nada apenas a história ser impactante, se os outros elementos cinematográficos não o fossem. Além do roteiro, a direção, a fotografia, a trilha sonora e as atuações são excelentes.

Aliás, cinematograficamente falando o filme é impressionante, a começar pela direção de Parker. O cineasta sabe usar muito bem o jogo de mostra e esconde. Mantendo a tensão das cenas até o máximo de tempo possível. Suspendendo com maestria o clímax, e criando uma angustia e desconforto essenciais para deixar o expectador sem respirar, e faze-lo entrar no clima do filme.

Muito do impacto do longa vem do desconforto com o que é mostrado em tela. Ao manter a tensão suspensa por mais tempo o diretor causa uma sensação perturbadora no público, que sofre mesmo já sabendo que algo de muito ruim irá acontecer. Mas o segredo está em justamente prolongar essa angustia. 

Outro fator que contribuí para esse clima perturbador e desconfortável do longa é a fotografia. Predominantemente com um aspecto sujo, recheado de tons escuros e arenosos, o filme é fotografado de forma a colocar o expectador naquele mundo desesperador e fétido.

Apesar da excelente direção e fotografia, é outro aspecto técnico que rouba a cena no filme, a trilha sonora. Marcante e angustiante, a trilha é regada a distorções eletrônicas que foram revolucionárias para a época. Mesmo após tanto tempo a trilha não perdeu nem um pouco o seu impacto na experiência de quem assiste a obra. Apesar de atualmente ser algo comum um filme com uma trilha eletrônica, dificilmente ouvimos algo tão poderoso quanto ouvimos em Expresso da Meia Noite. A qualidade e inovação do trabalho do compositor Giorgio Moroder foram reconhecidas pela academia, que concedeu ao longa a estatueta de Melhor Trilha Sonora.

Se a trilha é o melhor elemento técnico do filme, a atuação de Brad Davis é sem dúvidas o elemento humano decisivo para tornar o Expresso da Meia Noite uma obra prima da sétima arte. O ator vive um jovem que começa frágil e ingênuo, mas aos poucos vai endurecendo, amadurecendo e enlouquecendo. Todas essas facetas do personagem são transmitidas com extrema veracidade. Com destaque para a cena em que o personagem tem um ataque de fúria contra o carcereiro da prisão, uma das mais fortes de todo o filme, se não a mais. Muito por conta da atuação alucinante e frenética de Davis, somada com uma direção e movimentos de câmeras igualmente alucinantes e frenéticos.

O restante do elenco também está muito bem, com destaque para John Hurt no papel de Max. Um homem já degradado pelos anos na prisão, que o tornaram louco, mas ainda assim não deixando de ser amigável e polido como um verdadeiro inglês. Ele é um dos amigos de Billy na cadeia e tem papel significativo no arco dramático do protagonista. É sem dúvidas um dos personagens mais cativantes do longa, muito por conta da grande atuação e do carisma do ator.

Jimmy e Erich, os outros amigos de Billy na prisão também cumprem muito bem o seus papeis de desenvolverem o protagonista, mas não tem muito desenvolvimento eles mesmos. Por fim, outro destaque fica com Paul L. Smith, no papel do policial chefe da prisão o principal antagonista da história, e que apesar de falar pouco, quase nada e ainda por cima em turco, consegue impor medo apenas com a sua expressão soturna e macabra.

Falando ainda sobre os personagens turcos do filme, esse é o único ponto negativo de o Expresso da Meia Noite. Todos são retratados de forma extremamente estereotipada. Mostrados no filme como verdadeiros “porcos”, como o próprio protagonista diz na cena do julgamento. Nenhum turco é mostrado de forma positiva no filme, ou são violentos e selvagens, ou então são malandros e corruptos. Fica claro que o ponto de vista do filme é totalmente parcial e preconceituoso. Por motivos dramáticos de criar antagonistas fortes era natural que os turcos fossem tratados no geral como vilões, porém o filme os trata de maneira totalmente unidimensional, não realista e absolutamente maniqueísta.
Esse aspecto do roteiro, foi criticada pelo próprio Billy Hayes da vida real, que disse em algumas entrevistas que apesar de tudo que passou gosta do povo turco, não os julga como um “país de porcos”, como mostrado no filme. Sentiu raiva dos que o fizeram mal sim, mas não generaliza esse ponto de vista negativo aos turcos como um todo.

Apesar dessa retratação preconceituosa dos turcos o filme não deixa de ser uma obra prima, a qualidade da direção, atuações, fotografia e trilha sonora são impressionantes. Porém, se mostrasse os nativos do país de uma forma menos unidimensional, com certeza o filme seria melhor ainda, mais rico narrativamente e bem mais profundo e complexo.

No final das contas Expresso da Meia Noite é uma obra que não deixa absolutamente ninguém indiferente. É impossível não sofrer junto com o drama do protagonista, e quase sentir a mesma angustia e desespero que ele. Por tudo isso, o filme deve ser visto e revisto por qualquer cinéfilo que se preze.





NOTA: 9,32